Table Of ContentANATOMIA FUNCIONALDE PERNA PERNA (L1NNÉ)
(BIVALVIA, MYTILlDAE)
WalterNarchi 1
Mario Sergio Galvão-Bueno 2
ABSTRACT.FUNCTIONALANATOMYOFPERNAPERNA(LINNÉ)(BIVAlVIA,MVTlllDAE).
Pernaperna(Linné,1758)occursontheAtlanticlittoralfromVenezuelatoUruguay.
Themainorgansystemswerestudiedinlhelivinganimais,particularattentionbeing
paid to lhe ciliary feeding and c1eansing mechanisms in lhe mantle cavity. The
anatomy,functioningoflhestomachandtheciliarysortingmechanismsaredescribed.
ThesiphonsbelongtotypeA(YONGEJ948b),thectenidiatotypeB(I)(ATI<INS1936c)
andlhestomachisoftypeIII (PURCHON 1957)orSectionI(DINAMANI 1967)wilh
sortingmecanismsoftypeAand B(REID 1965). Ageneral comparisonwas made
betweenthegeneraoftheMytiJidaeknownandsomefeaturesofMytellaSoot-Ryen,
1955.
KEY WOROS. Bivalvia, Mytilidae, Perna perna, functional anatomy, Brazilian
littoral
De acordo com SOOT-RYEN (1955), a família Mytilidae compreende 23
gêneros,dosquaisKLAPPENBACH(1964)registrouapenas 12emáguasbrasileiras:
Mytilus Linné, 1758,PernaRetzius, 1788,BraehidontesSwainson, 1840,Mytella
Soot-Ryen, 1955, Modiolus Lamarck, 1799, Amygdalum Megerle von Mühlfeld,
1811, Lioberus Dahl, 1898, Museulus Rõding, 1789, Gregariella Monterosato,
1884, Crenelfa Brown, 1827, Botula Mõrch, 1853 eLithophagaRõding, 1798. O
gênero Perna foi criado por Retzius em 1788 na "Dissertatio historico-naturalis
nova Testaceorum genera" (SooT-RYEN 1955), com o tipo Perna magellaniea
Retzius, 1788, já descrito em 1758 por Linné como Myaperna (KLAPPENBACH
1965). Ogênero foi revalidado, em 1955,porSOOT-RYEN (1955), porseronome
maisantigoparaogrupodemitilídeosincluídoscomumentenogêneroChloromya
Mõrch, 1853. O gênero, segundo SIDALL (1980), caracteriza-se pela concha lisa,
bordaresilial perfurada, duas cicatrizesde músculos retratores do pé, usualmente
dois (às vezes um) dentes dissodontes, dez a dezoito dentes primários laterais e
ausênciadomúsculoadutoranterior.
A espécie P. perna foi descritapor Linné, em 1758, na décimaedição do
"SystemaNaturae", com o nomede Myaperna. Nasinonímiaestão, entreoutros,
Mytilus elongatus Chemnitz, 1785, Perna magellaniea Retzius, 1788, Mytilus
magelfanieusRõding, 1788eMytilus (Chloromya) perna(Linné, 1758).
1) Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Caixa
Postal11461,05422-970SãoPaulo, SãoPaulo, Brasil.
2) Departamento de Biociências, Universidade de Guarulhos. 07023-070 Guarulhos, São
Paulo, Brasil.
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Damesmaforma,MytilusachatinusLamarck, 1819(LAMY 1920)eMytilus
elongatusMetivier, 1967(Rios 1994)devemserconsideradascomosinônimosde
Pernaperna(Linné, 1758).
SIDDALL(1980)tentoufazerumarevisãohistóricaeesclareceroposiciona
mentodogêneroPerna,mostrandoquãoconfusoéostatustaxonômicodasespécies
dentreosMytilidae.ParaMORTON(1987),comooautorprecedente,ogêneroPerna
é representado portrês espéciescomdistribuição geográficasemrecobrimento: P.
canaliculus (Gmelin, 1791) restrito a Nova Zelândia, P. viridis (Linné, 1758) do
Indo-Pacífico,eP.pernaqueéamplamentedistribuídaaolongodascostasdaÁfrica
edacostaatlânticadaAméricadoSul.
Perna perna vive na costa oeste do Atlântico desde a Ilha Margarita e
Cumaná (Venezuela) até a Ilha de Lobos e Punta dei Este (Uruguai), sendo
abundante entre Rio de Janeiro eSantaCatarina(KLAPPENBACH 1964;BEAUPER
THUY 1967a). Segundo LANGE DE MORRETES (1949) a espécie ocorre no Rio de
Janeiro, Santos (São Paulo), ParanáeSantaCatarina. ParaKLAPPENBACH (1965),
estaespécieconstitui omaiormitilídiobrasileiro. Rios (1994)registrouseuapare
cimentonaVenezuela,todaacostadoBrasilatéoUruguai;duvidadesuaocorrência
em Mardei Plata,Argentina,eassinalouseuaparecimentonaÁfricadoSul.
A espéciefoi descritaoriginalmenteparaoEstreitodeMagalhães, localiza
çãoconsideradaerradaporKLAPPENBACH (1964). Parecequesuadistribuiçãonão
seextendepara0sul,alémdoUruguai,ondeéconfirmadaporBARAlTINI& URETA
(1961).AespécienãoécitadaparaaregiãopatagônicanoscatálogosdeCARCELLES
(1944, 1950), CARCELLES & WILLlAMSON (1951) e AGEITOS DE CASTELLANOS
(1957). ParaSlDDALL 1980, registros do aparecimentode P. pernaem águas frias
ao sul do Rio daPrata,Argentina,até oEstreito de Magalhães, constituem pontos
aserem discutidos. Tambémnão háreferências paraessaespécienacostapacífica
pois, segundoBEAUPERTHUY(1967b) nãoocorreno litoraldoChile.
Curiosamente, BEAPERTHUY (1967b) estende suadistribuição às costas da
ÁfricaedaÁsiaCentral,devidoaampliaçãodasinonímia,oquepodeteracontecido
com BERRY(1978) eLUBET(1973).
Pernapernaémoluscodeimportânciaalimentarnasregiõesondeeleocorre
emgrandequantidade,ouseja,entreosestadosdoRio deJaneiroeSantaCatarina
(IHERING 1900).Essaespéciefoi estudadasobváriosaspectos. SAWAYA& ABBUD
(1963) estudaram a farmacologia do músculo adutor, trabalho continuado por
ABBUD(1969). Afisiologiaeafarmacologiadocoraçãofoi objetodepesquisapor
SAWAYA& KHOURI (1963,1965)eSAWAYA& OLIVEIRA(1965). LAVALLARDet
aI. (1969) pesquisaramocrescimentorelativo daconcha.Semdúvidanenhuma,os
aspectos da reprodução e desenvolvimento da espécie mereceram a atenção de
muitos autores. BOUCARTetaI. (1965),discutiramaultraestruturado espermato
zóide. ROIAS (1967) e ROIAS & MARTINEZ (1967) pesquisaram os aspectos da
biologia principalmente a reprodução e desenvolvimento larval experimental da
espécie. EPIFANIO (1967) identificou e descreveu as larvas do mexilhão do litoral
daVenezuela. UMIn (1969) estudouaneurosecreçãoe suacorrelaçãocom ociclo
reprodutivo do animal. ROMERO(1980) verificouosefeitosdasalinidadeetempe
raturasobreembriõeselarvasdeP.perna. LUNETTA(1969)eCARMO& LUNETTA
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AnatomiafuncionaldePernaperna(Linné)... 137
(1978) desenvolveram estudos relativosao ciclo reprodutivo deP. perna. BERRY
(1978)efetuouestudossobreareprodução,crescimentoeprodutividadedaespécie
dacostaafricana. MAGALHÃEs(1985)determinouoteordeproteínaemfunção do
ciclosexual.
No que se refere à rnitilicultura no litoral brasileiro, SAWAYA (1965) já
estudaraaspossibilidadesdacriaçãodeP.pernano litoraldoestadode SãoPaulo
e atualmente vários pesquisadores ou mesmo pequenas empresas tem feito com
sucesso bancos de criação no litoral de São Paulo e Santa Catarina. Entre nós,
FERREIRAetai. (1990)desenvolverampesquisasparaocultivodemexilhões.
Comrelaçãoaosestudossobrefisiologia, ressalta-seosseguintestrabalhos:
DIONI(1963)analisouoconsumodooxigêniodaespécie;fIIROKI(1977)verificou
oefeitodabaixaconcentraçãode oxigênio edapresençade sulfetode hidrogênio
sobre o batimento ciliar nos ctenídios de P. perna; SALoMÃo et ai. (1980) e
SALOMÃO& LUNEITA(1989)estudaramainfluênciadasalinidadenasobrevivên
ciada espécie; ZUIM & MENDES (1980a,b, 1981) compararam a tolerânciade P.
pernaeBrachidontessolisianus(Orbigny, 1846)adiferentessituaçõesdesalinida
de do meioemqueosanimaisvivemassimcomoquandosubmetidos adiferentes
concentraçõesdedetergenteiônico;STUCCHI-ZUCCHI&SALOMÃO(1992)estuda
ramoefeitoosmo-iônicono conectivocérebro-viscera! dePernaperna.
Da família Mytilidae, apenasalguns gêneros foram estudados sob o ponto
devistadaanatomiafuncional,entreosquaisdestaca-seogêneroMytilus,aespécie
Brachidontesdarwinianus darwinianus (Orbigny, 1846) por AVELAR & NARCHI
(1984) e Mytella charruana (Orbigny, 1846) por NARCHI & GALVÃo-BuENO
(1983).
Noentanto,nenhumestudodaanatomiafuncionaldessemitilídeohaviasido
levadoaefeito,nadaseconhecendocomrelaçãoàsadaptaçõesdosanimaisaomeio
emquevivem.Estetrabalhoprocurouevidenciarasadaptaçõesanátomo-funcionais
dessaespécieaomeioemquevive.
MATERIALEMÉTODOS
Os espécimesdeP. pernaocorrem comumenteno litoral de São Paulo em
substratorochosoeforam coletadosnabaíadeSãoVicente, nolitoraldoestadode
São Paulo, num conglomerado de rochas granito-gnaissica, situado a noroeste da
Ilha Porchat (23°53'12"S e 46°22'22"W). Nesse substrato ocorrem junto com
Brachidontessolisianus, cracaseoutrosanimais. Pernapernaextende-sedesde a
faixaexpostapelasmarésbaixas(médioeinfralitoral)aténíveissuperioresnaface
da rocha não protegida dos impactos das ondas. Os animais foram coletados
arrancando-osdarochaondeseprendemfortemente pelobisso.
Pernapernatem um tamanho médiode5-8cmde comprimentopor3-4cm
de largura e 2-3cm de espessura. Éo maior dos mitilídeos brasileiros, podendo
atingiraté 14cmdecomprimento(KLAPPENBACH 1964).Osespécimes sãomitili
formes,porémmaisencorpadosqueMytellacharruana(NARCHI&GALVÃo-BUE
NO 1983), tendo o ângulo dorsal em posição mais mediana, e suacor é castanha
poucomaisescura.Todososexemplaresanalisadostinham amesmacoloração.
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Osanimaisforam mantidosvivosemaquárioscolocadosemambientecom
temperaturaconstante(20°C)porperíodosdeaté30dias.Foramutilizadosanimais
vivos, anestesiados eposteriormentefixados emálcool ouformol.
Desenhosforam feitosobservando-seanimaisvivosouanimaisfixados; aos
detalhes de anatomia adicionou-se, posteriormente, indicações funcionais, tais
como correntesciliares.Estasforam visualizadas pelamovimentaçãodepartículas
emsuspensãodecarmim,deaquadag(grafitecoloidal)ecarborundumbemfino, a
medidaqueprecipitavamsobreosórgãoseestruturas.Autilizaçãodeaquadagede
carborundum, técnicajá usada por ATKINS (l936a), NARCHI (1972 e 1974b) e
HEBUNG(1976),visaeliminarasdificuldadesapontadasporKELLOGG(1915)com
o uso do carmim, que, muito leve, permanece em suspensão na água, sendo
carregado porelae não pelos cílios. Dissecções foram processadas pelas técnicas
usuais. Cortes seriados de 10l!m foram feitos em animais fixados em Bouin e
incluidosem parafina.Acoloraçãofoi feitapeloprocessotradicionaldahematoxi
linaeeosina.
Animaisfixados emálcoolouformol forampreviamenteanestesiadoscom
cloreto de magnésio, paraevitarretração,comofizeram HEBLING (1976),NARCHl
(1972)eAVELAR&NARCHl(1984).
Os ctenídios foram examinados em animais vivos, em água do mar, e as
correntes ciliares observadas com a adição de carborundum em pó, aquadag e
carmim, segundo a metodologiade RrDEWOOD (1903), ATKINS (1936c), NARCHI
(1972)eHEBLING(1976).
Os palpos foram estudados sob microscópio estereoscópico, sob água do
mar, usando-se carmim e carborundum em pó paraa evidenciação das correntes
ciliares,técnicajáusadaporNARCHI(1974a). Paraevidenciarascorrentesentreas
pregas que permanecem encostadas umas às outras, os palpos foram dobrados de
várias maneiras.
Parao estudo do canal alimentarforam feitas dissecções, sob microscópio
estereoscópico,emanimaisfixadosemálcoolouformol eemanimaisvivos.Cortes
transversais, espessos, de 0,5 a 1cm de espessura, foram feitos e desenhados.
Completou-seoestudocomcortesseriadosdeanimais totais(IOl!mdeespessura),
seguidosde reconstituiçãográfica.
Asobservaçõesdeespécimesvivosforam realizadasnospróprios locaisde
coletae os trabalhos de laboratório, no Departamento deZoologiado Instituto de
Biociências daUniversidadedeSão Paulo, ondeforam mantidos vivoseem boas
condiçõesporalgum tempo.
RESULTADOS
Valvas da Concha
Aconchados mitilídeoséequivalvae inequilateral,com umbos prosógiros
próximosàextremidadeanterior(SOOT-RYEN 1955).
A conchadaespécieaquiestudadaéequivalvaeinequilateral,mitiliforme,
com um ângulo suave no lado dorsal, borda posterior arredondadae lado ventral
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AnatomiafuncionaldePernaperna(Linné)... 139
côncavo (Fig. 1). Foi verificado paraPernaperna o mesmo fatojáapontado por
WHlTE(1937)paraMytilusedulisLinné, 1758,ouseja,atendênciaqueaconcavi
dadedabordaventraldasvalvastememsermaiornosanimaisquevivememcostões
expostos do que naqueles de costões protegidos. Nestes, a bordaventral toma-se
maisconvexa.
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Figs1-3.Pernaperna. (1)Aspectoexternodaconcha, vistapeloladoesquerdo; (2)detalhe
daregião umbonalinternadavalvadireita; (3)face internadavalva direita. (ars)Cicatrizdo
músculoanteriorretratordobisso, (by)bisso,(f)pé, (frs)cicatrizdomúsculoretratordopé,
(mrs)cicatrizdomúsculomedianoretratordobisso,(pas)cicatrizdomúsculoadutorposterior,
(pl)cicatrizdomúsculopalial, (prs)cicatrizdomúsculoposteriorretratordobisso, (r)resílio,
(t)dente, (u)umbo.
o
ângulodorsalemP.pernasitua-senametadedocomprimentodoanimal.
Aoestudaracondiçãoheteromiária,YONGE(1953)concluiuque afixação através
do bisso fez com que o pé se tomasse um ponto ventral de fixação levando a
alterações na forma do corpo com o conseqüente deslocamento dos umbos e do
ligamentoparaaregiãoanterior.Comisso,aregiãodorsal foi amaisafetada,tendo
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o músculo adutor anterior diminuido sensivelmente, o que levou os animais da
condição heteromiária à monomiária. Essaafirmação foi confirmada no presente
estudo.
Os umbossãoterminaisemP.pernaeBEAUPERTHUY(1967b) considerao
perióstracodessaespécieespesso,alémdecitarcoresvariadas.
A coloraçãoverdefoi citadaporSOOT-RYEN(1955)paraogênero Pernae
nadescriçãooriginaldeLinné,esteautormencionou"violetamescladacompúrpura
eágata"(SooT-RYEN 1955).SANTOS(1955)descreveuaespécieP.pernacomcor
"avermelhadapardaou,àsvezes,verdemunidadeestriasirregularesangulosas,às
vezes, obsoletas". Já para BEAUPERTHUY (1967b) a variação de cor vai desde o
amarelo,verde,marromavermelhadoemarromescuro,chegandoaverificar"belos
reflexos azuis ao ser observadodentro d'água", como também manchas em "zig
zag".
Dosanimaisestudados,apenasalgunsexemplaresdeP.pernaapresentavam
em suaparteposteriorumalevetonalidadeesverdeadasobocastanho.
EmP. pernaas linhas concêntricas de crescimentocentram-seno ápice da
valva, jáque o umbo é apical, quase não existindo lúnula, que é muito reduzida,
praticamente inexistente.
A lúnula é, nos mitilídeos, sempre limitada por dentes dissodontes nasua
margem interna (SoOT-RYEN 1955). Em P. perna não foi evidenciada nenhuma
saliência dorsal, mas sim um a dois dentes no lado ventral (Fig. 2), sendo mais
comum apenas um único dente. Aconstatação davariação do número de dentes,
nestaespécie,confirmaotrabalhodeBEAUPERTHUY(1967b).Quandoexistiamdois
dentes, o mais ventral eradetamanho reduzido. WHITE (1937) preferedenominar
essasestruturasdedenticulações,baseando-se,principalmente,nasuainconstância
emtamanhoenúmero,poisemMytilusedulis,poreleestudado,osdentesvariavam
de 1a 6. No lado dorsal, desde o umbo até o ângulo dorsal, extende-se a borda
resilial, decor branca,apresentandoumasériedeescavaçõespequenasfortemente
marcadas.Sobabordaresilialinsere-seoligamentoelástico,decorcastanho-escura.
Operióstracoestende-sealémeporcimado ligamentoelástico.
Aface internadasvalvaséesbranquiçadaenacarada,tendováriascicatrizes
musculares. Naporção anteriordorsal existeumacicatrizcorrespondente ao mús
culoretratoranteriordobisso(Fig.3),elípticaemP.pernasendoassimsemelhante
a de Mytilus edulis, também elíptica(SooT-RYEN 1955),emboraaqui sejaclara
mente bilobada(WHITE 1937),oque não acontece em P. perna. Ainda na região
anterior, duas características específicas são notadas. Na valva de P. perna não
existe a cicatriz do músculo adutor anterior, pois esse músculo não ocorre. Esta
ausência é uma das características distintivas do gênero Perna; todos os outros
mitilídeos (incluindo Mytilus) apossui, se bem quesemprereduzida(SooT-RYEN
1955).
Todos os outros músculos que se inserem nas valvas de P. perna apresen
tam-se de forma a marcardoisgrupos distintosde cicatrizes. Em Mytilus formam
umaúnicacicatriz(WHTTE 1937).Naregiãomedianadomúsculoretratordobisso,
encontrou-se umacicatrizpequena, dorsal, correspondente à inserçãodo músculo
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retrator do pé (Fig. 3, frs), maioremP. pernaque do que emMytella charruana,
observadaporNARCHI&GALVÃo-BuENO(1983). Essacicatrizconfluecom a do
músculoretratormedianodobisso(mrs),aproximadamentecirculareconcentrada
em P. perna, e alongadae estendendo-se paraa parte posterior em Mytella char
ruana.
A cicatriz do músculo retrator posterior do bisso (Fig. 3, prs) se continua
com a cicatrizarredondadado músculo adutorposterior. Deste parte uma cicatriz
alongadaque percorre a parte posteriorea parte ventral da valva, pertencente ao
músculodamargemdomanto,queapresentaumalevereentrânciaparaocentroda
valvanaregião do pé, simulandoum seiopalial muito incipiente.
Os sifões não têm nenhum efeito sobre o ligamento. Como nos outros
Mytilacea (YONGE 1957), as extensões periostracais do ligamento dessa espécie
parecem ter significado funcional, provavemente devido à redução dos dentes. A
extensãoperiostracalposteriorjáhaviasidoobservadaemModiolus,Lithophagae
BotulaporYONGE(1955),emBrachidontesdarwinianusdarwinianusporAVELAR
& NARcm(1984)eemMytilusporYONGE(1957).TRUEMAN(1950),que também
estudouesseúltimogênero,denominouaextensãoperiostracalposteriorde"coberta
posterior".
Sifões
Os sifões são formados pela fusão das dobras do manto ou mesmo pelo
próprio manto. Foram classificados porYongede acordo com otipo de fusão eas
partes do manto envolvidas. Os sifões deP. pernaclassificam-se como do tipo A
(YONGE 1948b),ondesomenteadobrainterna,muscular,estáenvolvida;aabertura
exalante conservao caráterprimitivo enão constitui um verdadeiro sifào, é assim
formada, conservando o caráter primitivo. A margem ventral do sifão inalante é
formada pelajustaposição das margens do manto. Sua abertura se continua pela
abertura do pé, o que é característico em Mytilidae, até mesmo nos gêneros que
possuemsifõeslongos,comoemLithophaga(YONGE 1955)eemBotula(FANKBO
NERI971).
Os sifões sendo formados pela prega interna não apresentam tentáculos,
emboranabordadaaberturainalanteexistaumasériedelóbulostentaculares,como
nosTellinacea,cujosifãotambémédessetipo(YONGE 1957).
Osifãoexalanteécompleto,comoemtodos osMytilidae(YONGE 1955),e
formadoapenasporumaprojeçãodomantoaoredordoorifícioexalante(Figs.4-5).
YONGE(1948b)considera-omaiscomoaberturadoquecomosifãoverdadeiro.Sua
margem ésimples, sem papilas ou tentáculos, e a aberturaé bem menordo que a
do inalante.
O sifão inalante tem sua aberturacontinuando-se pela abertura do pé. As
margensdo sifão inalante são lobuladasenaregião ventral sejustapõem,comple
tando osifão. Suabordaédensamentefrangeada, apresentando,de cadalado,seis
espessamentosnasuperficieinterna. Quandoosifãosefecha, essesespessamentos
seencaixamcomodentesdeumaengrenagem.Amargemépregueadacomlóbulos
tentaculares curtos, digitiformes, pouco maiores em P. perna que em Mytella
charruana,comodescritosporNARCHI& GALVÃo-BuENO(1983),sebemqueesta
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últimaespécieprojeteseusifãomaisparaforaqueaquelaespécie.Assimqueosifão
se abre, as papilas voltam-se paraa região internada abertura restringindo o seu
tamanho.Quandoosanimaiseramcolocadosemágualimpaeestavamemcompleto
repouso, o sifão se distendiatotalmente e as papilas voltavam-se parao exterior,
aumentando a abertura. O mesmo fato foi também observado por AVELAR &
NARCHl (1984)emBrachidontesdarwinianus darwinianuseporNARcHl &GAL
VÃO-BUENO (1983) em Mytella charruana. As papilas são maiores e ramificadas
nosespessamentosemenoresesimplesentreeles.
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1
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4 1em
5
Figs4-5. Perna perna, sifõesexalanteeinalante. (4)Vistos peloladodireitodoanimal; (5)
vistos pela região posteriordo animal. A pigmentaçãoda face intema dos sifões não está
representada. (ex)sifãoexalante, (in)sifãoinalante,(sm)membranasifonal.
Aaberturadosifãoinalanteéseparadadadosifãoexalanteporumalâmina
triangularque,distendendo-seoucontraindo-se,podetambémaumentaroureduzir
essaabertura. KELLOGG (1915)adescreveuem MytiluseduliseMytilus californi
anus Conrad, 1837,ea denominou de membranabranquial,oquefoi confirmado
porWHlTE(1937)paraaquelaespécie.ORTON(1912)jáaobservaranestegênero,
chamando-ade"cortina".OcorreaindaemBrachidontesdarwinianusdarwinianus
segundo AVELAR & NARCHl (1984). Aparece também em espécies dos gêneros
Revtabras.Zool. 14(1): 135-168,1997
AnatomiafuncionaldePernaperna(Linné)... 143
Schi::.othaerus Comad, 1853, Mactra Linné, 1767, e Spisula Gray, 1837 nos
Mactracea (KELLOGG 1915; YONGE 1948a), bem como em espécies dos gêneros
Tivela Link, 1807(KELLOGG 1915;NARCHI 1972)eAnomalocardiaSchumacher,
1817, nos Veneracea NARCHI (1972). YONGE (1948a, 1955) denominou-a de
membranavalvularsifonal, termo também adotado porNARCHI (1972). HEBLlNG
(1976) usou a denominação diafragma ao descrevê-Ia em espécies do gênero
Anodontites Bruguiere, 1792, reservando o termo membranasifonal paraa borda
dosifão.
A entradadepartículasnacavidadepalia1 éfacilitadapelagrandeabertura
do sifão inalante e pelo fato das papilas, principalmente as da região ventral,
voltarem-separaoexteriorquandoosifãoestátotalmenteaberto.
Entreo limite superioreoprimeiroespessamento do sifão inalante ocorre,
de cada lado, um sulco de rejeição (Fig. 5). Tanto a superficie interna quanto a
externa desse sifão são de cor castanha bastante escura que se extende até a sua
borda.
EmBotulalalcataGould, 1851,pequenas manchasesparsasforam relacio
nadasporYONGE(1955)provavelmentecomograudeexposiçãoàluz.Essaespécie
vive em túneis que cavaem rochas, nãose expondo à luz. O mesmo acontece em
Mytellacharruana,queseenterrano lodo(NARCHI & GALVÃo-BuENO 1983).De
formadiferente,? pernajáseexpõeàluzporviversobresubstratorochosoexposto
aosol.
Asensibilidadedossifõesémuitograndeem? perna. À menortrepidação
ou um escurecimentobrusco, mas leve, comocolocara mão sobre a cubaonde se
encontravaoanimal,erasuficienteparaqueosindivíduosretraíssemseussifões.O
mesmofatojáhaviasidoobservadoparaoutrasespéciesporOWEN(1953),NARCHI
(1972), AVELAR & NARCr-rr (1984) e NARCr-rr & GALVÃo-BUENO (1983). Essa
grande sensibilidade dos sifões foi associadaporNARCHI (1972) àvidaem águas
calmas.
Borda do Manto
Em Pernaperna a bordado manto é lisa, sem fusões, totalmente livre ao
longodaaberturapediosaeseapresentacomtrês dobras.A dobraexternaformaa
concha,sendooperióstracosecretadonagoteiraperiostracal,entreadobraexterna
e a média (YONGE 1957). O estudo histológico, em Mytilus edulis, indica que o
perióstraco é secretado pelo epitélio da dobra externa e não pela dobra mediana
(BEEDHAM 1958). A dobramédiatem função sensorial. Adobrainternaécaracte
risticamente muscular(YONGE 1948b).
Oslobosmédioeexternosãocontínuosaoredordetodaamargemdavalva,
inclusivenaregiãoposteriorondeosdois lobosmuscularesseunemparaformar o
sifão. Como acontece em Lithophaga(YONGE 1955), essesdois lobos, naespécie
aqui estudada, fundem-se na região anterior para constituir umaestreitaponte de
tecidoquedelimitaanteriormenteaaberturado pé,que éventral.
Musculatura
AmusculaturadeP.pernajáfoi descritaemlinhasgeraisporABBUD(1969)
ecomparadacom ade Mytilusedulis, relatadaporWHITE(1937).
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144 NARCHI&GALVÃO-BUENO
Considera-se, geralmente, três tipos de músculos extrínsecos: músculos
adutores, músculos do bisso e músculos do pé. Entre os músculos intrínsecos, o
músculomarginaldo mantoéomaisimportante.
MúsculosAdutores
O gênero Perna é caracterizado, segundo SrnDALL (1980) nos animais
jovenseadultos,esegundoRIos(1994)nosanimaisadultos,pelaausênciatotaldo
músculo adutor anterior (Fig. 6). Em P. perna foi encontrado apenas o músculo
adutorposterior(pam), cujalocalização, seção etamanho são semelhantes aos do
adutor posteriorde Mytella charruana(NARCH1 & GALVÃo-BuENO 1983). Perna
atinge, então, a condição monomiária, que ocorreentreos mitilídios nessegênero
(SooT-RYEN1955)e,deacordocomSIDDALL(1980)emChloromytilusSoot-Ryen,
1952ePerna.
mrm
mr~m
arm
~\
cr:=::=-----
pam 1 em
a
frm
prm 6
Fig.6.Pernaperna,musculaturaemvistalateralesquerda.(a)vistadorsalsemiesquemática,
(arm) músculo anterior retratar do bisso, (frm) músculo retratar do pé, (mmm) músculo
marginaldomanto,(mrm)músculomedianoretratordobisso,(pam)músculoadutorposterior,
(prm)músculoposteriorretratordobisso.
Revta bras.Zool. 14(1): 135-168,1997
Description:de vista da anatomia funcional, entre os quais destaca-se o gênero Mytilus, (GRAHAM 1949) do que ao dePinctataRõding, 1798 descrito por