Table Of ContentAlfredo Da Matta e as leishmanioses no Amazonas 
 
Denis G. Jogas Junior *. 
     
Se a grande Amazônia, em seus aspectos excepcionais de um mundo 
novo e resplendente de maravilhas sem fim, tem constituído o maior tesouro 
de sábios naturalistas, fornecendo-lhes farta messe de elementos valiosos 
para ilustrar a história natural do Universo; se ao poeta e ao romancista os 
grandes  dramas  da  vida  humana,  desenrolados  naquelas  florestas,  têm 
inspirado uma imensa literatura épica, cujas páginas mais belas glorificam o 
heroísmo do homem em luta permanente com a inclemência das coisas; se o 
estudo  descritivo  de  observadores  sagazes  e  sábios  em  assuntos  vários 
fotografa aos nossos olhos extasiados toda a majestade daquele mundo que 
desconhecemos; se, afinal, sob esse e ainda sob outros muitos e interessantes 
aspectos,  a  grande  Amazônia  tem  sido  estudada  e  proveitosamente 
esclarecida: certo é que, no ponto de vista médico, ela permanece ignorada, 
se não objeto de fantasias aterradoras, que malsinam o vale do nosso rio 
gigante.  
Carlos Chagas, Palácio Monroe, 1913 1. 
 
  Quando retornou de sua viagem ao vale do Amazonas, Carlos Chagas realizou uma 
palestra no Palácio Monroe, conforme havia sido previamente combinado no contrato firmado 
entre a Superintendência de Defesa da Borracha e o Instituto Oswaldo Cruz. Nessa ocasião, 
mediante um grande público de médicos e curiosos que lotava as tribunas da Exposição 
Nacional da Borracha2, o cientista de Manguinhos iniciou sua exposição com referências aos 
                                                           
* Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo 
Cruz/Fiocruz. E-mail: [email protected].  
 
1 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. In: Cruz, Oswaldo; Chagas, Carlos; 
Peixoto, Afrânio. Sobre o saneamento da Amazônia. Manaus: Philippe Daou, 1972, p. 159.
mistérios e as incógnitas representados pelo território amazonense, para, em seguida, dissertar 
e dar sua avaliação sobre as condições de vida e epidemiológicas das populações nas regiões 
interioranas, e produtoras de borracha, daquele estado3. 
Carlos  Chagas  qualificava  essa  região  como  um  “mundo  novo  e  resplendente  de 
maravilhas sem fim”, que, a despeito de já ter contribuído significativamente para diversas 
áreas do conhecimento, como história natural, poesia e literatura, ainda permanecia ignorado 
ou  era  “objeto  de  fantasias  aterradoras”  do  “ponto  de  vista  médico”.  De  acordo  com  o 
cientista, isso acontecia por que “falsas doutrinas sanitárias” baseadas “em questões telúricas 
ou atmosféricas” fundamentavam “uma suposta inadaptação do homem àquelas regiões”, e 
serviam de justificativa para os altos índices endêmicos encontrados nas comunidades do 
interior dos rios do Amazonas 4. 
Em sua visão, para reabilitar, sanitariamente, essa região, seria necessário “abandonar 
o terreno ingrato de doutrinas mais ou menos arbitrárias, para entrar na realidade científica, à 
luz dos conhecimentos modernos”, cujo “métodos atuais de pesquisa”, faziam “da medicina, 
uma ciência exata”. Somente desse jeito, seria possível “formular noções epidemiológicas 
seguras;  que  serviriam  de  base  a  um  conjunto  de  medidas  práticas,  muito  capazes  de 
reabilitarem, do ponto de vista sanitário, as ubérrimas terras da borracha” 5. 
Já no início de sua palestra, o cientista de Manguinhos forneceu indícios sobre suas 
percepções  do  território  amazonense  e  reforçou  estereótipos  relacionados  à  ausência  de 
prática médica “à luz dos conhecimentos modernos” nessa região; que, em sua opinião, seria 
o principal motivo do constante estado mórbido do interior do Amazonas. No entanto, na 
capital do estado – principal, se não único, destino dos enfermos proveniente dos seringais da 
borracha – existia uma comunidade médica minimamente organizada em torno do periódico 
                                                                                                                                                                                     
2 De acordo com o Jornal do Commercio a “concorrência” para entrar na exposição foi “ainda maior do que das 
noites anteriores”, pois “era geral a curiosidade de ouvir aquele médico sobre a epidemia da Amazônia.Jornal do 
Commercio, “Exposição Nacional da Borracha”. 18/10/1913. 
3 Para maiores informações sobre a expedição de Carlos Chagas no vale do Amazonas. Cf: SCHWEICKARDT, 
Júlio e LIMA, Nísia. “Do "inferno florido" à esperança do saneamento: ciência, natureza e saúde no estado do 
Amazonas durante a Primeira República (1890-1930).” Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 
vol.5, n.2, 2010 
 
4 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. op. cit., pág. 160. 
 
5 Ibidem. 
2
científico Amazonas Médico e atuante no que diz respeito à pesquisa científica destinada a 
resolução das moléstias que se configuravam como problemas de saúde pública nessa região, 
publicando constantemente os resultados de seus trabalhos em periódicos médicos nacionais e 
estrangeiros. 
Pensando  nessa  contradição  e  indo  na  contramão  das  tradicionais  e  persistentes 
imagens de isolamento e ausência da prática médica “moderna” no Amazonas, esse trabalho 
tem por principal objetivo demonstrar que essa região, seus médicos e instituições científicas 
não estavam isolados no início do século XX, mas sim, participavam ativamente de processos 
internacionais  de  construção  de  conhecimento  científico  sobre  determinadas  doenças 
tropicais, chegando a contribuir significativamente para resoluções de questões consideradas 
de grande relevância. 
Nessa  oportunidade,  mais  especificamente,  demonstrarei  que  as  pesquisas 
desenvolvidas pelo médico Alfredo Da Matta sobre as leishmanioses, na capital amazonense, 
durante as primeiras décadas do século XX, além de estarem em sintonia com os principais 
cânones  metodológicos  da  microbiologia  e  da  medicina  tropical,  foram  propulsoras  de 
sistematizações  taxionômicas  e  de  definidores  de  relações  de  causalidade  patógeno  – 
manifestação clínica das leishmanioses no continente americano 6.  
Ao desenvolver essa apresentação, pretendo evidenciar algumas ligações, nem sempre 
explicitas, de uma grande e complexa rede que envolvia diferentes cientistas, instituições, 
regiões e nacionalidades, com principal objetivo de compreender questões relacionadas aos 
protozoários do gênero Leishmania e de suas diferentes manifestações humanas. Para isso, 
iniciarei  dissertando  sobre  a  construção  do  entendimento  médico  sobre  esse  grupo  de 
moléstias no início do século XX, para em seguida, demonstrar a maneira pela qual os 
trabalhos  desenvolvidos  por  Da  Matta  no  Amazonas  entraram  nesse  debate  médico 
internacional e quais foram às contribuições desse pesquisador para um determinado processo 
de produção do conhecimento científico. 
                                                           
6 Considero relevante destacar que além de sua atuação no tocante as leishmanioses, Alfredo Da Matta também 
publicou outros trabalhos considerados originais e relevantes no campo da parasitologia, como a descrição, em 
1919, de um vetor diferenciado da doença de Chagas no Amazonas, contudo, esse trabalho se focará nos seus 
estudos relacionados às leishmanioses. Em outra oportunidade abordaremos as questões relativas à descrição 
desse vetor. 
 
3
As leishmanioses no debate médico do início do século XX 
 
  Apesar de serem consideradas “doenças antigas”, com relatos milenares da presença e 
do conhecimento dessas moléstias em sociedades árabes tradicionais no Oriente7, o grupo de 
doenças designado, atualmente, como leishmanioses, só teve suas relações de identidade 
estabelecidas no início do século XX. Antes disso, sob o paradigma miasmático, o kalazar era 
considerado  uma  “infecção  secundária  associada  à  malária”  8  e  o  botão  do  Oriente, 
considerado uma manifestação patógena completamente diferenciada, era, na maioria das 
vezes,  associado  a  determinados  depósitos  de  águas  insalubres  ou  de  má  qualidade  de 
domínios  coloniais  ingleses  e  franceses  9.  Não  havia,  então,  nenhuma  tese  médica  que 
sustentasse a ideia de identidade entre essas duas moléstias com cursos clínicos tão díspares.  
Em 1903, ainda sendo consideradas doenças absolutamente distintas, são identificados 
parasitologicamente e em diferentes ocasiões tanto os agentes patógenos do kalazar quanto o 
do botão do Oriente. Os cientistas ingleses William Leishman e Charles Donavan associaram, 
em  dois  trabalhos  consecutivos,  um  mesmo  protozoário  ao  kalazar.  Suas  conclusões 
suscitaram a criação do gênero Leishmania para o enquadramento do patógeno que ficou 
conhecido como Leishmania donavani 10. Nesse mesmo ano, o cientista norte-americano 
James Homer Wright identificou protozoários que considerou serem os responsáveis pelo 
botão do Oriente, em uma menina armênia, cujo nomeou-o Helcosoma tropica e obteve 
                                                           
7 KILLICK-KENDRICK, Robert. Oriental sore: an ancient tropical disease and hazard for European travelers. 
Wellcome History. Vol. 43, p. 5.  
 
8  LAVERAN, Alphonse. Leishmanioses. Kala-Azar, Bouton d’Orient, Leishmaniose Americaine. Manson et 
Cie. Ed. Paris, França, 1918, p. I 
 
9 Ibidem. 
 
10 Para um melhor entendimento sobre esse processo e uma abordagem dos desdobramentos dos estudos sobre a 
Leishmaniose Visceral no Brasil, Cf.: GUALANDI, Frederico. Medicina tropical no Brasil: Evandro Chagas e o 
estudo sobre a leishmaniose visceral americana década de 1930. Dissertação (mestrado em história das ciências e 
da saúde). Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2013. 
 
4
reconhecimento  da  comunidade  médica  internacional  para  suas  conclusões  11.  Mas  foi 
somente, em 1906, que o cientista alemão Luhe, observando as semelhanças morfológicas 
entre a Leishmania donavani e o Helcosoma tropica, propôs que esse último fosse renomeado 
como Leishmania tropica e passasse a fazer parte desse novo gênero 12, forjando assim uma 
identidade entre essas duas manifestações patógenas absolutamente distintas.  
No Brasil, a primeira detecção parasitológica de protozoários do gênero Leishmania 
ocorreu em 1909, por ocasião de uma epidemia que grassava entre os operários contratados 
para a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em Bauru, São Paulo. Nessa 
ocasião, Adolpho Lindemberg do Instituto Bacteriológico de São Paulo e Antonio Carini e 
Ulisses Paranhos, do  Instituto Pasteur de São Paulo divulgaram, quase simultaneamente, 
resultados de pesquisas que demonstravam a presença de corpúsculos de Leishmania nas 
úlceras apresentadas pelos enfermos. Nesses artigos, publicados tanto em periódicos médicos 
nacionais quanto nos estrangeiros, os cientistas defendiam que, apesar de terem encontrados 
algumas  manifestações  clínicas  diferenciadas,  os  protozoários  encontrados  nessas  úlceras 
deveriam ser identificados à L. tropica; conhecida na Europa e endêmica nas regiões orientais 
do globo terrestre 13. 
A partir de então, novas detecções parasitológicas passaram a confirmar a existência 
do botão do Oriente em diferentes regiões do país, como em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, 
no  Espírito  Santo  e  no  Amazonas,  aumentando  significativamente  a  importância 
epidemiológica e a amplitude territorial dessa moléstia no Brasil. Já em 1911, determinados 
médicos atuantes no estado de São Paulo como Bueno de Miranda, Affonse Splendore e 
Antonio  Carini,  observando  casos  em  que  protozoários  do  gênero  Leishmania  eram 
encontrados nas vias mucosas e nasais de enfermos, passaram a advogar a possibilidade de 
                                                           
11 WRIGHT, James Homer. Protozoa in a case of tropical ulcer ("Delhi sore"). The Journal Of Medical 
Research, Boston, 1903. 
 
12 JACOBSON, Raymond. Leishmania Tropica (Kinetoplastida: Trypanosomatidae). Folie Parasitlogica. n. 50, 
2003. 
13 CARINI, Antonio & Paranhos, Ulisses. Identificação das úlceras de Bauru ao Botão do Oriente. Revista 
Médica de São Paulo. N. 6, 1909; LINDEMBERG, Adolpho. A ulcera de Bauru e seu micróbio. Comunicação 
preventiva. Revista Médica de São Paulo. N. 6, 1909. 
 
5
existência  de  um  agente  patógeno  diferenciado  em  casos  anômalos  de  leishmaniose 
encontrados na América do sul 14.  
De acordo com as suas observações, quando comparados aos tradicionais quadros do 
botão do Oriente, as manifestações clínicas encontradas no território americano apresentavam 
um curso clínico muito mais extenso e devastador, além do comprometimento das vias nasais 
e mucosas de seus portadores, nunca observados nos casos existentes na Europa e no Oriente. 
Esses cientistas atuantes no estado de São Paulo passaram a advogar a ideia de existência de 
uma (ou mais) forma(s) “americana” de leishmaniose. Nesse mesmo ano, Gaspar Vianna, 
pesquisador paraense, que acabava de ser contratado pelo Instituto Oswaldo Cruz, publicou, 
no período científico Brazil Médico, uma nota preliminar afirmando ter encontrado parasitos 
do  gênero  Leishmania  diferenciados  em  um  caso  clínico  anômalo  dessa  doença  em  um 
paciente era proveniente de Minas Gerais e que estava internada no Hospital de Misericórdia 
do Rio de Janeiro. Segundo Vianna, a observação da presença de um filamento intracelular no 
protozoário encontrado caracterizaria de modo nítido, a particularização desse patógeno, cujo 
batizou  de  Leishmania  Brasilienses  e  concluiu  afirmando  estar  “aguardando  estudos 
posteriores para minuciosa descrição morfológica e biológica” 15.  
Essa caracterização de um protozoário diferenciado na América do sul, contudo, nunca 
foi uma opinião unanime entre os diferentes atores que participavam desse debate médico à 
época e suscitou um intenso debate científico durante toda década de 1910, que envolveu 
diferentes pesquisadores brasileiros, outros latino-americanos e europeus. Apesar de suas 
manifestações clínicas serem completamente distintas, não era possível observar diferenças 
morfológicas nesses patógenos. Tanto o filamento indicado por Vianna, como outros sinais de 
diferenciação  propostos  nesse  momento,  como  seu  tamanho,  suas  dimensões  e  sua 
concentração, não se demonstravam válidos para servirem como tal, visto que não eram 
                                                           
14 MIRANDA, Bueno. . Revista Médica de São Paulo. 1910, p. 500; SPLENDORE, Affonso. Leishmaniosi con 
localizzazione  nelle  cavità  mucose  (nuova  forma  clinica).  (avec  résumé  français).  Bulletin  de  la  Société 
Pathologie Exotique. Paris, França, 1912, vol. 5, n. 6, p. 411; CARINI, Antonio. Leishmaniose de la muqueuse 
rhino-bucco-pharyngée, Bulletin de la Société Pathologie Exotique. Paris, França, 1911, vol. 4, n.5, p. 289. 
  
15 VIANNA, Gaspar. “Sobre uma nova espécie da Leishmania”. Brazil Médico, Rio de Janeiro, Brasil. 1911, p. 
411. 
6
características únicas nem constantes desse protozoário que queriam particularizar do gênero 
Leishmania.   
No cenário médico europeu, esse debate continuava e ganhava novos e renomados 
integrantes, se o cientista inglês Patrick Manson, defendia, nas sucessivas edições de Tropical 
Diseases, que as diferentes manifestações de leishmanioses estavam relacionadas aos papeis 
desempenhados por vetores e/ou hospedeiros intermediários distintos e ainda desconhecidos 
em sua transmissão 16, Alphone Laveran, na França, reclamava para si e para o pesquisador 
Nattan-Larrier o mérito pela descrição da Leishmania tropica var. americana, como agente 
patógeno das modalidades diferenciadas de leishmanioses encontradas em regiões da América 
do sul, em seus sucessivos artigos escritos no Bulletin de la Société de Pathologie Exotique e 
em  seu  livro  “Leishmanioses.  Boton  d’Orient,  Kalazar  et  Leishmaniose  Americaine”de 
191717. 
É justamente no processo de validação de formas americanas de leishmanioses que os 
trabalhos produzidos, no Amazonas, por Alfredo Da Matta passaram a fazer parte desse 
debate  científico  internacional  sobre  as  leishmanioses.  Dialogando  constantemente  com 
Alphonse Laveran, o cientista brasileiro contribuiu com conhecimentos científicos originais 
que foram considerados significativos para a compreensão das diferentes manifestações desse 
grupo de doenças ocasionadas por protozoários do gênero Leishmania. No próximo tópico 
demonstrarei, mais especificamente, a maneira pela qual os trabalhos produzidos por Da 
Matta  passaram  a  fazer  parte  desse  debate  médico  internacional  e  quais  eram  suas 
contribuições nesse processo. 
 
Leishmanioses, trópicos e medicina tropical. 
 
                                                           
16 MANSON, Patrick, Tropical Diseases – A manual of Warms Climates.  5. Ed. Londres, 1914, p. 213.  
 
17 LAVERAN, Alphonse & NATTAN-LARRIER, Louis. Contribution à l'étude de la espundia. Bulletin de la 
Société Pathologie Exotique. Paris, França, 1912, vol. 5, n.3, p. 177; LAVERAN, Alphonse. Leishmanioses. 
Kala-Azar, Bouton d’Orient, Leishmaniose Americaine. Op. cit. 
7
Alfredo Da Matta se formou em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em 
1893.  Residindo em Manaus desde 1894, foi editor chefe do periódico científico Amazonas 
Médico, desde seu lançamento, em 1909, e um dos cientistas mais atuante do Amazonas 
durante  a  Primeira  República.  Qualificado  como  um  “cientista  múltiplo”  18,  Da  Matta 
publicou 234 artigos sobre diferentes temas, sobretudo, em periódicos médicos nacionais e 
estrangeiros  19.  Seu  primeiro  trabalho  versando  sobre  as  leishmanioses  no  Amazonas, 
“Leishmaniose  tropica  –  (Nota  clínica  do  primeiro  caso  observado  em  Manaus)”,  foi 
publicado na Revista Médica de São Paulo, em 191020.  
Nessa  ocasião,  relatou  ter  diagnosticado  casos  clássicos  de  botão  do  Oriente  em 
pacientes que trabalhavam no interior desse estado, os atribuiu à ação da L. tropica e, ao 
especular sobre os seus mecanismos de transmissão, uma das questões latentes de pesquisa à 
época, relacionou sua veiculação ao Dermacentor electus, vulgarmente conhecido na região 
como  “carrapatinho”,  que,  de  acordo  com  o  pesquisador,  era  “uma  verdadeira  praga  e 
tormento para os trabalhadores de certas matas” bem como o botão do Oriente21.  
Exibindo  uma  fotografia  da  perna  de  um  dos  enfermos,  Da  Matta  demonstrou  a 
similaridade  dos  casos  por  ele  estudados  com  as  manifestações  típicas  dessa  moléstia 
endêmica no Oriente e também com aquelas encontradas por Lindimberg e Carini e Paranhos, 
em  Bauru,  São  Paulo,  no  ano  anterior.  Nesse  artigo,  ficou  claro  que  os  seus  principais 
objetivos foram os de relatar a existência do botão do Oriente, por conseguinte da L. tropica, 
no Amazonas e de propor que tivesse como o seu transmissor, o Dermacentor electus, no 
linguajar local, conhecido como “carrapatinho”. 
Após o início da veiculação das pesquisas realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro 
sobre as formas mucosas de leishmanioses, e de Carlos Chagas ter demonstrado, em 1913, 
                                                           
 
18 SCHWEICKARDT, Júlio. Ciência, nação e região: as doenças tropicais e o saneamento no Estado do 
Amazonas (1890-1930), Tese (Doutorado Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde) – 
Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz, 2009, pág. 100. 
 
19 Ibidem, p. 103. 
 
20 Leishmaniose trópica – (Nota clínica do primeiro caso observado em Manaus), in- Revista Médica de São 
Paulo, 1910. 
 
21Ibidem, p. 440. 
 
8
que as manifestações clínicas conhecidas, no Amazonas, como feridas bravas equivaliam a 
essa  modalidade  de  leishmaniose22,  Alfredo  Da  Matta  voltou  suas  pesquisas  para  a 
investigação  das  relações  de  causalidades  estabelecidas  entre  essas  manifestações  e  seus 
patógenos. Em 1915, esse pesquisador publicou três artigos no periódico Brazil Médico, que 
versavam sobre essas formas mucosas da leishmaniose e suas propostas de classificações 
taxonômicas 23. 
Devido  a  Amazônia  ser  considerada  uma  região  central  para  a  compreensão  da 
categoria de doenças tropicais à época, e as leishmanioses, um grupo de doenças que ainda 
estava  em  construção,  fizeram  com  que  as  investigações  desenvolvidas  por  Da  Matta 
passassem  a  chamar  a  atenção  do  pesquisador  francês  Alphonse  Laveran;  que  como 
presidente da Société de Pathologie Exotique, e editor chefe do Bulletin de la Société de 
Pathologie  Exotique,  convidou  Da  Matta  a  participar  de  uma  rede  de  pesquisadores 
correspondentes  dessa  instituição,  que,  espalhados  por  diferentes  lugares  considerados 
estratégicos  no  globo  terrestre,  tinham    por  objetivo  produzir  conhecimento  científico 
destinado  a  compreensão  das  questões  etiológicos  das  diferentes  doenças  tropicais  (ou 
exóticas) ao redor do mundo.  
O  primeiro  artigo  que  Alfredo  Da  Matta  publicou  no  BSPE,  como  pesquisador 
correspondente,  foi  “Sur  les  leishmanioses  tegumentaires,  classification  génerale  dês 
leishmanioses”, era uma versão, em francês, do artigo que havia publicado em 1915 no Brazil 
Médico  “Subsídio  para  o  estudo  da  fisionomia  clínica,  classificação  e  sinonímias  das 
Leishmanioses na América do Sul”. Nessas oportunidades, Da Matta vislumbrou a primeira 
classificação taxionômica das diferentes modalidades de leishmanioses, propôs dividi-las em 
tegumentares e viscerais, e indicou seus respectivos patógenos no continente americano, na 
Europa e à Oriente.  
                                                           
22 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. op. cit., pág. 160. 
23 DA MATTA, Alfredo. Leishmaniose cavitária. Brazil Médico, Rio de Janeiro, 1915; Idem, Subsídio para o 
estudo da fisionomia clínica, classificação e sinonímias das Leishmanioses na América do Sul. Brazil Médico, 
1915; Idem, Bouba e Leishmaniose são doenças distintas. Sinonímias das Leishmanioses na América do Sul, 
particularmente no Brasil. Brazil Médico, n. 23, 1915, Rio de Janeiro. 
 
9
De acordo com sua classificação, um protozoário particularizados das Américas, a 
Leishmania brasiliensis, descrito por Gaspar Vianna em 1911, seria o agente patógeno tanto 
de modalidades cutâneas (espundia) como mucosas e mucocutâneas de leishmanioses. A 
partir de então, a espécie Leishmania em questão, passou a ser denominada Leishmania 
braziliensis Vianna 1911, emend Matta, 1916 em referência a descrição do protozoário por 
Vianna, em 1911, e a sistematização de seus quadros clínicos por Da Matta, em 1916, quando 
os  trabalhos  realizados  por  esse  cientista  ganharam  projeções  ao  serem  publicados  no 
periódico francês BSPE.  
Contudo,  ainda  atualmente,  muitos  estudiosos  das  leishmanioses  atribuem  que  a 
participação  de  Alfredo  Da  Matta  a  uma  simples  correção  ortográfica  da  grafia  de 
“braziliensis”, alegando que esse  cientista tivesse corrigido o erro de Gaspar  Vianna  ao 
nomea-lo com S e grafando “brasilienses”. Essa Versão não se sustenta na medida em que, 
como podemos observar na tabela exposta nesse trabalho (tabela 1), Alfredo Da Matta sempre 
grafou o nome desse protozoário como “brasiliensis” e na verdade o próprio Gaspar Vianna 
já havia grafado o nome “americanizado” “braziliensis”, em artigo de 1914, no periódico 
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 24. 
Como  foi  demonstrado  por  Benchimol  e  Silva  (2008),  a  americanização  das 
nomenclaturas  científicas  é  um  processo  histórico  de  hegemonização  empreendido  pelos 
Estados Unidos na produção de ciência que tem suas raízes na deflagração da Primeira Guerra 
Mundial e a perda da hegemonia alemã nesse campo de influencia. De acordo com esses 
autores é devido a esse processo que o periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz passou 
a veicular seus artigos na língua inglesa 25.  
Alfredo Da Matta foi um cientista atuante no Amazonas que no início do século XX 
produzia conhecimento científico sobre determinadas moléstias locais, publicava e debatia 
autoridades  científicas  europeias  sobre  suas  observações  realizadas  a  partir  da  capital 
amazonense. Seus trabalhos se configuraram como a primeira classificação taxionômica das 
leishmanioses  e  serviram  para  atribuir  um  protozoário  diferenciado,  a  L.  braziliensis,  a 
determinadas manifestações cutâneas (espundia), mucosas e mucocutâneas de leishmanioses, 
                                                           
24 VIANNA, Gaspar. Parasitismo da célula muscular lisa pela leishmania Brazilienses. Memórias do IOC, 1914. 
25 BENCHIMOL, Jaime e SILVA, André. “Ferrovias, doenças e medicina tropical no Brasil da Primeira 
República”. Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 2008, p. 749. 
10
Description:“Do "inferno florido" à esperança do saneamento: ciência, natureza e saúde no estado do  Kala-Azar, Bouton d'Orient, Leishmaniose Americaine.