Table Of ContentAntônio Gonçalves Meira | Blau Souza | Carlos Reverbel | César Pires Machado
Cláudio Moreira Bento | Coralio Bragança Pardo Cabeda | Diorge Alceno Konrad | Domingos Meirelles
Fabrício Prado | Genivaldo Gonçalves Pinto | Gunter Axt | Helga Landgraf Piccolo
Hélio Leôncio Martins | Jorge Ferreira | Luiz Ernani Caminha Giorgis | Maria Amélia Schmidt Dickie
Miguel do Espírito Santo | Núncia Santoro de Constantino | Paulo Brossard de Souza Pint o
Paulo Flores Pinto | René Gertz | Sandra Jatahy Pesavento | Spencer Leitman | Tau Golin
GUNTER AXT
organizador
Organização Gunter Axt
Projeto Gráfico Marília Ryff-Moreira Vianna / Portfolio Design
Produção Executiva Pedro Longhi
Editoração Eletrônica Maria do Rosário Rossi / Elemento
Coordenação Editorial
Marília Ryff-Moreira Vianna
Consultoria em História Militar Antônio Gonçalves Meira e Coralio Bragança Pardo Cabeda
Reproduções Fotográficas Christian Carvalho / clickPRO e Rogério Reis / Tyba
Tratamento de Imagens e Pré-impressão Christian Carvalho e Mauricio Vo/ cglictkPR O
Revisão Cristina Sant'Anna e Renato Deitos
Projeto Lei de Incentivo à Cultura
Mario Rozano
Proponência Instituto Hominus de Desenvolvimento Sociocultural
CtP / Impressão Organizações Nova Prova
Apoio Institucional Museu da Brigada Militar/ Porto Alegre
Museu Julio de Castilhos / Porto Alegre
Equipe Técnica: Andréa Reis da Silveira, Clarissa de Lourdes Sommer
Alves, Gabriel Castello Costa, Marcus Vinicius Martins Vianna,
Natália Souza Silva
Apoio Técnico e Administrativo Ana Paula Treher, Kelly Bidone Pinto
REALIZAÇÃO
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UM PALN DE TODOS
GOVERNO FEDERAL
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DO SUL
MUSEU
JULIO DE COEAGUM PARA PALIA
CASTILHOS
SECRETARIDAA COMURA
PATROCÍNIO
co GERDAU 4) Ipiranga
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
G934 As guerras dos gaúchos: história dos conflitos do Rio Grande do Sul /
[organização Gunter Axt]. - Porto Alegre: Nova Prova, 2008,
524 p.: il. color.; 22,5 x 31,5 cm.
Obra de autoria coletiva.
ISBN 978-85-89344-93-7
1. Rio Grande do Sul — História. |. Axt, Gunter. ||. Título.
CDU 981.65
GUERRAS
DOS (GAÚCHOS
HISTÓRIA DOS CONFDO LRIOI GRTANDOE DSO S UL
AGRADECIMENTOS
A idéia deste livro me foi pela primeira vez apresentada pelos produtores culturais Mário
Rozano e Pedro Longhi. Ambos sempre se distinguiram, ao longo de um árduo trabalho que
se iniciou em 2005, pela precisão e diligência, garantindo um ambiente de tranquilidade para
que o trabalho intelectual e gráfico frutificasse. A Pedro Longhi, sempre cordial, participativo
e objetivo, sou especialmente devedor.
Logo no princípio, compartilhei a intenção do projeto com os amigos Coralio Bragança
Pardo Cabeda e Antônio Gonçalves Meira. Eruditos, detalhistas e acima de tudo generosos,
dedicaram-me horas e horas de seu tempo na troca de idéias, na sugestão de fontes, na indi-
cação de ajustes e correções. Com eles, aprendi muito. E recebi sempre muito mais do que pude
oferecer em troca.
O projeto, certamente, não teria se viabilizado sem o concurso dos mecenas que por ele
se encantaram. Em nome de todos que colaboraram nesta empreitada, nosso mais sincero e
profundo agradecimento a Sérgio Antonio Linck de Mello Saraiva, que então, presidindo o
Conselho Executivo do Grupo Ipiranga, viabilizou o início dos trabalhos concorrendo com
importante parcela de patrocínio. Obrigado pela confiança e pelo investimento na história e na
cultura do Rio Grande. Nosso reconhecimento também a Jorge Gerdau Johannpeter, Presidente
do Conselho de Administração do Grupo Gerdau, que, registrando a relevância da iniciativa,
apoiou-nos decisivamente. Nosso agradecimento ainda ao BRDE, que, sempre atento às ações
de interesse ao desenvolvimento econômico e social do Sul do Brasil, apoiou-nos.
À nossa gratidão e admiração a todos os articulistas que aceitaram o convite e aderiram
à iniciativa, empenhando-se na confecção de textos equilibrados e consistentes. Sem eles, este
livro jamais teria acontecido. Obrigado pela confiança e pela participação.
Agradeço, também, aos revisores dos textos, Cristina Sant'Anna e Renato Deitos, incansá-
veis e detalhistas, propiciando-nos um resultado bem cuidado. Meu carinho especial às amigas
Marília Ryff-Moreira Vianna e Maria do Rosario Rossi, sensíveis, criativas e minuciosas durante
a execução do trabalho de criação gráfica e de diagramação. Obrigado pelas horas que me dedi-
caram e pela compreensão com as sutilezas desta obra. E obrigado, sobretudo, pelas valiosas
sugestões que vestiram este livro de uma maneira que eu seria incapaz de conceber. Foi tão
gratificante trabalhar com elas, que fiquei triste quando o livro caminhou para a finalização.
Meu agradecimento também a Luiz Armando Capra Filho, diretor do Museu Julio de
Castilhos, e a toda a sua equipe, que jamais pouparam esforços para nos ajudar na seleção de
imagens e documentos para ilustrar esta obra e nos acolheram para a sessão de lançamento.
Registro ainda meu reconhecimento ao Museu da Brigada Militar, que sempre nos recebeu
com carinho e competência.
Aos fotógrafos e responsáveis pelo tratamento das imagens, Rogério Reis, no Rio de Janeiro,
e Christian Carvalho, em Porto Alegre, também o nosso reconhecimento. Nosso abraço ainda
à Editora Nova Prova, que nos acolheu.
Finalmente, agradeço à minha mãe, Margarete, e ao meu irmão, Dieter, pela compreensão
face às horas de convívio roubadas em decorrência do trabalho.
Se, com toda esta ajuda, ainda assim neste livro puderem ser identificadas falhas, elas
,
devem ser todas atribuídas às limitações de seu organizador.
Gunter Axt
Porto Alegre, junho de 20068.
GUNTERAXT
INTRODUÇÃO
À guerra é um fenômeno extremo contra o qual todas as sociedades e culturas se
confrontaram em algum momento. Já se disse, porém, que o Brasil não vivenciou uma história
cruenta. Somos hoje, de fato, um país de tendência pacifista e sequer chegamos a acompanhar
a Europa na grande guerra de massas, cujo apogeu foi atingido entre 1914 e 1918, quando
se chegou às raias de um suicídio coletivo. Mas se admite atualmente que nossa história foi
recheada de conflitos.
As guerras coloniais portuguesas, que se processaram em território americano, foram
também guerras brasileiras, pois ajudaram a conformar nossa futura nacionalidade. Tivemos
as nossas grandes guerras externas, a Guerra da Cisplatina, a Guerra contra a Argentina de
Rosas e a Guerra do Paraguai. Enviamos contingentes para lutar no exterior, como durante
a Segunda Guerra Mundial. Amargamos o nosso ciclo de guerras civis, iniciado com a Revo-
lução Pernambucana, de 1817, e encerrado com a Revolução Constitucionalista, de 1932, e
conhecemos uma infinidade de conflitos, mais ou menos localizados, mais ou menos mortí-
feros, alguns dos quais celebrizados pela memória coletiva, como Canudos, no sertão baiano,
ou a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, outros praticamente esquecidos. Golpes, revoluções,
levantes urbanos, explosões de violência coletiva, escaramuças de fronteira, enfim, guerras e
conflitos foram fenômenos constantes na vida brasileira.
A História Militar é a especialidade que se dedica a estudar tais fenômenos. A História
nasceu com a História Militar, como testemunha com elogiência A Guerra do Peloponeso,
de Tucídides. Até o século XIX, confundindo-se com a História Política, era de longe a mais
nobre especialidade. Com o advento, entretanto, da História Social, da História Estrutural e
da nova História Cultural, a História Militar foi perdendo destaque. Se nos Estados Unidos,
na Alemanha e na Inglaterra ainda se preservou a sua importância, na França, em meados do
século XX, era matéria praticamente desconsiderada. Sob o manto de uma condenação geral à
guerra, a História Militar foi desprezada pelos historiadores profissionais e pelos próprios meios
militares, também no Brasil.
A complexidade e a especificidade da cultura institucional das Forças Armadas contri-
buiu para afastar ainda mais os civis da História Militar. Entender o desfecho de uma batalha,
as sutilezas de combates, as inúmeras variáveis envolvidas em confrontos que mudam os rumos
das sociedades humanas, exige esforço. Há todo um conhecimento técnico indispensável ao
analista, mas que se apresenta de maneira hermética ao civil, pouco familiarizado com deta-
lhes sobre armamento, munição, logística, estratégia, tática, geografia, estado do conheci-
mento científico disponível, hierarquia militar... Por sua vez, uma tendência quase que natural
do campo castrense para o corporativismo pode colaborar para aprofundar o isolamento.
Estudar a guerra não é fácil. Mas a extraordinária relevância do assunto tem reacen-
dido o interesse de historiadores, militares e jornalistas. Na França, a História Militar, tendo
à frente notáveis historiadores como André Corvisier, reconquistou prestígio. Na Inglaterra
e nos Estados Unidos, onde a História Militar foi distinguida com importantes centros de
estudos nas universidades, aproximou-se da antropologia e da História Cultural, como indicam
os extraordinários trabalhos de John Keegan e de Bárbara Tuchman, entre outros. Ou da
ecologia, da economia e da demografia, como nos trabalhos de Jared Diamond (2005) e de
Paul Kennedy (1989). Todos best-sellers.
No Brasil, esta reação se processa de forma mais lenta. As universidades ainda não
investem em linhas de pesquisa sobre a matéria e as próprias Forças Armadas parecem tratá-la
como assunto de segunda grandeza, frequentemente abordado de forma amadora, salvo no Rio
de Janeiro, onde recentemente surgiu um curso de extensão universitária lato sensu. Sabemos
que, no meio intelectual brasileiro, ainda é expressivo o preconceito com relação àquilo que
pertence à esfera militar, o que pode se explicar em parte como fruto da ressaca ainda mal
curada pelos mais de 20 anos de regime militar que constrangeram a democracia no país após
1964. Os tempos, entretanto, já são outros. A própria chegada ao poder, em contexto de esta-
bilidade democrática, tem exigido da esquerda brasileira reflexão e tomada de posição sobre
temas afetos à área da segurança pública e da defesa nacional, que até então figuravam de
forma quase anedótica em suas diretrizes programáticas.
Já é um avanço que os arquivos e museus militares, do Exército, da Força Aérea, da Mari-
nha, das polícias estaduais, estejam sendo organizados. Além disso, a Marinha de Guerra leva
a cabo a publicação seriada da História Naval Brasileira e sustenta um de nossos mais antigos
periódicos, a Revista Marítima Brasileira. O Exército tem dado seguimento a diversas iniciativas
editoriais, como as atuais Revista do Exército Brasileiro e A Defesa Nacional. Acrescente-se o labor
editorial da Biblioteca do Exército, que tem nos dado importantes títulos. Recentemente, obras
historiográficas de peso e ancoradas em sólida pesquisa, como a de Francisco Doratioto (2002)
ou a de Frank McCann (2007), reposicionam com cientificidade o debate em torno da guerra e
das instituições militares. Também percebendo o grande apelo destas temáticas, jornalistas com-
petentes, como José Antônio Severo (2000) e Domingos Meirelles (1995), produziram belos Ji-
vros, que conquistaram grande sucesso de público. Combinando a história militar com a história
cultural e a antropologia, o CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, encaminhou uma renovação
da matéria em publicações recentes (Castro & Izeckson, 2004). Vem de lá, também, uma série de
publicações importantes sobre o regime militar e sobre a instituição das Forças Armadas.
Mas ainda estamos engatinhando. Há muitos aspectos em nossos conflitos que podem ser
perscrutados. Vasta documentação à espera de ser compulsada. Amplas possibilidades para a
história comparativa. Muito a ser compreendido sobre as guerras que conflagraram os países
vizinhos ao Brasil, como a Guerra do Chaco, a guerra entre o Equador e o Peru, a guerra entre
o Chile, a Bolívia e o Peru, a guerra entre o México e os Estados Unidos, entre a Argentina e a
Inglaterra, nas quais talvez melhores lições colheríamos do que em conflitos do Velho Mundo.
Este livro se inscreve neste movimento de retomada do interesse pela história militar, que
aos poucos também chega ao Brasil. E não poderia ser diferente. Pois, afinal, o mundo está
em guerra, o que é evidente desde o 11 de Setembro de 2001. Além disso, admitindo-se que
guerra e violência caminham juntas, como poderemos discutir o quadro de violência endêmica
que vem tomando conta do país, especialmente nos grandes centros urbanos, se a história da
violência entre nós está pouco sistematizada?
O objetivo foi produzir uma síntese do impacto histórico das comoções armadas sobre
a região hoje compreendida pelo Estado do Rio Grande do Sul. Nem todos os conflitos aqui
tratados tiveram por palco exclusivamente este território. Os confrontos envolvendo a Colônia
do Sacramento, no Uruguai, foram contemplados porque foi na esteira desse assentamento
português avançado que se desenhou a ocupação do território sul-rio-grandense pelos euro-
peus. A Segunda Guerra Mundial foi enfocada não apenas porque o Rio Grande do Sul enviou
filhos seus para lutar na Itália, mas porque esse evento de proporções globais afetou também
os habitantes do Estado meridional do Brasil, das mais diversas formas, desde o quebra-quebra
dirigido contra propriedades de descendentes de alemães, passando pela traumática campanha
de nacionalização cultural das populações imigrantes levada a efeito pelo Governo Vargas, ou
passando ainda pelo racionamento de bens e de energia e, finalmente, pela modernização do
Exército. À rebelião da Aliança Nacional-Libertadora, de 1935, não aconteceu no Rio Grande
do Sul, mas foi em grande medida concebida neste Estado. Nas guerras contra Oribe e Rosas,
ainda que não travadas em território brasileiro, os gaúchos envolveram-se diretamente. O
mesmo pode-se dizer da Campanha da Cisplatina, quando o Uruguai deixou de ser brasileiro.
A própria Revolução Federalista, de 1893 a 1895, que explodiu em território gaúcho, conflagrou
os Estados de Santa Catarina e do Paraná, chegou às portas de São Paulo e, ao se conectar com
a Revolta da Armada, atingiu a cidade do Rio de Janeiro, então a Capital Federal. Portanto, se
alguns eventos aqui tratados sequer são conflitos do Rio Grande do Sul, mas envolveram-no,
nenhum deles, por sua vez, é exclusivamente regional.
O conceito de guerra também foi adotado em um significado amplo. Foi aproximado
à noção de conflito, capaz de cobrir um campo mais vasto de significados do que a idéia
mais restrita de guerra aberta e de hostilidades declaradas. Isso nos permitiu incorporar ao
livro conflitos como os dos Mucker, de 1874, da Aliança Nacional-Libertadora, de 1935, e do
Bombardeio de Alvear, de 1874, uma curiosa escaramuça reveladora da ambiência de fron-
teira. Ou, ainda, da Legalidade, de 1961, e do Golpe de 1964, que, na prática, registraram
pouquíssimas baixas, ou sequer conheceram combates, muito embora tenham promovido a
mobilização de efetivos militares com vistas a possível enfrentamento.
Este livro pretende uma visão de síntese, do estado da arte, não se propondo a esgotar o
tema. Optamos pela organização de uma obra coletiva, como forma de contemplar diferentes
perspectivas e de propiciar um diálogo entre historiadores civis e militares. Dentre os colabo-
radores, historiadores titulados, militares, especialistas em História Militar, jornalistas, juristas,
economistas... O recorte interdisciplinar nos parece enriquecedor. Em comum, a intimidade
com o tema de pessoas com notórias trajetórias de pesquisa. Animou-os um corpo padrão de
questões. Qual o contexto histórico da época do conflito analisado? Qual o espaço geográfico da
ação militar? Quem eram os principais sujeitos, individuais e coletivos, envolvidos no conflito?
Quais eram as condições operacionais, tais como organização, logística, estratégia e estado da
arte militar? Quais foram as principais batalhas e combates (com ênfase naqueles eventos ocor-
ridos em território sul-rio-grandese, quando possível)? Como o conflito foi financiado? Como era
o cotidiano da guerra? Quais foram as consegiuências históricas decorrentes do conflito?
Nem todas estas questões puderam ser esmiuçadas em todos os capítulos. Seja porque
o estágio das pesquisas ainda não comporta tais análises, seja porque tínhamos um espaço
limitado destinado a cada texto, seja pela complexidade intrínseca de temas muito espe-
cíficos, ou técnicos, da História Militar. A organização dos adendos temáticos ao final da
obra procura preencher eventuais lacunas, oferecendo ao leitor uma perspectiva diferente dos
conflitos abordados, dirigida, por exemplo, para o tratamento do cotidiano, ou oferecendo
apoio técnico à leitura, em assuntos tais como a hierarquia militar, guerra e movimento,
armamentos e munição.
Procurou-se destinar uma média de 15 páginas para cada capítulo. Alguns, entretanto,
foram tratados com excepcionalidade. É o caso do que aborda a Revolução Farroupilha, consi-
derada a grande revolta dos gaúchos, em torno da qual se afirma uma verdadeira tradição
inventada e anualmente revívida. Também mereceu espaço diferenciado o capítulo sobre os
levantes tenentistas, não apenas por agrupar vários eventos em um único texto; mas também
por oferecer ao leitor uma análise da evolução institucional do Exército brasileiro. Como em
toda obra coletiva, enfrentaram-se modificações com relação à formação original de convi-
dados. Houve quem, por motivos diversos, não pôde entregar o seu texto no prazo proposto.
Por isso, a organização precisou participar da obra com dois capítulos: foi a fórmula encontrada
para que a Revolução Federalista, um dos mais importantes conflitos havidos no Rio Grande
do Sul, não deixasse de ser contemplada nesta obra.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS GUERRAS NO RIO GRANDE DO SUL
O Rio Grande do Sul afirmou-se como território na esteira de uma fronteira móvel.
Durante o período colonial, as Coroas espanhola e portuguesa bateram-se várias vezes pela
fixação dos limites de suas possessões no hoje chamado Cone Sul. O ir e vir da fronteira, ao
sabor dos tratados, da circulação das gentes, do deslocamento dos exércitos e dos combates,
contribuiu para forjar uma sociedade de índole guerreira, onde a guerra foi uma constante.
Nada de tão anormal. Como disse Jean Meyer (1983: 283), citado por Corvisier (1999: 179),
do século XVI ao século XVIII, o Estado não fez outra coisa senão administrar os impulsos de
violência, de proteção de territórios, de conquistas e de controle da violência intestina. Era um
Estado essencialmente militar, que garantia a ordem, a segurança e distribuía a justiça régia.
Embora absolutista e centralizado, o Estado colonial português era infra-estruturalmente
frágil. Isto é, o governo não dispunha de meios suficientes para controlar o conjunto da socie-
dade civil e para ocupar todo o seu território com autoridade. Por este motivo, recorria ao
poder privado. Administração, justiça e defesa eram partilhadas entre a Coroa, as câmaras
municipais e os poderosos locais. Vem daí a histórica indistinção entre espaço público e
privado, magistralmente interpretada por autores como Sérgio Buarque de Holanda (1997) e
Vitor Nunes Leal (1978), e cujos resquícios até hoje caracterizam a sociedade brasileira.
Foi assim que, no Rio Grande do Sul colonial, cada estância, cada fogão, converteu-se em
um posto avançado ou numa retaguarda para a ação do Exército. A população vivia em armas
e a passagem do tempo era medida pelas guerras. Cenário traçado com maestria única por
Erico Verissimo, em O Tempo e o Vento.
Neste sentido, aproximamo-nos, grosso modo, da experiência suíça, onde o sistema de
organização do exército em milícias impôs a todos os cidadãos manter armas em suas casas.
Recordemo-nos das nossas antigas organizações para a defesa: auxiliares, ordenanças, milícias,
legiões etc., paralelamente às tropas regulares. Também nos Estados Unidos o porte de armas
é até hoje amplamente autorizado. Como no Sul do Brasil, os Estados Unidos forjaram sua
nacionalidade na base de uma fronteira móvel, sobretudo ao Oeste e ao Sul.
Sobre o armamento disponível no Rio Grande do Sul, vale a pena consultar os adendos
desta obra. De um modo geral, as armas brancas eram significativamente difundidas, pois
estavam integradas à rotina campeira do gaúcho, do peão de estância e do colono. Já o arma-
mento de fogo, costumava ser obsoleto. Em plena Revolução Federalista, na década de 1890,
ainda se verificava entre os revolucionários o emprego de armas remanescentes da Guerra do
Paraguai. As fronteiras com o Uruguai e a Argentina eram permeáveis ao contrabando. Por ali
entrava boa parte do armamento utilizado nas revoluções sul-rio-grandenses de fins do século
XIX e inícios do século XX. É notória, por exemplo, a missão confiada pelo Presidente Borges
de Medeiros a Flores da Cunha, em 1922, para adquirir munição e armamento na Argentina,
a fim de armar a resistência oficial ao movimento revolucionário que então se anunciava
(Aita & Axt, 1998; Cunha, 1943). Da mesma forma, durante a Revolução Federalista, os
