Table Of ContentBudismo	e	Filosofia
em	diálogo
	
	
	
Antonio	Florentino	Neto
Oswaldo	Giacoia	Jr.
(Orgs.)
	
	
	
	
Editora	Phi	LTDA
Campinas	-	SP
2014
Editores
Antonio	Florentino	Neto
Douglas	Ferreira	Barros
	
Conselho	Editorial
Adriano	Naves	Brito
Alcino	Eduardo	Bonella
Daniel	Omar	Perez
Eder	Soares	Santos
Henry	Burnett
Jeanne	Marie	Gagnebin
Luiz	Paulo	Rouanet
Marcio	Suzuki
Marcos	Lutz	Muller
Oswaldo	Giacoia	Jr.
Robson	Ramos	Reis
Sofia	Stein
Editora	Phi	Ltda
	
Rua	Castro	Mendes,	133
Taquaral	-	Campinas-	SP	-	Brasil
13076-120
	
www.editoraphi.com.br
e-mail:	[email protected]
	
©	2014	copyright	Editora	Phi	LTDA
	
Editor	responsável
Antonio	Florentino	Neto
	
Diagramação
Eva	Maria	Maschio
	
E-book
Eduardo	de	Andrade	Silva
	
ISBN
978-85-66045-24-6
Apresentação
	
Na	edição	de	2013,	a	série	de	Diálogos	Ocidente-Oriente	decididamente	avançou
no	 caminho	 de	 uma	 aproximação	 entre	 a	 moderna	 filosofia	 ocidental	 e	 o
pensamento	Zen	Budista.	Nesse	sentido,	a	presença	estimulante	e	inspiradora	de
Ryosuke	Ohashi,	um	autêntico	representante	da	Escola	de	Kyoto,	bem	como	seu
importante	historiador,	proporcionou-nos	uma	atmosfera	intelectual	que	tornou
possível	vivenciar	algo	do	espírito	dessa	escola	filosófica,	tanto	mais	quanto
Ohashi	não	se	limitou	a	nos	oferecer	generosamente	o	compartilhamento	de	sua
obra,	 mas	 mergulhou	 na	 filosofia	 e	 na	 arte	 brasileiras	 com	 um	 interesse	 e
curiosidade	espantosamente	juvenis,	visitando	nossa	estética	tropicalista	a	partir
de	um	olhar	e	de	um	modo	de	sentir	caracteristicamente	japoneses.	Ryosuke
Ohashi	e	Hisao	Matsumaru	nos	acompanharam	pelos	intrincados	percursos	da
lógica	do	lugar,	bem	como	do	conceito	de	Nada	absoluto,	tornando	possível	aos
membros	de	nosso	“Grupo	de	Estudos	sobre	o	Pensamento	Japonês”,	bem	como
aos	participantes	do	colóquio,	apreender	de	maneira	privilegiada	o	essencial	da
filosofia	 de	 Kitarô	 Nishida.	 Com	 eles,	 pudemos	 dialogar	 de	 maneira
extremamente	produtiva	sobre	Nietzsche	e	Nishitani,	sobre	a	interpretação	do
Budismo	por	Schopenhauer	e	o	status	ocupado	por	essainterpretação	no	sistema
depensamento	 único	 do	 autor	 de	 O	 mundo	 como	 vontade	 e	 representação;
naturalmente	 um	 dos	 pivôs	 dessa	 conversa	 filosófica	 foi	 a	 obra	 de	 Martin
Heidegger.	Já	Leonardo	Vieira	compartilhou	com	os	participantes	os	resultados
atuais	de	sua	rigorosa	e	fecunda	exegese	do	pensamento	de	Nāgārjuna.	Para
além	do	horizonte	Zen	Budista,	a	contribuição	extraordinária	de	Dilip	Loundo
nos	descerrou	perspectivas	que,	hauridas	na	filosofia	vedanta	e	na	rica	tradição
espiritual	 do	 bramanismo,	 permitiram	 uma	 contextualização	 histórica	 do
Budismo	em	geral,	e	do	Zen-budismo	em	particular,	inserindo-os	no	interior	do
imenso	panorama	formado	pelos	diversos	ramos	em	que	se	divide	o	riquíssimo
legado	 cultural	 hindu	 –	 o	 que	 proporcionou	 igualmente	 a	 abertura	 para	 um
espaço	 crítico	 em	 relação	 à	 recepção	 dessa	 herança	 por	 pensadores	 como
Nāgārjuna,	Nishida,	Nishitani,	Tanabe	e	o	próprio	Ohashi.Essa	abertura	para	um
distanciamento	 crítico	 em	 relação	 às	 posições	 da	 Escola	 de	 Kyoto	 e	 sua
característica	 interpretação	 do	 Budismo	 Zen	 foi	 também	 poderosamente
estimulada	pela	participação	de	Joaquim	Monteiro,	que	teve	oportunidade	de
discutir	 presencialmente	 com	 os	 convidados	 estrangeiros	 e	 brasileiros	 suas
próprias	 interpretações	 da	 espiritualidade	 budista,	 que	 são	 derivadas	 das
correntes	religiosas	e	culturais	a	que	Monteiro	se	filia.	Giuseppe	Ferraro	abordou
questões	centrais	das	formas	como	Ocidente	e	Oriente,	especialmente	Descartes
e	Nāgārjuna,	pensaram	a	questão	do	ego	e	do	si-mesmo.	Já	Gereon	Kopf	nos
apresentou	 aportes	 fundamentais,	 oriundos	 de	 um	 movimento	 de	 imensa
relevância	 e	 grande	 atualidade,	 a	 saber,a	 relação	 entre	 o	 caráter
“antissubstancialista”	 do	 Zen-budismo	 e	 o	 projeto	 de	 desconstrução	 da
metafísica,	proposto	por	Derrida.	A	presença	de	Agustín	Jacinto	Zavala,	parceiro
constante	em	nosso	trabalho,	foi	essencial	para	um	aprofundamento	de	nosso
diálogo	transcultural,	na	medida	em	que	se	abriu	para	um	fecundo	debate	sobre
suas	 mais	 recentes	 investigações	 no	 campo	 dos	 escritos	 de	 Nishida.Como
ocorreu	também	com	as	edições	anteriores	do	colóquio,	os	membros	de	nosso
grupo	de	estudos	tiveram	oportunidade	de	apresentar	ao	público	as	linhas	mais
importantes	 do	 trabalho	 que	 vêm	 desenvolvendo	 ao	 longo	 dos	 anos,	 e	 de
submeter	à	crítica	suas	próprias	interpretações,	o	que	enriquece	e	faz	frutificar
nossa	 experiência.	 Esse	 é	 o	 espírito	 que	 mobiliza	 nossas	 preocupações	 e
reflexões,	o	mesmo	que	dá	ensejo	a	esse	novo	livro.
Organizadores
O	pensamento	de	Nishitani	e	o	Budismo	Hisao
Matsumaru	O	ponto	de	partida	do	pensamento
de	Nishitani	Pretendo	esclarecer	o	fundamento
daquilo	que	penso	ser	o	ponto	de	partida	do
pensamento	presente	nas	duas	obras	centrais	de	Keiji
Nishitani	(1900-1990),	a	saber,	Shukyo	to	wa	nani	ka	(O
que	é	a	religião)	(Nishitani,	1961)	e	Zen	no	tachiba	(O
ponto	de	vista	do	Zen)	(Nishitani,	1986).	A	reflexão	de
Nishitani	pode	dar	a	impressão	de	desenvolver	uma
apreensão	pessimista	da	contemporaneidade
considerada	como	um	período	histórico	e	das
características	deste	mundo	contemporâneo.	Essa
apreensão	tem	por	seu	ponto	de	partida	a	visão	de	que
o	mundo	contemporâneo	é	marcado	pelo	niilismo	em
seu	próprio	fundamento.	Nesse	caso,	o	niilismo,	em
sua	relação	com	a	humanidade	contemporânea,	tem
por	sua	consequência	as	seguintes	características:	o
fato	de	que	essa	humanidade	perdeu	o	ponto	de	apoio
de	seu	coração	e	o	direcionamento	para	sua	paz	de
espírito	(Id.,	p.	161).
Assim	sendo,	por	que	a	humanidade	contemporânea	perdeu	o	suporte	de	seu
coração	e	o	direcionamento	para	sua	paz	de	espírito?	Como	terá	se	dado	esta
situação	histórica	do	surgimento	do	niilismo?	Ou	ainda,	onde	estará	a	causa	do
surgimento	do	niilismo?
No	que	diz	respeito	ao	surgimento	do	niilismo	e	de	sua	autoconsciência,	a
influência	dominante	exercida	pela	visão	de	mundo	das	ciências	naturais	sobre	a
humanidade	 em	 sua	 passagem	 da	 modernidade	 para	 a	 contemporaneidade
exerceu	um	grande	papel.	A	visão	de	mundo	das	ciências	naturais,	que	começou
a	se	expandir	no	Ocidente	a	partir	da	modernidade	e	que	logo	passou	a	dominar
a	visão	de	mundo	contemporânea,	entrou	em	choque	com	a	visão	de	mundo
religiosa	de	caráter	finalista	e	com	a	visão	de	mundo	baseada	em	uma	reflexão
filosófica,	que	se	desenvolveu	através	de	uma	relação	necessária	com	a	visão	de
mundo	religiosa	(a	metafísica	tradicional),	até	então	centrais	no	Ocidente,	vindo
a	superar	tanto	a	visão	de	mundo	religiosa	como	a	visão	de	mundo	metafísica.
Podemos	dizer	simplesmente	que,	para	Nishitani,	a	situação	histórica	do	mundo
contemporâneo	 acima	 descrita,	 ainda	 que	 o	 esquema	 da	 visão	 de	 mundo
científica	tenha	lançado	um	desafio	às	visões	de	mundo	religiosa	e	metafísica,
representa	uma	negação	direta	da	religião	e	da	metafísica,	fundamentada	em	uma
teleologia.	No	entanto,	uma	grande	parte	da	humanidade	contemporânea	parece
acreditar	 nessa	 visão	 de	 mundo	 científica	 informada	 pelo	 ponto	 de	 vista
científico.	Será	que	essa	parcela	considerável	da	humanidade	está	realizando	a
paz	de	espírito,	a	confiança	e	a	plenitude	da	existência	ao	considerar	a	visão	de
mundo	científica	como	a	única	verdade?
A	visão	de	mundo	científica	e	o	niilismo	Nesse	caso,	no	fundamento	da
visão	de	mundo	científica	existe	o	ponto	de	vista	do	racionalismo	científico;
seu	conteúdo	é	o	materialismo	e,	por	consequência,	o	ponto	de	vista	do
ateísmo.	O	ponto	de	vista	racionalista,	que	fundamenta	a	visão	de	mundo
científica,	caso	expresso	de	forma	extrema,	implica	que	o	mundo	natural	é
dominado	pela	lei	da	necessidade	mecânica,	e	que,	na	apreensão	dessa	lei,
nada	mais	é	necessário	além	da	racionalidade	humana.	Ou	ainda,	que	na
medida	em	que	essa	lei	está	de	acordo	com	a	razão,	ela	pode	ser
compreendida	de	forma	racional.	Essa	compreensão	racional	possui	em	seu
interior	um	caráter	que	dispensa	qualquer	existência	transcendente	para
além	de	si	mesma.	Na	abordagem	de	Nishitani,	a	ciência	se	completa	em
meio	ao	seu	próprio	sistema	racional,	dispensando	qualquer	princípio	ou
fundamento	que	proceda	de	um	domínio	não	científico,	e	possui	em	sua	base
uma	estrutura	que	se	completa	de	forma	perfeita.
	
Atualmente,	não	se	coloca	o	problema	das	limitações	da	ciência	a	partir	do	ponto	de	vista	da	própria
ciência.	Ou	seja,	o	ponto	de	vista	científico	inclui	essencialmente	uma	tendência	a	não	reconhecer	não
só	a	religião,	mas	também	a	filosofia.	(com	a	exceção	da	filosofia	da	ciência,	que	assume	o	ponto	de
vista	da	ciência).	Ou	seja,	a	ciência	parece	ver	seu	ponto	de	vista	como	uma	verdade	absoluta	e	a	se
afirmar	de	uma	forma	completa.	Em	função	disso,	não	é	possível	limitar	essa	questão	no	presente	a	um
estabelecimento	de	limites	da	forma	como	se	procedeu	até	agora	(Nishitani,	1961,	p.	88).
O	 pilar	 que	 sustenta	 o	 ponto	 de	 vista	 científico,	 conforme	 já	 me	 referi
anteriormente,	implica	em	primeiro	lugar	uma	radicalização	da	racionalidade,	ou
seja,	acreditar	que	o	mundo	consiste	em	um	domínio	que	pode	ser	compreendido
sem	contradições	pela	razão	humana;	e	a	confiança	de	que	tudo	que	nele	existe
pode	ser	elucidado	através	da	compreensão	racional.	Em	segundo	lugar,	o	ponto
de	vista	científico	se	apoia	em	um	materialismo	que	pressupõe	que	a	totalidade
da	existência	pode	ser	reduzida	à	matéria.	Em	consequência	disso,	aparece	em
terceiro	lugar	um	ateísmo	como	consequência	do	segundo	pilar,	ateísmo	este	que
nega	o	espírito	ou	qualquer	existência	transcendente	no	sentido	da	metafísica,	na
medida	em	que	são	distintos	da	matéria.
No	 entanto,	 entre	 o	 primeiro	 e	 o	 segundo	 pilar,	 existe	 uma	 espécie	 de
obscuridade	oculta.	De	acordo	com	o	pensamento	de	que	é	possível	explicar
tudo	através	da	redução	à	matéria,	o	mundo,	a	totalidade	da	existência,	a	vida
entendida	 em	 seu	 caráter	 finalista,	 a	 existência	 humana	 entendida	 como	 a
modalidade	mais	concreta	da	existência,	a	atividade	racional	humana,	e	mesmo
sua	 sensibilidade	 se	 tornam	 uma	 parte	 do	 mundo	 material.	 No	 entanto,	 será
possível	reduzir	à	materialidade	a	existência	humana	que	se	constitui	como	o
sujeito	da	operação	racional	que	desenvolve	esse	ponto	de	vista?	Por	exemplo,
mesmo	que	fosse	possível	essa	redução	à	matéria,	não	é	possível	negar	que	é	a
atividade	 espiritual	 humana	 que	 atua	 no	 pano	 de	 fundo	 dessa	 redução.	 Essa
atividade	espiritual	é	uma	parcela	da	atividade	vital,	que	inclui	em	si	um	caráter
não	racional	e,	portanto,	não	se	constitui	apenas	como	uma	atividade	de	caráter
racional.	Se	o	ser	humano	exercer	sua	atividade,	em	concordância	com	essa
atividade	 aparecerá	 necessariamente	 uma	 modalidade	 de	 sentimento	 não
racional.	A	esse	respeito,	existe	o	exemplo	de	que	também	Heidegger	(1927),	em
seu	 Sein	 und	 Zeit,	 aponta	 para	 a	 disposição	 (befindlichkeit)	 como	 um	 fator
emocional	indispensável	ao	Dasein.	A	respeito	daquilo	que	também	pode	ser
chamado	 de	 sentimento	 vital,	 considerado	 como	 uma	 atividade	 espiritual	 de
caráter	essencial	ao	ser	humano,1	ele	não	está	sujeito	às	leis	mecânicas	que	a
ciência	natural	afirma	serem	redutíveis	à	matéria.	Resumindo,	no	pano	de	fundo
da	visão	materialista	de	mundo,	é	somente	quando	é	incluído	um	coração	que
não	pode	ser	reduzido	à	matéria	que	entra	em	ação	o	ser	humano	não	racional
como	uma	existência	concreta.	Esse	coração	também	é	o	centro	das	diversas
atividades	racionais,	cognitivas	e	emocionais,	incluindo	aí	a	atividade	material
do	corpo.	Não	será	possível	dizer	que	a	atividade	racional	que	atua	no	pano	de
fundo	da	visão	de	mundo	materialista	e	ateísta	das	ciências	naturais	nada	mais	é
do	que	uma	parcela	da	atividade	vital	que	tem	o	coração	por	seu	centro?2
Description:Se a filosofia for considerada, a partir de sua etimologia, como algo que suscita a sabedoria, a forma de ser do saber filosófico torna-se a própria forma de ser da filosofia. Por exemplo, o conhecimento na filosofia grega antiga era um conhecimento que dizia respeito ao ser e à essência. Nesse