Table Of ContentOscar ALHEIROS
A VER NOVAMENTE
A Re-evolução da Psicanálise
– 2022 –
Sumário
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ELA CANJA ERA
Epistemologia da NovaMente é a de Escher: a mão que desenha a mão que
a desenha – Teoria das Formações: todas as manifestações do Inconsciente
interessam – Parâmetros e paradigmas do século XX são desenhados demais
– A era de Lacan já era e era canja – Ordem paradigmática atual:
reciprocidade na Transa entre as formações de uma pessoa e do mundo –
Quarto Império: amplia-se o campo do possível.
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Análise de uma pessoa: considerar as formações em exercício e mostrar seus
movimentos na pressão do Inconsciente – Escuta: o que vem de lá para cá.
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Teoria estrutural sabe o que é a estrutura, Teoria das Formações não sabe
quais formações estão em jogo, é caso a caso – Paradigmas anteriores
achavam que podiam prever os possíveis – Falta de rosto do possível apavora
os não-pensantes, que correm para trás procurando um desenho para ele –
Deus é imortal.
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Todo conhecimento é precário e provisório – Instalação de um Quarto
Império implica uma virada no sintoma da língua – Nova tecnologia terá que
rastrear não apenas o que a pessoa faz, mas também o que não faz.
Datas
Seções: 1. 13 novembro.
Anexos
Co-Mentários
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ELA CANJA ERA
A epistemologia aqui em ação é a de Escher, tal qual apresentada
pela NovaMente: a mão que desenha a mão que a desenha – sem
sujeito ou objeto. Isso também diz respeito ao mundo e ao
entendimento que a NovaMente faça do mundo a cada momento.
Há o mundo e a NovaMente: a mão que desenha a de cá que
desenha a de lá – no mesmo estilo epistemológico.
O tema a ser tratado hoje é:
ELA CANJA ERA
E CANTO DO CISNE
(OUTRAVEZ NOVAMENTE)
Essa era já era. Essa tchurma já flupou. AKbocetudo.
Se não quiser m’escutar, hikicomori pra você também.
A REALIDADE come o cuzinho da História.
Jeito talvez seja ser hikicomori.
Vato mano cool // em fiano cool //
Procurar na IdadeMedia alta e tardia os Precursores da
MetaPsicologia.
É preciso sempre lembrar que, do ponto de vista da Teoria
das Formações da NovaMente, interessam todas as manifestações
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do Inconsciente. Elas serão tomadas como formações a serem
consideradas. Não há preconceito contra, por exemplo: os
arquétipos, de Jung, pois são formações que ele detectou com alta
repetição no campo dos sintomas; os signos do Zodíaco, que
também se repetem na cultura e são formações sintomáticas que
influenciam a mente das pessoas; as formações profissionais, que
são cacoetes sintomáticos; os ditames culturais; quem você pensa
que é...
Por que se coloca a questão: ELA CANJA ERA? Se
entendemos com um mínimo de clareza o mundo que está
acontecendo hoje, chegamos à conclusão de que aquela Era
anterior passou, já era – e era canja. Dado que os parâmetros e
paradigmas de referência continuavam primordialmente em
exercício e podiam ser referência razoavelmente confiável, isso
tornava a coisa relativamente mais simples, muito mais simples do
que acontece agora. Além do mais, as referências anteriores – que
não devemos criticar, pois, a seu tempo, eram excelentes (seja
Freud, Lacan ou mesmo outros intermediários que colaboraram
com algumas coisas) – se montavam sobre paradigmas e
parâmetros muito desenhados e com certa permanência no mundo
até o final do Terceiro Império. Ora, justamente a entrada de Quarto
Império que vivemos agora é Oespírito, ou seja, da relação direta
com a Informação em seu estado singular de cada informação: a
excessiva velocidade da comunicação e uma formação olhando
para outra com noção de absoluta relatividade.
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Então, não adianta tomar determinada formação para ser
paradigmática da situação atual. Por isso, Teoria das Formações.
Como considerar a cada caso a formação lá em jogo? Como
analisá-la, ou seja, separar com o máximo possível de clareza suas
componentes? Isto, para que se esclareça que qualquer formação
não passa de uma construção sintomática. Então, nessa era – que já
era –, vista do ponto de vista de nossa atual problemática terrível,
era canja tomar o paradigma do momento para entendimento do
que ocorria. O paradigma de Freud era a emergência científica do
século XIX e um pouco adiante. A operação de Lacan foi dentro da
emergência científica do século XX. Freud assentado sobretudo na
vertente histérica, e Lacan na vertente paranoica. Estamos hoje na
vertente Progressiva, foi o Mundo que a impôs. Daí o humor da
frase ELA CANJA ERA, a Era era canja. Além do fato de nosso
querido Dr. Lacan estar datado. Hoje, não há disponibilidade
científica senão o que se entenda como o que quer que possa
sustentar uma Teoria das Formações.
No passado, temos entendimentos da teoria da informação, de
ordem linguística, etc., de que podemos lançar mão, mas sem estar
aprisionados no paradigma a que essas coisas se referiam. Lá há
muita coisa disponível enquanto pequenas construções de
pensamento, mas não enquanto paradigmas. Nossa ordem
paradigmática é a reciprocidade na Transa entre as formações de
uma pessoa e do mundo. É isso que foi tomado com a representação
da intuição de Escher. São formações transando com formações...
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e resultando em formações, ou, também, no entendimento das
formações em jogo nessa transa. Análise é isso. As ideias de
informação e de cibernética, por exemplo, podem ser próximas do
conceito de Art-culação na NovaMente, mas o conjunto das
formações em jogo na Teoria das Formações é bem maior. Se
tomarmos a emergência do que se oferece à nossa consideração,
não poderemos indicar formação alguma como paradigmática
fundamental. É o que vier, é ad hoc: quais formações aparecem
como componentes agoraqui?
Algo claro é o Terceiro Império ter perdido a credibilidade
em pensamento, só tem credibilidade política, comportamental, e
justo isso é a catástrofe que dizem estar ocorrendo hoje. Não surgiu
ainda uma formação capaz de legitimamente representar o Quarto
Império. Ele está em processo. A barbárie aparece aí porque, na
falta de rosto, as pessoas procuram e se agarram a rostos
conhecidos como se fossem salvadores. Estão ferradas, pois não
vai adiantar. Além disso, a ideia que temos de catástrofe –
catástrofe do Terceiro Império, por exemplo – vem por via de
falências na situação atual. Ainda não aconteceram as verdadeiras
catástrofes, aquelas que vêm pela fundação e instauração de Quarto
Império, de algo novo. Por exemplo, esse acontecimento
inteiramente desconhecido que está sendo feito aqui e agora neste
tipo de estudo e consideração.
Há também que refazer o entendimento sobre o campo do
possível, pois até o final do século XX era definido por
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assentamento num presente, num atual. Possível é o que se
desenrolará a partir da capacidade de suspensão de recalques.
Nesse sentido, é performático. Definir o possível pelo atual, é
defini-lo a priori. Logo não é possível, já está dado, aprisionado
num sistema de recalque qualquer que esteja funcionando. Pensar
assim é pouco. Possível não faz par com atual, há, sim, que fazer
valer a ideia de recalque, que sempre mapeou o possível em relação
ao impossível. Nem mesmo o que se chama virtual está valendo. O
nome correto é: o porvir.
E mais, diante de qualquer decisão em sua separação, em sua
bifidização, há um campo de possibilidades que ficaram não
acontecidas como recalque. Antes do acontecer, há uma decisão,
algo vem, mas o outro alelo da situação se recalca. Não são virtuais,
pois são absolutamente efetivas, ativas, tanto é que o Inconsciente
as faz comparecer como sintoma. O Inconsciente não presta, é
mau-caráter, vai à forra do que você fez, vai te perseguir.
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A cada consideração de um analisando como Pessoa – ou na
consideração do que ocorre no mundo como Clínica Geral, que é
outra coisa –, o que é a ser levado em conta são quais formações lá
estão em jogo, como elas determinam os movimentos e os
comportamentos, etc., e como se pode apontar essas formações
como comprometidas com a situação. A tomada de consciência de
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que essas formações estão determinando as pessoas – ou o mundo
– é que, analiticamente, pode levar à decomposição em suas partes,
em seus componentes. É por aí que passa a análise.
Ao escutar um analisando, vê-se que, além de todas as
conjugações com seu Inconsciente, ele começa a exprimir uma
vertente sintomática forte no sentido do entendimento dos signos
do horóscopo, por exemplo. Ele é praticamente conduzido em sua
vida por esse tipo de formação. Há que escutar essas formações,
entendê-las e tentar analisá-las, reduzi-las a seus componentes
históricos, composicionais, significativos, etc., para a pessoa
entender que está metida num campo de formações. Uma vez isso
entendido, ela poderá se afastar do campo, tornar-se neutra ao
máximo diante das formações que mais a determinam como
organização mental. Agir assim é uma radical diferença para com
toda a história da psicanálise. Trata-se, portanto, de considerar
quais formações estão em exercício, como analisá-las, como
mostrar seus movimentos na pressão do Inconsciente.
Portanto, não é canja. Era muito mais fácil quando se
projetava um paradigma de nossa cabeça sobre uma questão. A
escuta precisa virar escuta mesmo, é o que vem de lá para cá. O que
é isso que está como formações diante das minhas formações? Que
solução se pode dar aí? Como ana-lisar isso em seus componentes
mínimos? Não é preciso esforço algum de catequese, pois quando
o analista consegue – o que é difícil e frequentemente recusado pelo
analisando (é o que Freud chamava de resistência) – ana-lisar as
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formações em jogo (ou seja, o simples fato de situar essas
formações, seus componentes, suas sub-formações, suas
correlações) e o analisando se permite escutar, o sintoma já está
dissolvido.
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Quanto à consideração desse panorama anterior e da canja que lhe
é inerente, a título de ilustração, podemos tomar um autor não
muito conhecido entre nós, mas encarecido por Lacan e comentado
por MD Magno em 1984, Philippe Nemo. Em seu L’Homme
Structural (1977), ao tratar da propalada morte do homem, destaca
três figuras dessa morte: (a) o sujeito, aquele que diz “eu”, um eu
psicológico (e morto por Espinosa ao colocá-lo como “parte da
natureza”); (b) o espírito (agora a oposição não é mais homem /
natureza, e sim: espírito / natureza) – Hegel é quem está na ponta
dessa morte; e (c) o coração, aquele que está sob o impulso do
desejo, cuja raiz está no sexo (o homem é visto como dividindo
suas características com a animalidade), e aí temos Freud e
Foucault.
Diz ele ainda que, desde a época das luzes, vivemos “num
campo filosófico hegeliano, clivado por essas duas determinações
do homem, ser-natureza e ser-discurso”. A proposta de seu livro é
a de conceber um homem estrutural pensado não a partir do
estruturalismo, mas da ideia de estrutura trazida por Lacan. O que
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vemos é que mesmo essa ideia, que parecia promissora naquele
momento, estava esteada num paradigma único e bem definido e
ele não tinha se dado conta do processo que estava por chegar,
ainda era cedo. Ou seja, era canja. Para ver isso, basta comparar a
teoria estrutural com a Teoria das Formações. Aquela sabe o que é
a estrutura, esta não sabe quais formações estão em jogo. O
entendimento das formações em jogo é caso a caso. Temos apenas
a epistemologia de Escher: as formações, digamos, da pessoa e as
formações do mundo se configurando reciprocamente.
Há, portanto, o modelo do estruturalismo numa ponta e o
modelo transitivo e transativo de Escher noutra. É uma história
grande de acontecimentos que movimentaram o campo dos
conhecimentos. No meio do caminho, a canja foi ficando rala
devido alguns pedaços de articulação que colaboraram para isso.
Por exemplo, cibernética, complexidade, fractais, avanços na
cosmologia, estudos sobre o Primário, ora distinguindo, ora
mostrando conexões em sua composição. O paradigma anterior
definia, confiávamos nas distinções e definições, e o mundo parecia
funcionar consoante a isso. A Teoria das Formações e o modo
gnosiológico de Escher são articulações bem maiores que o
embaralhamento que a segunda metade de século XX produziu
tornando rala a canja. Efetivamente, o convite é à consideração do
que comparece suspendendo toda suposição prévia do que seja o
que comparece.
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