Table Of ContentInês Caminha Lopes Rodrigues
A REVOLTA DE PRINCESA
poder privado X poder instituído
1981
CopyrfgÀf (!) Inês Caminha L. Rodrigues
Capa :
127( antigo 23)
Artistas Gráficos
Caricata ras :
Emílio Damiani
Revisão :
José E. Andrade
Ao Cláudio
e aos nossos filhos,
Clâudia e Carlos Eduardo
editora brasil iense s.a.
O10 42 -- rua barão de itapetininga, 93
sâo paulo -- brasil
ÍNDICE
' 'Eta pau-Pereira,
Quem em Princesa
Já roncou! Os antecedentes 7
.4 /ufa 28
Eta Paraíba,
Mulher-macho, sim senhor!" Conclusão 77
Indicações para leitura 80
Balão Paraíba --
Luas Gonzaga/Humberto Teixeira
OS ANTECEDENTES
A Fava/tad e .Prlnceia foi um movimentos edi-
cioso que envolveu, de um lado, os comandados do
''coronel'' José Pereira Limo e, do outro, as tropas da
polícia militar da Paraíba. Iniciou-se a 28 de feve-
reiro de 1930, com o rompimento político-partidário
entre José Pereira e João Pessoa Cavalcanti de Albu-
querque, governador (naquele tempo ''presidente'')
do Estado, e se prolongou até 26 de julho daquele
ano
Para a eclosão do movimento concorreu uma
série de fatores, incluindo-se dentre eles a própria
investidura de João Pessoa no governod o Estado, por
determinação de Epitâcio Pessoa da Silvo, seu tio e
principal líder político da Paraíba. O governador
designado residia no Rio de Janeiro, onde exercia as
funções de ministro do Supremo Tribunal Militar, e
estava desligado da política partidária de sua terra
natal. A 22 de outubro de 1928a ssume a presidência
8 Inês Caminha Lares Rodrigues A Revolta de Princesa 9
paraibana imbuído de extremadoi dealismo, disposto
a corrigir os vícios políticos. Prometera a si mesmo
encetar uma ferrenha campanha de moralização dos
costumes, pois, segundo suas próprias palavras, es-
tava ''tudo podre'', fazendo-se necessária ''uma vas-
sourada em regra'' para ''purificar a vida pública,
rebaixada por figuras de significação e aproveita-
dores gulosos''
Dentre as preocupações administrativas de João
Pessoa duas avultaram: o sistemático desprestígio
aos coronéis (responsáveis, segundo ele, pelos abusos
políticosq ue denunciara)e um programa para soer-
guimento das finanças do Estado. Em função destas
preocupações, iniciou uma série de medidas visando :© }';ÃI'
a sanear o que Ihe parecia errado. Considerando o
Município (o espaço de atuação dos coronéis por ex-
celência) um dos fulcros das reformas que pretendia
encetar, sobre ele fez convergir grande número de
atitudes renovadoras: destituiu chefes políticos, de-
mitiu juízes e promotores, removeu delegados e che-
fes de Mesas de Rendas (coletorias estaduais), pro-
moveu cuidadosa triagem na nomeação dos novos
prefeitos, desprezando a velha praxe de compadrio.
O ferrenho combate ao cangaço que em-
preendeus e incluía, por via indireta, dentre as me-
didas de desprestígio aos chefes locais, pois declarava
o propósito de não Ihe dar tréguas, ''esteja (o can-
gaceiro) onde estiver e seja quem for o seu protetor
ou o seu homiziador''. E arrematava: ''Quem se sen-
tir humilhado com a ação da polícia que não o acolha
em suas terras e propriedades". Objetivando o su-
10 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Rwolta de Princesa 11
cesso nesse combate, estabelece cinco itens básicos
''João Cancela'', por causa dos postos de cobrança
que lograram êxitos parciais: reativação de um con- espalhados pelas estudas de rodagem e carroçâveis.
vénio entre os Estados nordestinos; moralização da Porém, a iniciativa mais marcante de sua adminis-
Força Pública; eliminaçãon osjuris da influência dos tração, neste âmbito, se configurou no imposto de
coronéis; desarmamento geral; proibição taxativa da importaçãoc riado, origemd o que o Jorna/ do (;om-
venda de armas. Atingia, assim, alguns esteios do merc/o de Recite chamou Gzzerra Zrfbutáría .
prestígio e da liderança dos detentores do mando- A economia e as finanças paraibanas há muito
nismo local, como a faculdade de impedir a apreen-
vinham sofrendo grandes prejuízos em face do inter-
são, pela polícia, de armas de seus protegidos e de câmbio comercial de suas cidades interioranas com
promover a sua restituição, bem como a poderosa
os Estados vizinhos, principalmente Pemambuco. A
influência sobre jurados e testemunhas.
precariedade dos meios de comunicação; a ausência
O Judiciário não escapou à ação moralizadora.
de estudas razoáveis interligando as varias regiões
''Magistrados suspeitos de transigência com o crime
do Estado; o maciço central da Borborema, cortando
e acoimadosd e relapsian o cumprimentod e suas
o territóriop araibano de nordestea sudoeste,r es-
funções'' foram destituídosd os cargos. Os juízes pas-
ponsáveld urante muito tempo pelo isolamentod e
sarama sero brigadoas residirn as respectivacso -
diversos municípios do interior em relação à Capital,
marcas e seu afastamento ficou restrito aos casos de
eram fatores que induziam esse intercâmbio.
férias e de licença. O comércio da capital paraibana no último lus-
A ação do governo estadual se fez sentir ainda
tro dog anos vinte estava em situação deplorável.
em outros setores, numa gama muito ampla e diver-
O número de falências havia se multiplicado. O mes-
sificada que abrangia do casamento civil ao jogo do mo acontecia a Campina Grande, considerada o em-
bicho. pório do sertão.
As medidas que empreendeu visando a melhorar
Para combater a crise económica foi promul-
a crítica situação financeira do Estado também se gada a Lei Tributária 673 de 17 de novembrod e
destacariam no conjunto de seus atou administrativos.
1928, regulando a exportação e importação de mer-
Com aquele desiderato, instituiu uma série de medi-
cadorias. Por esse dispositivo, foi criado o Imposto
das de contenção de despesase um novo sistema de
de Incorporação (de ''barreira'') que incidia sobre a
arrecadação tributária. O sistema fiscal que implan-
segunda.
tou estabelecia inovações como a taxa de pedâgio,
Em virtude da nova legislação, passou a ser
o que, além de demandasj udiciárias contra o Es-
dado tratamento diferente, em termos tributários, às
tado, Ihe valeu os apelidos de ''João Porteira'' e
mercadorias que entravam ou saíam do Estado. Vi-
12 /nês CamínAa lares RodrÜtles l '4 Neva/fa de /'rllzcesa 13
sando a fomentar o comércio da capital, foi esta- julgavam prejudicados, dentre estes os comerciantes
belecida uma acentuada diferenciação nos impostos das cidades do interior paraibano.
relativos à importação e exportação realizadas pela Outros periódicos de Pernambuco se solidari-
capital e pelas fronteiras (divisas com os Estados li- zaram com a campanha, acirrando a polêmica, que
mítrofes). Essa variação era pequena no referente à transcendeu o âmbito regional.
exportação, oscilando, por exemplo, quanto a dois Preocupado com a repercussão negativa de sua
pi'odutosp rincipais da economia paraibana -- o al- medida, João Pessoa procurou se justificar junto a
godão e o couro -- entro 2%oe 4%o. Quanto à impor- Washington Luiz e à imprensa através de telegrama
tação, entretanto, a lei ao mesmo tempo que dimi- onde assegurava que ''a campanha de descrédito do
nuiu os percentuais referentes à mercadoria que en- Estado movida pela propaganda do Jorna/ do Cbm-
trasse pelo pôrto da Capital, hipertrofioua incidên- mercfo do Recite advém do despeito de seus proprie-
cia sobre produtos advindos pelas fronteiras, ultra- tários por ter meu governo suspendido a subvenção
que recebiam do Tesouro
passando a majoração, em alguns casos, a 10 00%o.
Essa estratégiap retendia,p or um lado, desesti- A afirmação do presidente paraibano indignou
os proprietários dojornal que, rebatendo-a, exigiram
mular -- para não dizer ''proibir'' -- o comércio do
a apresentação das respectivas provas no prazo de
interior paraibano com outros Estados e, por outro,
oito dias. Se não as apresentasse,a firmavam, João
coagir as firmas das unidades vizinhas a abrirem fi-
Pessoa estaria na contingência de ''oferecer aos seus
liais na capital paraibana.
Os Estados prejudicados protestaram contra o governados o espetáculo de um governante transfor-
novo sistema tributário. Pernambuco, com maior mado em mentirosov ulgar''. As provas não foram
vigor. Sua Associação Comercial, além de represen- apresentadase , a partir de então, o jornal pernam-
bucano abandona a linha de sobriedadee restrita
tar junto ao presidented a República, Washington
Luiz, alegando a inconstitucionalidade da lei e pe- contestação à Lei Tributária,. passando a ataques
dindo a intervenção federal, solicitou o empenho de pessoais em linguagem panfletária. Adota, assim, a
Estácio Coimbrã, presidente do Estado, quanto à re- pratica que vinha sendo empregada pelo órgão oficial
vogação da lei. Solicitou, também, o apoio de insti- do Estado da Paraíba, .A Z./niõo,e. m relaçãoa os
tuições congéneresd e vários outros Estados nesse Pessoa de Queiroz, primos e inimigos de João Pessoa
sentido. e proprietários do Jorna/ do Cbmmerczo. O gover-
O Jorna/ do Cbmmercíod e Recite, órgão de nador paraibano passa a ser chamado de ''vulgar e
grande poder de veiculação, promoveu vigorosa cam- desprezível caluniador'' e os redatores de ..4 [/dão de
panha contra a lei e facultou suas colunas aos que se ''ruminantes'', ''irresponsáveis alugados'', ''sevan-
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14 Imãs Ckzmín&a .topes Rodrfgues l .4 Neva/fa de Princesa
ao mesmo tempo o presidente do nosso Estado
dicas''. O jornal paraibano, com a anuência do pre-
sidente do Estado, desfecha então ataque direto, no- (.. .) Hâ deveres morais a que os interesses mate
dais devem ceder o passo.
minal, ao deputado Francisco Pessoa de Queiroz,
chamando-o de mentiroso e afirmando que não tar-
Noutra correspondência lamentava a ''polêmica
daria, por sua ''obsessãod e mentira'', a ser empur-
escandalosa'', ressaltando:
rado ''para dentro das grades de um manicõmto
A Guerra Trlbufárla se desvirtuara, fugira do
''Como devem ter-se regozijado os nossos ini-
seu móvel, se transformara em válvula de escape dç
migosl Faltam-me os elementos necessáriosp ara
rixas familiares e se constituiria numa das sementes
ser juiz na questão, nem valeria mais a pena,
do futuro movimento armado de Princesa.
pois que a discussão produziu todos os males;
Ao ter ciência da refrega entre seus sobrinhos,
sela como for, o que sei é que ela foi profunda-
Epitâcio Pessoa escreve-lhes de Haja, onde se encon-
mente lamentável.
tmva em missão diplomática, censurando-lhes o ges-
to insensato e o nível da discussão:
A publicação, a 8 de julho de 1929, de uma sen-
''Eu nunca imaginara que vocês, com sacrifício tença referente a um mandato proibitório contra o
Estado da Paraíba, por iniciativa de quarenta firmas
da compostura pessoal, do decoro das posições,
e dos interessesm orais da família, chegassem, pernambucanas, alegando a inconstitucionalidade
sob a risota escarninha dos nossosi nimigos, ao do Imposto de Incorporação, marcaria o término da
debate escandaloso de que posteriormente me Guerra Tríbzzfárla. Mas a animosidade que ensejou
iria se intensificare se constituirn um dos fatores
deram notícia cartas e jornais. Não entro na
mediatos do assassínio de João Pessoa. Prepararia,
apreciação da responsabilidade de cada um. En-
também, o terreno para a eclosão da revolta de Prin-
volvo ambos igualmente na mesma queixa. Não
acho desculpa para .A Z./nfâo,ó rgão oficial, a cesa, onde o governante paraibano despendeu consi-
cobrir-te de apodos indecorosos, como não en- derável parcela das rendas adquiridas por força das
tão discutidas e polêmicas medidas que implantou.
contro para adorna/ do Cbmmerclo, a provocar
As atitudes inovadoras do presidente paraibano
e sustentar esse vergonhoso bate-boca, e, se é
iriam, fatalmente, desgostar muitos correligionários
verdade o que me dizem daí, a oferecer-se ainda,
que, seguindo os usos políticos, se dirigiam a Epitá-
sem êxito, a mesquinhos despeitados para a pu-
fio Pessoa formulando queixas e lamentações. Este
blicação de artigos e livros de ataques calunio:
fez várias sugestões ao sobrinho no sentido de .que
sos à honra pessoal de um nosso parente que é
16 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revoltad e Princesa 17
levasse em conta os costumes políticos vigentes e ate coligaçãoe ntre Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande
nuasse o rigor dos atou. As advertências eram vaza-
do Sul apresentou, afrontando o governo federal,
das em termos clarose diretos:
uma chapa, à sucessão da Presidência da República,
encabeçadap or Getúlio Vargas, sendo o governador
''Jâ te disse mais de uma vez: ninguém pode paraibano o candidato a vice. Seguindo instruções do
estripar num instante vícios arraigados desde tio Epitácio, João Pessoa em agosto de 1929 negara
anos; deve-seir com jeito, pouco a pouco, para apoio à chapa oficial do Catete, encabeçada por Júlio
não chocar violentamente a mentalidade do
Prestes, governador de São Paulo. Por este gesto de
meio. E preciso não esquecer que essesv ícios se rebeldia (que ficou conhecido como o /lego, termo
tornaram, pelo hábito, fatos normais, o que ate- que, posteriormente, integraria a bandeira do Es-
nua sobremodo a responsabilidade de quem os tado) e pela dificuldade em se encontrar um candi-
pratica. Por outro lado, substituir o correligio-
dato a vice-presidente do país para compor a chapa
nário por um adversáriop ara corrigir o mal é
oposicionista, o nome de João Pessoa foi lembrado e
um engano: o adversário vive no mesmo meio,
aceito como companheiro de Getúlio Vargas.
com as mesmas paixões, os mesmos preconcei-
O fato de haver sido Epitácio Pessoa o respon-
tos, os mesmos,pontosd e vista acanhados, ten-
sável pela inclusão do nome do sobrinho na chapa
do, mais do que o correligionário, a sede da re-
getulista levou os chefes políticos governistas parai-
presália: ao cabo de algum tempo a situação é banos -- mesmo os que haviam sofrido atou consi-
pior. Não me parece acertado surpreender os
derados hostis, injustos e desprestigiosos -- a apoia-
chefes políticos com decisões radicais, lançando
rem os candidatos da Aliança Liberal.
entre eles a perturbação e o descontentamento A candidatura de João Pessoa à Vice-Presidên-
(...). Eu sei, por informações de varias fontes, cia da República ensejou duas conseqüências imedia-
que hâ por aí desgostosl atentes, e destes, em
tas. A primeira delas foi a reação do governo federal
momentoo portuno, se podem aproveitar os ad-
manifestada em atos de represália através de demis-
versários . são e remoção de funcionários federais simpatizantes
da causa liberal e suspensão de obras e serviços pú-
Esses conselhos, entretanto, mercê das obstina- blicos de iniciativa da União no Estado.
ções e contradições do sobrinho, não foram seguidos. Essas medidas foram capitalizadas politica-
Os rumos tomados pelos acontecimentos polí- mente para o candidato João Pessoa, que passou a
ticos no Estado iriam ser influenciados decisivamente
assumiro papel de vítima da opressãod o governo
pela adesão de Jogo Pessoa à Aliança Liberal. Esta federal, criando-se um grande fervor em torno do seu