Table Of ContentComo
os franceses
inventaram
o amor
Nove séculos de
romance e paixão
Marilyn Yalom
Tradução
Leila V. B. Gouvêa
Sumário
EPÍGRAFE
NOTA AO LEITOR
INTRODUÇÃO
Abelardo e Heloísa, santos patronos dos amantes franceses
UM
Amor cortês: como os franceses inventaram o amor
DOIS
Amor galante: A princesa de Clèves
TRÊS
Amor cômico, amor trágico: Molière e Racine
QUATRO
Sedução e sentimento: Prévost, Crébillon Filho, Rousseau e Laclos
CINCO
Cartas de amor: Julie de Lespinasse
SEIS
Amor republicano: Elisabeth Le Bas e Madame Roland
SETE
A saudade da mãe: Constant, Stendhal e Balzac
OITO
O amor entre os românticos: George Sand e Alfred de Musset
NOVE
O amor romântico esvaziado: Madame Bovary
DEZ
O amor nos alegres anos 1890: Cyrano de Bergerac
ONZE
O amor entre homens: Verlaine, Rimbaud, Wilde, Gide
DOZE
Desejo e desespero: os amantes neuróticos de Proust
TREZE
O amor lésbico: Colette, Gertrude Stein, Violette Leduc
CATORZE
Existencialistas apaixonados: Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre
QUINZE
O império do desejo: Marguerite Duras
DEZESSEIS
O amor no século XXI
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
BIBLIOGRAFIA
Nem você sem mim, nem eu sem você
Ni vous sans moi, ni moi sans vous
O “lai da madressilva”, Marie de France, século XII
Nota ao leitor
Como os franceses amam o amor! Ele ocupa um lugar privilegiado em sua
identidade nacional, assim como a moda, a comida e os direitos humanos. Um
francês ou uma francesa sem desejo é considerado alguém imperfeito, como
uma pessoa desprovida de paladar ou olfato. Há séculos os franceses se
consideram mestres da arte de amar por meio de sua literatura, sua pintura,
suas canções, seu cinema.
Recorremos com frequência a expressões francesas do vocabulário do
amor. Em inglês, o beijo de língua é conhecido como “beijo francês”. Usamos
as expressões rendez-vous, tête-à-tête e ménage à trois para aludir a
intimidades com certo sabor francês. A palavra “galanteio” vem diretamente
da língua francesa, e a palavra amour não necessita de tradução, nem mesmo
para os falantes de inglês, que usam um termo tão diferente para designar a
mesma coisa (love). Nós, como boa parte do mundo, somos fascinados por
tudo o que é de origem francesa para melhorar a aparência física ou a vida
amorosa.
Uma característica definidora do amor à la française é sua decidida ênfase
no prazer sexual. Mesmo franceses mais velhos cultivam uma visão do amor
fundamentada na carne, conforme indicou uma recente pesquisa com
cidadãos americanos e franceses na faixa dos cinquenta aos 64 anos. Segundo
um estudo publicado na edição de janeiro-fevereiro de 2010 da AARP
Magazine, apenas 34% do grupo de franceses concorda com a afirmação de
que pode haver “verdadeiro amor sem uma fulgurante vida sexual”, em
comparação com 83% dos americanos ouvidos. Uma diferença de 49 pontos
percentuais na avaliação sobre a necessidade de sexo no amor constitui uma
estatística espantosa! Essa ênfase dos franceses na satisfação carnal soa aos
americanos mais comedidos como deliciosamente impertinente.
Além disso, a ideia francesa do amor inclui elementos mais obscuros, que
os americanos relutam em admitir como normais: ciúme, sofrimento, relações
extraconjugais, multiplicidade de amantes, crimes passionais, até mesmo a
violência. Talvez mais do que qualquer outra coisa, os franceses aceitam a
premissa de que a paixão sexual justifica-se por si. O amor simplesmente não
tem a mesma moral subjacente que os americanos esperam que ele tenha.
Da lenda medieval de Tristão e Isolda a filmes modernos como A sereia do
Mississipi, A mulher do lado e Partir, o amor é representado como um fatum –
um irresistível fado contra o qual é inútil se rebelar. A moralidade se revela
como um frágil obstáculo quando confrontada com o amor erótico.
Neste livro, rastreio o amour à la française – o amor ao estilo francês –
desde o surgimento do romance no século XII até a nossa era. Aquilo que os
franceses inventaram há novecentos anos, e continuaram reinventando
através dos tempos, tem extravasado para muito além das fronteiras da
França. Os americanos de minha geração pensam nos franceses como
provedores do amor. A partir de seus livros, canções, revistas e filmes,
formamos uma imagem do romance sensual que estava em conflito com o
eufemizado modelo americano dos anos 1950. Como os franceses chegaram a
isso? Escrevi este livro para responder a essa questão.
Introdução
Abelardo e Heloísa, santos
patronos dos amantes franceses
Em toda a minha vida, sabe Deus, foi tu, e não Ele, quem eu temi ofender, foi tu, em vez Dele, quem
procurei agradar.
Heloísa a Abelardo, c. 1133
Abelardo e Heloísa são tão familiares aos franceses como Romeu e Julieta
aos demais países do Ocidente. Esse casal de amantes, que viveu no início do
século XII, nos legou uma história tão estranha que pode ser lida como uma
narrativa gótica. As surpreendentes cartas que trocaram, em latim, e a
autobiografia de Abelardo, Historia calamitatum [A história de minhas
calamidades], tornaram-se textos emblemáticos na história do amor na França.
Abelardo foi um pregador itinerante, erudito, filósofo e o professor mais
popular de seu tempo. Dos vinte até quase os quarenta anos, ficou famoso por
seus discursos sobre dialética (lógica) e teologia. E sua beleza não o prejudicou.
Como os astros de rock de hoje, sua aparência como orador ajudou a atrair
multidões de admiradores. Antes do surgimento das universidades na França,
havia escolas urbanas distritais que se formavam em torno de estudiosos
célebres, e a que foi criada por Abelardo em Paris reuniu estudantes de todas
as regiões da cristandade.
Heloísa, sobrinha e pupila do cônego de uma igreja em Paris, já na
adolescência se destacava pela brilhante inteligência e pelo aprendizado
avançado. Já dominava o latim e viria a se tornar proficiente em grego e
hebraico. Atraído por esse talento singular, Abelardo engendrou um plano
infalível para seduzi-la: hospedar-se na casa do cônego a fim de ministrar aulas
particulares à jovem. Não demorou para Abelardo e Heloísa caírem nos braços
um do outro e se envolverem em uma ardente paixão.
Durante o inverno de 1115-1116, quando se tornaram amantes, Heloísa
teria apenas quinze anos, e Abelardo, por volta dos 37. Até conhecê-la, ele
ainda era um adepto do celibato e estava totalmente despreparado diante da
força irresistível daquela paixão arrebatadora: “com os livros abertos à nossa
frente, havia mais palavras de amor do que as que estavam impressas, e mais
beijos do que estudo. Minhas mãos percorriam mais vezes seus seios do que as
páginas; o amor levava nossos olhos a se fixarem antes um no outro do que na
leitura dos textos”.[1]
Para Heloísa, aquele amor era um paraíso de êxtase que ela não conseguia
apagar da memória: “Os prazeres de amor que compartilhávamos eram
demasiado doces – nunca poderiam me desagradar, e mal podiam deixar meus
pensamentos”.
Mas havia uma desvantagem naquele amor erótico. O trabalho de
Abelardo começou a se ressentir, e seus alunos passaram a reclamar de suas
distrações. Ocupado em compor canções de amor para Heloísa, mais do que
em discorrer sobre teologia, ele se tornou surdo aos rumores que passaram a
circular sobre eles. Por fim, o tio de Heloísa não pôde mais continuar alheio ao
caso amoroso, e os amantes foram obrigados a se separar, não antes, porém,
que Heloísa engravidasse. Abelardo a mandou para a casa de sua família na
Bretanha e continuou em Paris enfrentando a ira daquele tio. Os dois
concordaram que o casamento seria a solução para reparar a desonra da
jovem. No entanto, nenhum dos dois prestou atenção às objeções de Heloísa:
ela preferia continuar amante de Abelardo em vez de se tornar sua esposa,
pois, a seu ver, o casamento seria um desastre para a carreira do companheiro.
Ela ainda compartilhava a opinião geral de que o amor não podia florescer
dentro do casamento.
Apesar disso, logo depois do nascimento do filho, a quem deram o nome de
Astrolábio, Abelardo e Heloísa se casaram secretamente numa igreja na
presença do tio dela e de algumas poucas testemunhas. Eles pretendiam que o
casamento ficasse em segredo, de modo a não prejudicar a reputação de