alekhine

36 Pages·2007·2.67 MB·Portuguese

Rui C. Nascimento
Mestre da Federação Portuguesa de Xadrez (FPX)
(Portuguese Chess Federation Master)
Mestre Honorário de Composição da FIDE
(FIDE´s Honorary Master of Chess Composition)
O ÚLTIMO SEGREDO
(The Last Secret)
ALEXANDRE
ALEXANDROVITCH
(cid:243) ALEKHINE (cid:243)
Imorredouro
Lisboa, 2006
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Alekhine Imorredouro – O Último Segredo
Autor: Rui de Carvalho Nascimento
Edição do Autor – 3ª Edição
1ª Edição Poligrafada – Maio 2003
2ª Edição Revista e Aumentada – Agosto 2006
3ª Edição Revista e Aumentada – Janeiro de 2007
Revisão e tratamento informático: Leonor Nascimento
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Rui C. Nascimento
Lisboa – Abril 2003
ORIGINAL DEDICADO
À MEMÓRIA DO MESTRE
Figurativo em 3 lances
(5+5) #3
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A. A. ALEKHINE
O ÚLTIMO SEGREDO
Convivi com o Mestre desde 1941, até ao seu passamento, em 1946,
naqueles períodos em que residiu em Portugal.
Poucos dias antes da data fatal, esteve no escritório do Dr.António Maria
Pires, onde conversámos. Tinha um objectivo que não foi iludido – uma
pequena receita para o balcão do bar.
Confesso que me senti arrepiado – como é possível, numa sociedade
civilizada, assistir-se à degradação de um homem inteligente, de grande
cultura e saber, e também, na carreira que escolheu para a sua vida, ser
indiscutivelmente, o nº 1 do mundo?
Um homem que proporcionou aos milhares (ia mesmo a escrever “aos
milhões”) dos seus admiradores, inesquecíveis horas de prazer espiritual?
Que sociedade vanglorizadora é esta, onde não cabe a solidariedade?
Teremos que ir procurar bons exemplos em algumas meio desconhecidas
gentes das margens do Amazonas? Nem a Governação, nem a Oposição –
por momentos esquecendo os seus inúteis discursos mútuos – ousam
manifestar a sua solidariedade a quem a merece?
E, no entanto, historicamente há, pelo menos, um exemplo: o Rei
D.Sebastião – o monarca mais xadrezista da nossa história – concedeu
uma “tença”, e até a aumentou posteriormente, ao grande Luis de Camões.
Volvendo ao ano de 1941, ao Grupo de Xadrez de Lisboa, pela tarde
chegou o Dr.Alekhine e estendeu-me mais de 40 folhas A4; vendo que
estavam escritas em francês, perguntei: é para traduzir? “Oh non, c'est un
cadeau”.
Era um presente; após os “mercis”, verifiquei ser o manuscrito de uma das
suas conferências recentes. Eu era ainda solteiro, vivia pois em quartos
alugados, não podia ter uma biblioteca.
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Guardei sempre, cuidadosamente o manuscrito, ao tempo ainda sem
grande interesse para o mundo do xadrez,
Mais tarde, numa exposição, apresentei a folha 35 “Je n'aime pas
Steinitz”.
Isso chamou a atenção para o manuscrito, e na página 144 do livro
“Xeque-Mate no Estoril”, de Dagoberto Markl, e que eu tive o gosto e a
honra de prefaciar, vinha um lamento com uma ligeira censura pelo facto
de a prosa do manuscrito não ser, totalmente, conhecida.
Mas eu não podia fazer a publicação por um motivo poderoso: faltavam
treze lances no manuscrito. Mas então já eu tinha uma biblioteca, e
encontrei os lances num livro sem data, mas cujo autor nasceu em 1860,
D.José Paluzie y Lucena.
Tendo, pois, tido sucesso na minha busca, findei a tarefa e foi possível
publicar as quatro partidas comentadas por Alekhine, em 1941. Este livro
não subentende nenhuma intenção mercantilista; o contrário envergonhar-
me-ia. Um “cadeau” recebido do Mestre, será igualmente um presente
para os meus Amigos. Para findar, farei agora referência a uma palavra da
capa do livro, a qual coloco adjectivando o nome do Mestre.
Na realidade, mortais somos todos. Mas alguns houve que são agora
imorredouros.
Em todo o mundo, ninguém ousará dizer que não merece esse adjectivo o
Dr. Alexandre Alekhine.
Ouçamos as suas palavras que, embora escritas, soam perfeitamente na
nossa inteligência, espírito ou alma.
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Página 1 do manuscrito - “le cadeau” - que me foi oferecido por
Alekhine
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Página 35 do mesmo, onde diz “Je n´aime pas Steinitz”, afirmação
muito polémica na época…
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Senhoras, Senhores:
Dentro do programa das minhas conferências dei alguns nomes, algumas
datas; mas o tema que me proponho tratar, com efeito, é muito mais
amplo, porque se tratará da própria essência do nosso jogo, da nosssa
Arte.
Pensou-se, pergunto-me, e definiu-se, porque nós gostamos do Xadrez,
porque o preferimos (ou bem, a maior parte de nós) a qualquer outro
passatempo?
Não creio que a questão tenha sido posta sob este ângulo e, contudo, ela
merece o esforço.
Isto, sobretudo, porque o xadrez tem muitas vezes sido subestimado,
mesmo escarnecido.
Um dos meus grandes desgostos – desde jovem – foi ler em “O Duplo
Assassínio da Rua da Morgue”, de Edgar Pöe, as linhas seguintes:
“O cálculo, como tal, não pode de nenhum modo ser identificado com a
análise. Por exemplo, o jogador de xadrez pode muito bem calcular sem
ter necessidade de analizar; por consequência, o valor do xadrez foi muito
exagerado e, sem querer aprofundar demasiado o assunto,definirei como
prefácio a esta história criminal, fazer conhecer a minha opinião a
propósito deste jogo.
Tomo, note-se, a liberdade de declarar que o maior valor possuído por nós
outros, humanos – a saber: a possibilidade da percepção intelectual – é
muito mais seduzida pelo humilde jogo das damas, que pelas
dificuldades artificiais do xadrez.
Neste último jogo, a diversidade do movimento das peças não faz senão
dar uma falsa impressão de profundidade, e esquece-se que graças a esta
diversidade, a atenção dos jogadores é submetida a um muito rude
esforço.
No momento em que esta extrema situação provoca imperfeição, comete-
se um erro, muitas vezes o erro decisivo – e nove vezes em dez, não é o
melhor jogador que ganha, mas o mais atento.
Ao contrário, no jogo das Damas, onde os movimentos são muito simples,
os erros de esquecimento intervêm muito raramente.
Sou um grande admirador do autor de “O Corvo”, Pöe, e fiquei
sinceramente mais triste constatando que, no caso presente, ele se enganou
ou, então, por fins desconhecidos, quis induzir o seu público em erro.
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Com efeito, não se pode comparar o Xadrez a nenhum outro jogo de
cálculo, porque ele tem em si alguma coisa que lhe pertence propriamente,
e faz dele uma Arte.
A diferença é explicada em poucas palavras: ao passo que todos os outros
jogos – como o das Damas, e mesmo o Go – perseguem a ideia do ganho
em material ou então espaço, o Xadrez possui uma coisa única – a ideia
do mate!
Esta ideia, sendo completamente ausente de qualquer ganho material, esta
ideia para a qual nenhum sacrifício – de material, de tempo, de espaço – é
demasiado grande, acende em nós a noção do sacrifício pelo ideal, ideal
qualquer que ele seja – Pátria, Liberdade, Humanidade – mas, de toda a
maneira, alguma coisa de mais alto, de mais belo, do que o nosso próprio
egoísmo.
Isto estabelecido, sabemos que o Xadrez como Arte faz parte da nossa
cultura e, praticamente, não há país no mundo – mesmo agora na China e
no Japão, países que visitei e onde não estive sem sucesso, e onde ele não
tinha sido reconhecido como tal.
Mas é preciso constatar que a sua ascenção entre nós, na Europa, foi lenta
e esbarrou em muitos obstáculos.
Eu tive altos e baixos, períodos de vigor, outros de depressão. Mas creio
poder afirmar e isto independentemente da minha personalidade – que,
finalmente, estamos chegando ao porto, o Xadrez – os princípios do
Xadrez vivem e eles viverão.
Querendo falar do Xadrez, tal qual ele se foi desenvolvendo até este dia, é
necessário mencionar o nome de Philidor – um génio intuitivo da nossa
Arte, mas um pensador medíocre.
De duas classes acima dos jogadores do seu tempo, analista de finais de
partida, extraordinário para a época, Philidor não achou nada melhor para
definir a essência da nossa Arte, do que o slogan “Os Peões são a alma do
Xadrez” – e este slogan foi aceite, foi repetido em quase todos os
manuais de Xadrez franceses. Não, Senhor Philidor, a alma do Xadrez não
reside, nem nos Peões inertes, nem em nenhuma outra peça.
A alma do Xadrez reside no sublime espírito do sacrifício – e por isso o
Xadrez é humano!
Precisamente, dissemos que a ideia do sacrifício fazia parte da própria
essência do Xadrez, mas é preciso ajuntar que esta ideia não pode ser
realizada senão em colisão com uma outra concepção não menos
importante – a de o ataque como tal.
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