Table Of Content)
{
1
ADAM KUPER
.· A ntrop6logos
Alba Zaluar DESVENDANDO MASCARAS
Guimaraes SOCIAlS
Jose Hon6rio INDEP.ENDENCIA: REVOLUCAO
Rodrigues E CONTRA-REVOLUCAO (5 vols.) e Antropologia
Jacques Le Goff HISTORIA
e Pierre Nora Vol. 1 Novas Problemas- Vol. 2 Novas
"
Aborda_gens - Vol. 3 Novas Objetos
Roberto Cardoso DO INDIO AO BUGRE
~
de Oljveira
<0
I
Guy R9cher TALCOTT PARSONS E A
SOCIOLOGIA AMERICANA
~
Elizabeth Bott FAMILIAE REDE SOCIAL
Theo Santiago DESCOLONIZACAO
'
Edward T. Hall A DIMENSAO OCULTA
'
Philippe Aries HISTOf.,. lit\ DA MORTE NO OCIDENTE
Gerard Chaliand MITOS .F \EVOLUCI.O NARIOS DO 3'?. MUNDO
\ '
J
0 SON.HO E 1 AS SOCIEDADES 'HUMANAS
Roge~:.CaiJiois
e G.E•,.Von
Grunebaum
.
.~. . .
Pierre Cla~tres A SOCIEDADE CONTRA 0 EST ADO
Adam Kuper ANTROPOLOGOS E ANTROPOLOGIA
ANTROPOLOGOS
E
ANTROPOLOGIA
COLE<;;A.O Clf:NCIAS SOCIAlS
Adam Kupe:r
Coordenafiio
Roberto Osvaldo Cruz
Theo Araujo Santiago
ANTROPOLOGOS
E
ANTROPOLOGIA
Tradu~;ao de
Alvaro Cabral
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
...... .. ..
f. ? ' ~ ., '•,.
i.
c
Copyright © Adam Kuper, 1973
Titulo original: Anthropologists and Anthropology· .
Ilustra~ao da capa: Cabe<;a-retrato masculina, de Ife, Nigeria,
Seculo XII. Bronze. Altura, 34 em. Cole~ao The Oni of lfe.
Museu Britanico.
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~0~-1
Impressa no Brasil L . C O , ( -41 9tJ Sumw'io
Printed in Brazil ~d . 10 t (_ 1
1978
-n~o+
PICHA CATALOGRAFICA IJ . -
(Preparada pelo Centro de Cataloga91io-na-fonte do
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ) - ··- ....
Kuper, Adam.
K98a Antrop6logos e antropologia; tradu~ao de 7
Prcfacio
Alvaro Cabral. Rio de Janeiro, F. Alves, 1978.
( Ciencias sociais)
Do original em ingles: Anthropologists and
anthropology I. Malinowski 11
1. Antropologia social 2. Antrop6logos n. Radcliffe-Brown 51
I. Titulo II. Serie
., ·:-· ~'
CDD- 301.2 111. As decadas de 1930 e 1940: da fun<;ao a estrutura 87
301.092
77-0341 CDU- 304 ~\ lV. Antropologia e colonialismo 121
v. Do carisma a rotina 147
Todos os direitos desta tradu~ao reservados a I qq -q 3 L( '
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
169
Rua Barao de Lucena, 43 Y(. Leach e Gluckman: para alem da ortodoxia
Botafogo ZC 02
20.000 Rio de Janeiro, RJ vn. 197
Levi-Strauss c o nco-estruturalismo britanico
219
Proibida a venda em Portugal e outros pa§es de Hngua portuguesa Ylll. 1972
I~ ~~.¢.1~.~-.5 .1
~:.~~~~~.!!,~~~o.!e
PemrUuco
Pre facio
Para Jessica
Em 1908, Frazer proferiu o seu discurso de posse ao assumir na
Unlversidade de Liverpool (por urn perfodo muito breve) a primeira
catedra de Antropologia Social da Gdi-Bretanha. Assinalou ele o para
doxo de estar sendo concedido reconhecimento a essa disciplina justa
mente quando o seu objeto de estudo - "os selvagens" - estava de
saparecendo. De fato, a moderna Antropologia Social ainda nao tinha
propriamente nascido. Ela s6 veio a surgir depois da I Guerra Mundial
e, como se quisesse desmentir Frazer, apresentou imediatamente uma
scrie de notaveis estudos monogriificos de comunidades isoladas, pre
industrials; e nao tardou em iniciar-se a reconstitui~ao das categorias
e
"primitives" e "civilizados". Q__p.flnto de partida deste livro 1922, -~
annus mirabilis do Funcionalismo. Nesse ano, Malinowski e Radcliffe
Brown publicaram os seus primeiros estudos de campo importantes; e
foi tambem nesse ano que morreu Rivers, a maior figura da gera~ao
pr6-funcionalista. Mais do que Frazer ou qualquer dos seus contempo
rancos, coube a Rivers fornecer um padrao de envergadura intelectual.
Malinowski vangloriou-se certa vez de que Rivers seria o Rider Haggard
eta Anlropologia, mas ele era o seu Conrad; enquanto que Radcliffe
Brown - o primciro discipulo de Rivers em Antropologia - estava
moldando scus argumentos na forma de uma crftica ao mestre. . . mes
mo vinlc nno"l np6s a mortc dele.
l 7
Frazer serviu de padrinho urn tanto contrafeito ao novo movimen
j{t se haviam infiltrado em outras disciplinas - e m:smo na polftic~ e
to, mas os seus fundadores foram Malinowski e Radcliffe-Brown. Cou
na vida intelectual do pafs, de urn modo geral. 0 mteresse do le1tor
be-lhes estabelecer os modelos te6ricos e as escolas concorrentes que
a comum talvez nunca tivesse atingido urn ponto tao alto e eu espero que
dariam "Antropologia Social britanica" seu carater distinto durante,
cste livro ajude a fornecer uma perspectiva ~obte ~ disciplina antropo-
pelo menos, uma gera~ao. Os ultimos cinqtienta anos viram os seus dis 16gica e seu objeto de estudo. A ~ntropolog~a Soc1al sempr~ teve uma
cipulos e os discfpulos dos seus discfpulos produzirem estudos de campo
profunda consciencia de suas impltca~6es ma1s am~l~s, e creiO que uma
acerca das varias sociedades ex6ticas sobre as quais a Gra-Bretanha
dcscric;ao hist6rica e a melhor mane1ra de transm1t1r a sua mensagem,
costumava exercer dominio, e criaram urn modo distinto de analise.
uinda em desenvolvimento.
Os "antrop6logos sociais britanicos" tinham os mai~ diversos ante 0 Professor Isaac Schapera convidou-me a escrever este livro e
cedentes e diferiam em todos os aspectos que -se-queira imaginar, exceto concedeu-me o seu constante apoio, selecionando inclusive o titulo mais
urn: eles estavam unidos num grupo profissional excepcionalmente com apropriado. (Foi ele quem recordou a todos que a Ant~opologia Social
pacta, dotado de uma metodologia revolucionaria, padroes comparti csta interessada "nao em pedras e ossos, mas, outross1m, em Marx e
lhados de treinamento e de avalia£aO, e uma estrutura te6rica bastante
Spencer".) A minha querida tia, ~Iild~ ~(~per, f?i q?em me iniciou nest.e
coerente. 0 erudito belga Luc de Reusch assinalou de maneira arguta: campo, ainda como estudante umversttano, e f1que1-lhe devendo as pn
"A Antropologia Social britanica difere profundamente da Etnologia mciras noc;oes sabre a hist6ria intima da discipli~a, sem o que. tudo
francesa por urn tra~o extraordinario: ela tern esp!rito de famflia". Me fnria muito menos sentido. James Urry, ele propno urn mananc1al de
nos polidamente, urn americana chamou-a uma sociedade de admira iuformac;oes, compilou o fndice. Minha mulher, Je~sica ~uper, al?oiou
~ao mutua de inteligencia limitada. 0 Ieitor julgara por si mesmo; mas, mc durante toda a execuc;ao do trabalho e este hvro e-lhe ded1cado.
em todo o caso, eles estabeleceram uma tradi~ao intelectual distinta, a Para se escrever hist6ria tao chegada aos nossos pr6prios dias, confia-se
qual desde enHio se disseminou por varias partes do mundo. ncccssariamente na boa vontade de testemunhas dispostas a falar, assim
Em sua acep~ao moderna, a "Antropologia Social britanica" ja foi como no acesso a material inedito, alem das fontes ja publicadas. Apesar
liderada por tres gera~oes nitidamente definidas. Malinowski e Radcliffe tic varios esfon;os, fui incapaz de descobrir muito material ainda inedito,
Brown puseram-na em marcha e alimentavam toda aquela certeza soli mns urn certo numcro de meus colegas mais velhos concordou em com
taria dos profetas e videntes. Os seus discipnlos, treinados em fins da pnrcccr a urn seminario P?r mim organiza?~ nAo "£!niversity College, de
decada de 1920 e ao longo dos anos 30, viriam a assumir a lideran~a l.ondres, a fim de comumcarem suas remmiscenc1as ou submete~em-se
da profissao depois da II Guerra Mundial. Foram nomeados para as 11 cntrevistas. Estou muito arato a todos e espero que eles cons1derem
catedras de Antropologia Social em varios departamentos universitarios o meu relato razoavel e di~ertido. Mas a minha principal fonte foi o
antigos e novas da Gra-Bretanha e da Comunidade, e dominaram a dis 11\UlCrial pubiicado, pois isto n~O e uma hist6ria de ~~igas OU .amores
ciplina durante duas decadas. Entre 1968 e 1972, eles atingiram a idade privndos - nao e uma exposicao dos .se_gred_os da fam1h~. Tentet escre
de aposentadoria en bloc. Esse ano jubilar da Antropologia Funciona vcr a hist6ria intelectual de uma trad1c;ao v1va e talvez 1mportante, no
a
lista assistiu transferencia final do poder para a terceira gera~ao, a que nmbito das Ciencias Sociais.
inaressou na profissao no final dos anos 40 e infcio da decada de 1950, ADAM KUPER
e ~e defronta hoje com o problema de sua reconstru~ao num mundo
p6s-imperial.
Nao que a Antropologia Social tivesse alguma vez sido apenas urn
exercfcio de refinamento do colonialismo. Os antrop6logos sociais bri
\
tanicos baseavam-se numa tradi£ao estrangeira de compreensao sociol6-
gica que imprimia ao trabalho deles urn canl.ter especial, embora com
l
partilhassem, evidentemente, de muitas ideias correntes nas Ciencias e
nas Artes da Gra-Bretanha. .. e ate naP. & 0. Line!* E, embora ape
nas algumas de suas obras tivessem granjeado popularidade, suas ideias
• Sigla da empresa de navega~ao britanica Penins_ular & Orient Stea_mship C~~
as
pany, que ligava regularmente a metr6pole mats remotas possessoes coloruatS
do Reino Unido desde meados do seculo XIX. (N. do T.)
8 t)
I. Malinowski
0 pomposo titulo da Escola Funcional de Antropologia foi-lhe outor·
gado por mim, de urn certo modo a mim e, em grande medida, em conse
qtiencia do meu senso de responsabilidade.
Malinowski1
... Eis um fenomeno unico e paradoxa!: Um empirista tc6rico fanfttico.
Leach2
I
e
Malinowski um forte pretendente ao titulo de fundador da disci
plina de Antropologia Social na Gra-Bretanha, pois estabeleceu o seu
modo distinto de re · o: intenso trabalho de campo numa comu
ntda e ex ttca. Durante os quinze anos em que Iecionou na London
School of Economics, ap6s o seu regresso das llhas Trobriand, foi o
unico mestre de Etnografia em todo o pais, e virtualmente todos quantos
dcscjavam realizar trabalho de campo de acordo com os metodos mo-
dcrnos iam estagiar com ele. .
Entretanto, Malinowski e muitos de seus disdpulos achavam que
ole era muitissimo mais do que um pioneiro em metodologia. Como
obsorvou um de seus mais distintos alunos, "Malinowski proclamava-se
crlndor de uma disciplina academica inteiramente nova. Toda uma ge
rncllo do seus adeptos se criou na convi~iio de que a Antropologia Social
tlnha comc~ado em 1914, nas Ilhas Trobriand"3• Essa grandiosa reputa
cno alnda pcrsiste, .apcsar da pobreza das formulacoes te6ric.as expHcitas
tlf.l Mnlinowski. 0 scu triunfo ctnografico baseou-se numa nova perspec-
1t
tiva que ainda constitui uma caracteristica integral da Antropologia a
entao preferida de "sociologia". Frazer, em 1910, definira a An
Social britanica, por muito que possa ter sido conturbada pelas suas ten
tropologia Social como urn ramo da Sociologia que se ocupa dos
tativas de formaliza!;ao e incessantes polemicas. Houve, com efeito, uma
povos primitivos. Westermarck exercia o cargo de professor de So
revolu9ao funcionalista e Malinowski foi o seu Hder. Mas nao estabele
ciologia, embora o seu trabalho fosse realmente na area da Antro~
ceu a teoria funcionalista nos moldes que Malinowski propusera.
pologia Social4
•
II Definic;ao semelhante foi estabelecida no programa de estudos ado
tado para a obtengao do recem-estabelecido diploma em Antropologia
da Universidade de Oxford, em 1906. Distinguiu-se a "Antropologia
Cultura" da Antropologia Fisica, passando a ser estudada sob quatro
tftulos principais: Arqueologia, Tecnologia, Etnologia e Sociologia. A
0 ob·e de estudo da Antropologia foi definido com razoavel cla-
rez~ no iniC.iQ.go ~~culo , em ora e ossem a os names diversos: distinc;ao entre as duas ultimas era clara. ~ Etnologia inclufa
'".Antropologia Social, Antropologia Cultural ou Etnologia, Etnografia e
Sociologia. Sua essen9ia e(a o estudo do homem "primitive", ou "selva \
gem", ou '7JrimeV'o", e por volta do ultimo Q.Juu.:t.el do secy]o XIX o o. estudo compt.Jativo e a classifica~tao de_ p_ovos,__baseJlda nas
_§tudo da "cultw:a:.' - no sentido que lhe foi dado por Tylor, abran condic;6es da cultura material, -11nguagem,lnstituig6es, ideias reli
gendo a organizafao social - ja se distinguia claramente do estudo bio- giosas e sociais, em contraste com os caracteres fisicos. A influen
16crico do J:.2m\llil, Havia, portanto, o estudo especffico relacionado com cia do meio ambiente sobre a cultura.
a 'ficulfurn primitiva". Este campo foi convencionalmente explorado sob
varios angulos: cultura material, folclore, religiao, magia e "sociologia";
talvez se considerassem tambem a linguagem, a estrutura legal e ate o Par seu lado, a Sociologia ocupava-se de:
meio ambiente.
No infcio do seculo XX houve tambem uma distinc;ao aceita entre
uma abordagem amplamente geografica, a qual se ocupava da migrac;ao, Estudo comparative de fenomenos sociais, com referencia es
da difusao cultural e da classificagao de povos e objetos, e aquela a que pecial a hist6ria primitiva de .
foi geralmente dado o nome de abordagem sociol6gica, a qual se ocupl:l ( '!)- Organizac;ao social (incluindo as costumes matrimoniais), ad
va do desenvolvimento das instituic;6es sociais. Os expoentes da pri ministrac;ao publica e estrutura juridica;
meira dessas abordagens tendiam para ser mais descritivos e particula (b) Ideias e c6digos marais;
ristas, ao passo que os soci6logos eram mais comparatives e te6ricos. (c) Praticas e crenc;as magicas e religiosas (inclusive o tratamento
A distingao entre eles ja se encontrava formalizada desde, pelo meno,s, dos mortos) ;
1909, quando, de acordo com Radcliffe-Brown, (d) Modo de comunicac;ao de ideias por sinais, linguagem articu-·
lada, pictogramas e escrita5
•
se realizou o encontro de professores provenientes de Oxforq,
Cambridge e Londres, com o objetivo de discutirem a terminologia
Cada uma destas abordagens da "cultura primitiva" estava tambem
da nossa disciplina. Concordamos em usar "etnografia" como o
e Msociada a uma determinada tendencia te6rica. Os etn61020S jndjnaJl2Ul;
termo adequado para· os el~<5s de'sCfifivos de povos cuja cultura
_s ~ra o difusionismo.(As culturas consistiam em miscelaneas de trac;os,
anterior a escrita. A construgao hipotetica da bist6ria de tais povos
lOiruiC!os de outras, em que os tragos superiores se deslocam de urn cen
foi aceita como tarda da etnologia e da arqueologia pre-hist6rica. l ro para Para como as ondas produzidas pel a pedra que se lan~ta num
0 estudo comparative das instituig6es em sociedades primitivas foi lngo, paro citarmos uma analogia favorita dos autores difusionistas.
aceito como tarefa da antropologia social e esta designa9ao ja era IIHNClll trocos cultnrnls puclcrom scr classificados de acordo com crit6rios
12
13
\ I
i
estiHsticos ou outros, e seu movimento reconstitufdo (ou os movimentos Alguns anos depois, R ad cI 1"f f e-B rown escreveu de urn modo mais
de seus portadores):)0 difusionismo recebeu urn grande impulso na Gra direto o seguinte:
1
Bretanha, em virtucte das espetaculares descobertas da arqueologia egfp
cia e do desenvolvimento da teoria segundo a qual o "fertil crescente" era
o ber~o da maioria dos artifices da civilizac;ao - uma teoria propagada
\ na decada de 1920 por Elliot Smith e Perry, no University College de Creio que, de momenta, o conflito realn;,ente in:tpo.rtan;; nos
Londres. Por outro lado, os soci6logos eraw ptedowiQ.aAtemcate ~ estudos antropol6gicos nao se trava entre os ;~~luc.xon.tstas, e os
cionistas, se bern que seus pontes de vista divergissem entre si, mas ne "difusionistas" nem entre as varias escolas de d1fus10mst~s , mas
nhum deles continuava favoravel aos esquemas evoluciom1rios unilineares entre a hist6ria conjetural, de um lado, e o estudo func10nal da
tao em moda na lnglaterra vitoriana. Em termos muito genericos, a ten sociedade, do outr67
• .
dencia dos soci6logos era entao para encarar as culturas como sistema:;
dotados de uma djpamica interior, em vez de produtos de emprestimos
aleat6rios; divergiam quanta a ser esse elemento dinamico de natureza
i,ntelectual, economica, eco16gica ou 0 que fosse.
' lsto constitui uma versao simplificada da situac;ao mas pe~ite-nos Nao obstante, 6 urn engano considerar .qu~ o .Funcionalismo t;i~n
identificar de imediato o impacto causado pelo funcionalismo Qs fun fou sabre as ortodoxias evolucionistas ou dtfu~!On~stas. A car~ctenstlca
.. I cionalistas apossaram-se da "sociologia" mas abandonaram a "re erencia fundamental da Antropologia britanica nas. pnmetras duas decadas do
especial a hist6ria primitiva de ... " que fora a marca registrada dos seculo atual foi uma atitude cautelosa e cetica perante. qu~lq~er fo:mu
evolucionista~Eles tambem rejeitaram nao s6 o difusionismo mas toda la<tao te6rica bombastica, fosse ela evolucionista ou difus10msta. Ja no
a iniciativa de natureza etnol6gica, pelo que, durante uma gerac;ao, as come<to do seculo atual, a obra d~ ~razer estava _ sendo tratada com
preocupac;oes dos etn6logos, incluindo as hist6rias espedficas, foram me certa zombaria nas revistas antropologJcas; e, nas maos de homens c,o:no
nosprezadas pelos antrop6logos sociais britanicos. Westermarck ou Marett, o evolucionismo era apenas urn ponto bastco
de referenda e nao urn conceito organizador cent:ai. E verdade que o
Nas paginas finais de sua primeira monografia sabre as Trobriand,
extrema difusionismo egiptocentrico de Elliot Smt.th e. Perry represen
Argonauts of the Western Pacific (1922), Malinowski exp6e o seu pan
tava uma forca na decada de 1920 e que o pr6pno Rtvers se lhe .c~n
to de vista com referencia as preocup'ac;6es dessas principais escolas.
verteria, mas· a teo ria nao ganhou muito credito nos drculos profts~w
Escreveu ele:
nais. Com efeito, Myers, como presidente do Royal A.nt~ropologi~al
Institute, viu-se em apuros para obstar ao pedido de demt,ssao de .E~!IO~
Smith em 1922 como protesto contra a suposta censura, ~s suas tdetas,
e desanimado queixou-se dos absurdos do fervor evangehco do grande
...P arece-me haver Iugar para urn novo tipo de teoria. A homem. Aind~ nessa mesma decada, Malinowski' passou uma ?oa par~e
fixa~ao no tempo e a influencia do estagio anterior sabre o su!J do seu tempo em debates com Elliot Smith e ~e:ry, _mas fazta-o mats
seqtiente constituem o tema principal dos estudos evolucjonistas, em aten<tao a um publico lei go do que para .proftssJOnats. Era alga como
tal como sao realizados pela escola classica de Antropologia bri se urn moderno antrop6logo social consumtsse boa parte .do seu te:n~o
tanica (Tylor, Frazer, Westermarck, Hartland e Crawley). A esco em debate publico com Rob.ert Ardrey .e J?~smond Morns. A tradt<tao
Ia etno16gica (Ratzel, Foy, Grabner, W. Schmidt, Rivers e Eliott oral funcionalista exagerou liDenso o stgmftcado desse confronto.
Smith [sic]) estuda a influencia de culturas par contato, infiltra Houve tambem a contra-influencia de Durkheim e da sua Escola :
c;ao e transmissao. A influencia do meio ambiente sabre as insti de Paris, a qual atraira as atenc;oes ~e Radcl~ffe-Bro~n e ~~ Mare;t
tuic;oes culturais e a rac;a e estudada pela Antropogeografia (Ratzel antes da I Guerra Mundial e que contmuou a mfluenctar o~ antropo
e outros). A influencia reciproca dos varios aspectos de uma ins logos sociais" britanicos. As teorias de J?urkheim for~m p~rttcularmente
tituic;ao, o estudo do mecanisme social e psicol6gico no qual a influentcs no estudo da religiao, na med1da em que dlVer.gtam tanto dos
instituic;ao se bas'eia, constituem urn tipo de investigac;6es te6ricas lntcrcsscs dos difusionistas quanta dos que eram defendtdos pelos evo
que, ate ao presente, s6 se praticaram de urn modo conjetural. Mas lucionistas como Tyler e Frazer.
arrisco-me a predizer que mais cedo ou mais tarde adquirirao certa Mns ~c quis6sscmos caractcrizar~...!c~a?Sd~o~d!.!:e~~~~~~~~
personalidade propria. Esse tipo de pesquisa preparani o caminho lQaill bmnr\l.Q.O no11 Efimciras decadus .Q.QJ~u.w.~,_._,
e fornecera o material para as demais6•
tS
14
. (
blinhar a preocupasao dominante com a acumulacao de qad~ A meta mente embebido nas concepc;6es obscuras de uma mentea banta que
final talvez fosse ainda a reconstru~ao da hist6ria da cultura, ou a ge- nunca conseguiu livrar-se delas e permaneceu pagao ate sua morte
\ neraliza~ao evolucionista, mas esses interesses eram obscurecidos, de em 1908"10 •
algum modo, par urn forte ressurgimento do empirismo britanico. Ha .E uma boa medida da ansia de informac;6es. o fato de, escrevendo
via urn sentimento de que os fatos, que estavam ficando cada vez mais para os leitores de Man sabre a reuniao da Associac;ao Britanica para
acessfveis, tornavam Uffi tanto absurdos OS ageis esquemas evolucionis o Progresso da Ciencia, realizada em 1905 na Africa do Sui, Hartland
tas e difusionistas. Alem disso, esses "fatos" poderiam em breve desa- poder relatar com certo entusiasmo:
,. parecer com a extin9ao de todos os "primitivos". Par conseguinte, a
coleta desses dados era uma questao urgente. Escreveu Rivers em 1913:
"Em muitas partes do mundo, a morte de todo e qualquer anciao acar
reta a perda de conhecimentos que nunca mais serao substituidos"8• Era ...E specimes de numerosas tribos Banta foram reunidos ca
passive! detectar certos movimentos incipientes de afastamento do evo rinhosamente em Victoria Falls pelo governo da Rod6sia para es
Iucionismo ou difusionismo, e no sentido de uma ou outra especie de tudo antropologico. 0 tempo era escasso e apenas permitiu que
funcionalismo; mas, de urn modo mais 6bvio, registrava-se uma mudan se realiz~ssem algumas medic;6es e fotografias.
a
~a de enfase, medida que a pesquisa de campo ganhava ascendencia
sabre as preocupa~6es de ordem teorica. As rivalidades entre "sociolo
gos" e "etnologos" pareciam em geral menos urgent.es do que os apelos
da "etnografia".
A exigencia de trabalho profissional de campo foi a forc;a motiva E mais adiante:
dora subjacente na expedic;ao de Cambridge ao Estreito de Torres, em
1898-9, organizada por Haddon e incluindo Rivers, Seligman e Mayer.
Apesar desse inicio em tom empresarial e da avidez geral par mais ex
pedic;6es, o seguimento nao foi particularmente impressionante. Seligman Tive o prazer de viajar alguns dias depois com o Dr. Kanne
trabalhou na Melanesia em 1904, entre os Veddas em 1907-8, e, mais weyer, de Smithfield, urn cavalheiro nascido na Colonia do Cabo,
de ascendencia alema pelo lado paterna e francesa pelo materna,
tarde, no Sudao; e Rivers trabalhou entre os Todas, no Pacifico. A. R.
estando ambas as familias instaladas naquela colonia M algumas
Brown (Radcliffe-Brown) foi enviado de Cambridge par Haddon e Ri
e gerac;6es. Ele e, na pratica, urn curandeiro. Seguem-se alguns apon
vers para estudar OS nativos das Ilhas Andaman, em 1906-8. Havia,
tamentos oue tomei durante a nossa conversa. Ele recebeu infor
cla!o, uma seria escassez de verbas e de investigadores adequadamente
mac;6es de-mais de uma pessoa intimamente relacionada com os
tremados, mas cumpre acrescentar ser muito pouco o trabalho profis
sional que exigisse mais de alguns dias em qualquer area exotica. Ape Bosqufmanos. ..1 1
sar dos perigos 6bvios, os investigadores tinham de confiar em inter
pretes ou em informantes "evolufdos".
Isso representou, entretanto, urn afastamento do sistema tradicional,
s:gundo o qual ---: .conforme descrito par Marett - "o homem de ga :a
possivel, inclusive, que ate a expertise etnografica dos antrop6-
bmete pr?punha drhgent~mente quest6es a que s6 o investigador no cam
logos profissionais tenha sido alga excessiva. Ja em 1915, numa bri·
po po?ena responder e, a luz das respostas que choviam do campo para a
Jhante critica History of Melanesian Society, de Rivers, escrevia Hocart:
o gabmete, neste eram revistas tao diligentemente quanta as quest6es
propostas"9.tcompreendia-se agora que o investigador de campo tinha
q?e ser_ urn especialista na disciplina e que o residente europeu nos tr6-
prcos nao era, de urn. ~ad~ ~eral! urn informa~or idoneo'] Alguns deles,
sobretudo entre os mrss10nanos, tmham produzrdo etnografias magistrais Ainda persiste a ideia de que nao pode ser coletado em algu
mas que, na verdade, constitufam uma excec;ao; e ate os melhores dentre mas horas qualquer material fidedigno e de que se requer uma
eles con_fiavam excessi~amente em informantes selecionados. 0 proprio Jonga cstnda entre os selvagens para que se possa chegar ,a e~t~n
Junod drz que as suas mforma~6es provinham quase inteiramente de tres dlHos. Dssa idcia nao sc baseia em qualquer prova mas pers1shr~
homens. Dais eram cristaos; o terceiro "era urn Banta tao profunda·· npusnc do todas as provas12•
17
16