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Volume 64
janeiro abril 2016
Publicação quadrimestral da Sabesp Distribuição gratuita ISSN 0101-6040
ponto de vista
Aspectos relevantes do controle de perdas em sistemas públicos de abastecimento
de água
artigos técnicos
Biogás de aterro sanitário: análise de Proposta de coleta seletiva da fração orgânica
duas medidas mitigadoras do efeito estufa dos resíduos sólidos domiciliares no bairro Pici,
Fortaleza-CE
sob a perspectiva do mecanismo de
desenvolvimento limpo
Índices de qualidade da água da Ilha de Mosqueiro-PA
Sistema digital de pesquisa de vazamentos de Avaliação preliminar da capacidade de carga de uma
água: desenvolvimento de plataforma, gravações célula experimental de resíduos sólidos urbanos com
e análises de sinais base em ensaios de laboratório e campo
editorial
A Revista DAE completa neste ano 80 anos de exis- que auxiliam para que sejamos, sempre, uma refe-
tência e comemora a conquista de ser a mais anti- rência em saneamento de qualidade.
ga revista de engenharia sanitária do Brasil. Os de-
Completam esta edição da Revista DAE:
safios para a manutenção de um periódico de tão
longo alcance mudaram ao longo dos anos e foram • Aspectos relevantes do controle de perdas em
muitas as adequações necessárias. Se em 1936,
sistemas públicos de abastecimento de água;
quando a revista foi criada, o desafio era a obten-
• Biogás de aterro sanitário: análise de duas me-
ção de um veículo para disseminação de ideias e
propostas capazes de escoar a produção científi- didas mitigadoras das mudanças climáticas
ca de uma determinada área de desenvolvimento sob a perspectiva do mecanismo de desenvol-
operacional, hoje essa concepção mudou, e muito. vimento limpo;
Atualmente, as revistas precisam de uma excelên-
• Sistema digital de pesquisa de vazamentos de
cia que atraia mais autores a publicar seus artigos
água: desenvolvimento de plataforma, grava-
e ser reconhecidos por essa publicação. Nesse con-
ções e análises de sinais;
texto, a Revista DAE precisou se adaptar às exigên-
cias estabelecidas pelas diretrizes da Coordenação • Proposta de coleta seletiva da fração orgânica
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior dos resíduos sólidos domiciliares no bairro Pici,
(Capes) para periódicos científicos. Aliada a essa Fortaleza-CE;
diretriz, houve a necessária adaptação ao público-
• Avaliação preliminar da capacidade de carga
-alvo, constituído por dois ramos distintos: pesqui-
de uma célula experimental de resíduos sóli-
sadores da área acadêmica e profissionais da área
dos urbanos com base em ensaios de labora-
operacional das companhias de saneamento. Para
atrair linhas tão diferentes, mas necessariamente tório e campo;
complementares, para um periódico dessa natu-
• Índices de qualidade da água da Ilha de
reza, foi preciso oferecer uma diversidade de se-
Mosqueiro-PA
ções. Além disso, considerou-se a necessidade de
textos com linguagem mais coloquial, entrevistas
e ensaios, além de divulgação de eventos e publi-
Boa leitura!
cações, para atrair os leitores da área operacional
e incentivá-los a produzir textos de excelência, po-
rém sem o rigor da estrutura acadêmica. Assim, a
Revista DAE vai trilhando seu caminho: inovadora,
incentivadora, questionadora, explanadora, mo-
tivadora e, acima de tudo, grata a todos os seus
colaboradores, articulistas, pareceristas, reda- Americo de Oliveira Sampaio
tores, diagramadores, produtores, todos, enfim,
EdItor-ChEFE
a
t
s
i
v
e
r
Nº 201
janeiro abril 2016
Missão
A Revista DAE tem por objetivo a publicação de artigos técnicos e
científicos originais nas áreas de saneamento e meio ambiente.
Histórico
Iniciou-se com o título Boletim da Repartição de Águas e Esgotos
(RAE), em 1936, prosseguindo assim até 1952, com interrupções
em 1944 e 1945. Não circulou em 1953. Passou a denominar-se
Boletim do Departamento de Águas e Esgotos (DAE) em 1954 e
Revista do Departamento de Águas e Esgotos de 1955 a 1959.
De 1959 a 1971, passou a denominar-se Revista D.A.E. e, a partir
de 1972, Revista DAE. Houve, ainda, interrupção de 1994 a 2007.
Publicação
Quadrimestral (janeiro, maio e setembro)
Diretoria de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente - T
Superintendência de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
Tecnológica - TX
Rua Costa Carvalho, 300 - Pinheiros - 05429 000
São Paulo - SP - Brasil
Tel (11) 3388 9422 / Fax (11) 3814 5716
Editor-Chefe
Engenheiro Américo de Oliveira Sampaio
Editora Assistente
Engenheira Iara Regina Soares Chao
Conselho Editorial
Prof. Pedro Além Sobrinho (Universidade de São Paulo – USP),
Prof. Cleverson Vitório Andreoli (Companhia de Saneamento do
Paraná – Sanepar), Prof. José Roberto Campos (USP), Prof. Dib
Gebara (Universidade Estadual Paulista – Unesp), Prof. Eduardo
Pacheco Jordão (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Prof.
Rafael Kospchitz Xavier Bastos (Universidade Federal de Viçosa),
Prof. Wanderley S. Paganini (USP e representante da Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp), Profa.
Emilia Wanda Rutkowiski (Universidade Estadual de Campinas –
Unicamp), Prof. Marcos Tadeu (USP e representante do Instituto
de Pesquisas Tecnológicas – IPT). Coordenação do Eng. Américo
de Oliveira Sampaio (Sabesp).
Jornalista Responsável
Sérgio Lapastina - Mtb: 18276
Capa
Menino brincando na comporta aberta, SP, Brasil
Crédito da imagem: Cícero Leitão
Projeto Gráfico, Diagramação e Revisão
Ideorama Comunicação – EIRELI
CTP, Impressão e Acabamento
Gráfica Sonora
Tiragem
3.375 exemplares
[email protected]
ISSN 0101-6040
As opiniões e posicionamentos expressos nos artigos são
de total responsabilidade de seus autores e não significam
necessariamente a opinião da Revista DAE ou da Sabesp.
Veja a revista eletrônica na internet:
http://www.revistadae.com.br
Menino brincando na comporta aberta.
Crédito da Imagem: Cícero Leitão.
nesta edição
6 ponto de vista artigos técnicos
Aspectos relevantes do controle de perdas em
sistemas públicos de abastecimento de água 21 Biogás de aterro sanitário: análise de
Relevant aspects of the control of losses in duas medidas mitigadoras das mudanças
public water supply systems climáticas sob a perspectiva do mecanismo de
desenvolvimento limpo
Landfill biogas: analysis of two mitigation
measures from the perspective of the clean
development mechanism
82
eventos
33 Sistema digital de pesquisa de vazamentos
de água: desenvolvimento de plataforma,
gravações e análises de sinais
Digital system for water leakage research:
platform development, signal recording and
83 publicações analysis
45 Proposta de coleta seletiva da fração orgânica
dos resíduos sólidos domiciliares no bairro Pici,
Fortaleza-CE
Proposal for selective collection of the organic
fraction of household solid waste in Pici
neighborhood, Fortaleza-CE
Avaliação preliminar da capacidade de carga de uma
65
célula experimental de resíduos sólidos urbanos com
base em ensaios de laboratório e campo
Preliminary assessment of the load capacity of
a waste urban solid experimental cell based on
laboratory and field trials
74 Índices de qualidade da água da Ilha de
Mosqueiro-PA
Water quality indices of Mosqueiro Island-PA
ponto de vista
Aspectos relevantes do controle de perdas em
sistemas públicos de abastecimento de água
Relevant aspects of the control of losses in public water supply systems
Jairo Tardelli Filho DOI 10.4322/dae.2015.012
INtrodUÇÃo político que se dá ao ato pontual do “construir”,
O setor de saneamento no Brasil ainda luta para em detrimento do ato permanente do “operar e
eliminar os déficits de atendimento com os servi- manter”, valor tão arraigado na cultura brasileira.
ços de água e esgoto. O retrato atual mostra ver-
O abastecimento público de água é, desnecessário
gonhosos padrões sanitários para um país que se
justificar, uma das mais importantes infraestrutu-
jacta de ser um dos grandes da economia mundial.
ras urbanas. É, essencialmente, uma estrutura li-
A infraestrutura de abastecimento público de água
near, em que prevalecem as tubulações para a con-
avançou significativamente em relação ao atendi-
dução da água, desde a captação em um manancial
mento com coleta e tratamento de esgotos, mas
até a entrega da água potável ao consumidor final,
apresenta lacunas em algumas áreas urbanizadas
entremeada pelas instalações de tratamento, re-
e corre atrás da contínua expansão urbana.
servação e elevação ou redução de pressão.
Essa questão da expansão ainda em curso pode
ser uma explicação de por que se dá menos im- A maior parte das tubulações encontra-se dispos-
portância às atividades de operação e manuten- ta no reticulado urbano, em todas as ruas, asso-
ção dos serviços de infraestrutura urbana, em ciadas ao trecho final da ligação ao cliente (ramal
relação às obras de implantação dessa infraes- predial, com hidrômetro, para medição do consu-
trutura. Pode explicar, mas não é só isso: há que mo e faturamento), compondo o conjunto que se
se agregar a lastimável predominância do valor denomina “distribuição”. É nessa parte do sistema
MANANCIAL ADUÇÃO TRATAMENTO ADUÇÃO RESERVAÇÃO DISTRIBUIÇÃO
(Água Bruta) (Água Tratada)
(Adutora) (Adutora)
(Estação de (Reservatório
(Represa, Rio, Poço) Tratamento de Enterrado)
Água)
(Zona Baixa)
(Torre)
(Zona Alta)
Figura 1 – Sistema de abastecimento de água.
Jairo Tardelli Filho – Engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1977), Mestre em Recursos Hídricos (1987).
Trabalhou na área de saneamento ambiental nas empresas estatais paulistas Emplasa, Cetesb e Sabesp. Foi Assessor da Diretoria de Controle
da Poluição da RMSP (Cetesb) e Gerente de Departamento das áreas de Controle do Abastecimento e de Planejamento Integrado da Diretoria
Metropolitana (Sabesp).
Email: [email protected]
6 Revista DAE janeiro abril 2016
ponto de vista
Hidrômetro
Ramal Predial
Tubo de Polietileno ou PVC
Cavalete Para o Consumo
Tubo da Rede de
Distribuição
Figura 2 – Ramal predial de água.
de água, com seus zoneamentos piezométricos, Manter um sistema de distribuição de água envol-
que se concentrará este artigo. As Figuras 1 e 2 ve, principalmente:
ilustram essas considerações.
• implementar atividades de manutenção pre-
ditiva (inspeções e medições das estruturas e
oPErAÇÃo E MANUtENÇÃo
equipamentos em operação);
Há um entendimento generalizado de que “ope-
rar” um sistema de água é simplesmente abrir e • implementar atividades de manutenção pre-
fechar válvulas, ligar e desligar bombas e de que ventiva, a partir de análises das informações
“manter” é somente reparar os problemas que da manutenção preditiva e dos históricos de
surgem nas tubulações e equipamentos (manu- manutenção corretiva;
tenção corretiva).
• gerar informações e relatórios gerenciais so-
Operar um sistema de distribuição de água é bre as falhas do sistema, de forma a subsidiar
muito mais amplo do que o relatado e envolve, as manutenções preditivas e preventivas, bem
principalmente: como as renovações estruturais requeridas;
• ter cadastros técnicos e comerciais confiáveis • preparar esquemas de contingência e prover
(atualizados); logística para o ágil reparo e retomada da ope-
ração normal, em casos de acidentes ou falhas.
• medir as vazões na saída (ou entrada) de re-
servatórios setoriais e estações elevatórias e É um campo notável da engenharia, pouco desen-
na entrada de áreas específicas das redes de volvido nos currículos das faculdades (mais afetos
distribuição, bem como pressões em pontos a projetos e obras, por assim dizer) e que se pode
notáveis da rede e níveis em reservatórios; denominar “engenharia da operação”, que se opõe
ao empirismo e ao voluntarismo na operação e ma-
• garantir a observância das variáveis operacio-
nutenção das redes de distribuição de água.
nais aos padrões estabelecidos por norma;
E o que isso tem a ver com “perdas” em sistemas
• gerar indicadores de performance operacio-
de água? Tudo, pois a determinação das perdas e
nais e respectivas análises gerenciais;
seu controle são a melhor forma de avaliar se as
• elaborar relatórios analíticos e gerenciais de atividades de operação e manutenção do sistema
comportamento e tendências das variáveis de água estão bem conduzidas. Os números dos
operacionais medidas em todos os setores de indicadores de perdas são uma medida da sua efi-
abastecimento e zonas de pressão. ciência operacional.
janeiro abril 2016 Revista DAE 7
ponto de vista
PErdAS NAS rEdES dE dIStrIBUIÇÃo dE ÁGUA usos da água em um sistema e a identificação dos
Basicamente, as “perdas” representam a diferen- dois tipos de perda (ALEGRE, 2006):
ça entre o que se disponibilizou de água tratada
• as reais, compostas pelos vazamentos nas tu-
à distribuição (macromedição) e o que se mediu
bulações e extravasamentos nos reservatórios
nos hidrômetros dos clientes finais (micromedi-
(perdas físicas);
ção). É senso comum imaginar que as perdas são
motivadas exclusivamente pelos vazamentos nas • as aparentes, compostas pelos erros de me-
tubulações, com a visão da água escorrendo pe- dição (submedição nos hidrômetros), fraudes
las vias públicas. Se a perda fosse só isso, seria e falhas no sistema comercial das empresas
relativamente simples atuar no seu combate. Há (perdas não físicas ou comerciais).
vazamentos que não afloram à superfície e tam-
O Quadro 1 mostra o balanço hídrico da IWA1.
bém outros fatores, que não têm nada a ver com
Seu uso é quase generalizado no mundo todo
vazamentos e integram aquela diferença: os erros
(o Japão, por exemplo, tem outro entendimento
ou submedições nos hidrômetros (e macromedi-
dessa questão).
dores) e as fraudes; aqui, portanto, a água é con-
sumida, mas não é contabilizada pela companhia
Algumas considerações importantes:
de água ou operadora.
• desperdícios internos nos imóveis, após os hi-
Até o ano 2000, essa definição singela não era en-
drômetros, não constituem perdas, no campo
tendida da mesma maneira no mundo, causando
da definição aqui exposta;
distorções na compreensão e nas comparações
entre os números e indicadores de perdas de ci-
1 Como curiosidade, registre-se a tentativa feita por Sextus
dades, regiões ou países distintos. Assim, a In- Julius Frontinus (95 d.C.) para avaliar a água perdida nos
aquedutos de Roma. Ele utilizou o conceito de “balanço
ternational Water Association (IWA) propôs uma
hídrico” entre as águas que entravam no sistema e as que
estruturação na forma de balanço hídrico, que saíam, mas falhou na metodologia, pois utilizava apenas a
seção transversal dos fluxos, sem considerar a velocidade do
padronizou, de maneira clara e objetiva, os vários escoamento (FRAUENDORFER, 2010).
Quadro 1 – Balanço hídrico – IWA.
Consumos medidos faturados (incluindo água exportada)
S
Consumos S DA
BILIZADO UTORIZADOS afuattourrizaaddooss Consumos não medidos faturados (estimados) ÁGUAFATURA
NI A
PO OS Consumos medidos não faturados (usos próprios, caminhões-pipa)
S M
DI U
DO OU CONS autCfoaortinzusaruadmdooso ssn ão Consumos não medidos não faturados (combate a incêndios, suprimento de
UME PRODUZI Perdas aparentes CFáagolunhasau sem mdoo á ssr inestaãesom iararue tcgoourmilzaaeredrcsoi)as l(fraudes) ÁGUAS NÃO FATURADAS
L (comerciais)
O S
V A Submedição dos hidrômetros
D
ER Vazamentos nas adutoras e redes de distribuição
P
Perdas reais (físicas) Vazamentos nos ramais prediais
Vazamentos e extravasamentos nos reservatórios setoriais e aquedutos
8 Revista DAE janeiro abril 2016
ponto de vista
• certos usos da água, não medidos e não fatura- A Tabela 1 apresenta exemplos de rateio entre per-
dos, entram no conceito de “águas não fatura- das reais e aparentes em algumas cidades ou re-
das” e não de “perdas”, pois são usos legítimos, giões do mundo (EUROPEAN COMMISSION, 2015;
como a água usada no combate a incêndios, os TARDELLI FILHO, 2013; BETTIG, 2012; INSTITUTO
usos operacionais das companhias (lavagem de ARAGONES DE ESTADISTICA, 2014).
redes, por exemplo) e um tipo de uso que acon-
Tabela 1 – Rateio perdas reais x perdas aparentes.
tece muito nas grandes cidades brasileiras e de
países em desenvolvimento, referente aos con- Rateio das perdas (%)
Local
sumos não medidos e não faturados em áreas Reais Aparentes
com ocupação urbana irregular; Salzburgo – Áustria 92,3 7,7
Região de Flandres – Bélgica 87,5 12,5
• as perdas reais oneram os custos de produção
Pula – Croácia 89,7 10,3
e distribuição de água, enquanto as perdas
Lemesos – Chipre 83,6 16,4
aparentes estão associadas às vendas de água
Odense – Dinamarca 97,1 2,9
no varejo (preço por m3 cobrado dos clientes);
Bordeaux – França 90,4 9,6
Munique – Alemanha 85,3 14,7
• a existência de caixas d’água domiciliares com
Regio Emilia – Itália 77,1 22,9
válvula de boia potencializa a submedição dos
Malta 30,1 69,9
hidrômetros e, portanto, é fator de aumento
Buenos Aires – Argentina 91,0 9,0
das perdas aparentes;
Madrid – Espanha 33,0 67,0
• as águas que escapam pelos vazamentos nas tu- São Paulo – Brasil 67,0 33,0
bulações são fontes de recarga dos lençóis freá-
ticos nas áreas urbanizadas; na região do Centro Nos episódios de crise hídrica, as perdas reais são
Expandido de São Paulo, estudos realizados mos- as que mais requerem atenção nas ações de re-
traram que 45-60% da recarga do aquífero seria dução de perdas, embora não deva ser esquecido
resultado das perdas reais de água nas redes de que o combate às perdas aparentes também pode
distribuição (consideradas 20% do total distri- ter reflexos diretos na produção de água, na me-
buído) e de esgotos nas redes de coleta (consi- dida em que cerceia os desperdícios e o consumo
deradas 5% do total coletado). O restante (55- fraudulento de água.
40%) corresponderia à recarga natural (COMITÊ
Não existe “perda zero” em sistemas de abaste-
DA BACIA DO ALTO TIETÊ, 2009).
cimento de água! Por mais cuidados tomados e
Se a valoração do total das perdas é relativamente esforços realizados, sempre haverá um remanes-
simples, o mesmo não ocorre na determinação do cente valor de perdas no sistema (“perda inevi-
seu rateio, ou seja, qual é o valor das perdas reais tável”). Outro ponto é que, se não forem feitas,
e qual é o valor das perdas aparentes. Para isso, há regularmente, ações de combate às perdas, estas
que se realizar ensaios de campo ou assumir hipó- irão gradativamente aumentar no sistema (con-
teses para determinar o valor de uma delas e, por ceito de “crescimento natural das perdas”).
diferença, resultar no valor da outra. É importante
INdICAdorES dE PErdAS
frisar que esse rateio varia de sistema para sistema,
em função de condições locais das redes e dos hi- Os principais indicadores utilizados para avaliar e
drômetros, e da “cultura” de fraudes, cabendo, para acompanhar as perdas em sistemas de distribui-
cada caso, um diagnóstico para estimar esse rateio. ção de água são:
janeiro abril 2016 Revista DAE 9
ponto de vista
• Indicador Percentual (IP): é a relação entre os seguido da qualidade da manutenção, das condi-
volumes de perdas totais em um período (geral- ções de assentamento das tubulações, do tráfego
mente anual) e os volumes de água produzidos etc. No caso das perdas aparentes, as limitações
ou disponibilizados à distribuição; técnico-operacionais dos medidores são prepon-
derantes, realçadas pela idade de instalação na
• Indicador Técnico (IT), em L/ligação.dia: é a
rede e pelas variações do fluxo d’água neles (es-
relação entre os volumes totais perdidos em um
pecialmente nas vazões muito reduzidas).
período (geralmente anual) e o número de liga-
ções ativas de água; As ações básicas para o combate às perdas reais são:
• Índice de Vazamentos da Infraestrutura (IVI), • gerenciamento de pressões, em que, no contexto
adimensional: é a relação entre o volume de per- da setorização da rede de distribuição, se bus-
das reais e o volume de perdas reais inevitáveis
ca operar com pressões de serviço adequadas,
para o sistema em questão (base anual); traduz o
complementando com a utilização de Válvulas
quanto o sistema está distante do volume de per-
Redutoras de Pressão (VRPs) em áreas mais bai-
das que é, tecnicamente, possível de ser atingido;
xas ou boosters em pontos mais altos da rede;
• Índice de Perdas Aparentes (IPA), adimensio-
• controle ativo de vazamentos, que se dedica a en-
nal: é o mesmo conceito do IVI, sendo a relação
contrar os vazamentos não visíveis nas tubulações
entre o volume de perdas aparentes e um fator
por meio de técnicas acústicas de detecção (con-
equivalente a 5% do volume micromedido na ci-
trapõe-se ao “controle passivo”, que repara apenas
dade ou região (base anual), denominado perda
os vazamentos que afloram à superfície do terreno);
aparente de referência. Essa formulação pres-
supõe sistemas sem caixas d’água domiciliares: • reparo dos vazamentos visíveis e não visíveis de-
quando há predomínio de caixas d’água domi- tectados, com agilidade e qualidade na execução;
ciliares, é impossível atingir IPA = 1; portanto, há
• renovação da infraestrutura, substituindo as tu-
que se conviver com valores maiores de IPA.
bulações (redes e ramais) que estão com maior
Evolutivamente, verifica-se que tem sido sugerido incidência de vazamentos.
o indicador “volume anual perdido” em um siste-
Para as perdas aparentes, as principais ações são:
ma como adequado à definição de metas nos pro-
gramas de redução de perdas (EUROPEAN COM-
• substituição periódica dos hidrômetros (pre-
MISSION, 2015).
ventiva) e imediata dos hidrômetros quebra-
dos (corretiva);
Não há indicador perfeito! No entanto, o mais fácil de
ser entendido por todos é o “mais imperfeito” deles:
• combate às fraudes, a partir de denúncias,
o percentual. A IWA não recomenda seu uso, pelas
análises de variações atípicas de consumo ou
distorções que ocorrem na comparação entre siste-
quaisquer outros indícios ou evidências;
mas distintos (todavia, ainda é muito utilizado...).
• aprimoramento da gestão comercial das com-
panhias (cadastros e sistemas comerciais).
CoMBAtE ÀS PErdAS
A causa principal das perdas reais é, indubitavel-
A eficácia dessas ações pressupõe:
mente, a qualidade da infraestrutura. Outros fa-
tores podem aumentar os vazamentos, entre os • a existência de cadastros técnicos (redes e ra-
quais, a pressão de serviço é o mais significativo, mais) e comerciais atualizados;
10 Revista DAE janeiro abril 2016
Description:Distribuição gratuita. 201. Volume 64 janeiro abril 2016 Cleverson Vitório Andreoli (Companhia de Saneamento do. Paraná – Sanepar), Prof.