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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa
sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."
JOSÉ EDUARDO
AGUALUSA
A RAINHA GINGA
E de como os africanos inventaram o mundo
QUETZAL
Título: A RAINHA GINGA
Autor: JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
Editora: Quetzal
Genero: romance
Paginação: cabeçalho
Edição digital da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo
www.biblioteca.cm-viana-castelo.pt
E-mail: [email protected]
Digitalização: Serviço de Leitura Especial da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo
Revisão:Manuel Alberto Silva.
Por força do código dos direitos de autor e dos direitos conexos, esta obra destina-se
unicamente a pessoas com necessidades especiais e não tem fins comerciais.
BADANA ESQUERDA
José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, em Angola, a 13 de dezembro de
1960. Estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa. Publicou onze romances:
A Conjura (1988), Estação das Chuvas(1997), Nação Crioula (1998), Um Estranho em
Goa (2000, reeditado em 2013 pela Quetzal), O Ano em que Zumbi Tomou o Rio (2002). O
Vendedor de Passados (2004), Mulheres do Meu Pai (2007), Barroco Tropical (2009),
Milagrário Pessoal (2010), Teoria Geral do Esquecimento (2012) e A Vida no Céu (Quetzal,
2013). Publicou ainda quatro recolhas de contos Fronteiras Perdidas, em 1999, Catálogo de
Sombras, em 2003, Passageiros em Transito, em 2006, e A Educação Sentimental dos
Pássaros, em 2012), um volume de poesia. Coração dos Bosques ( 1980), e cinco litros para
crianças: Estranhões e Bizarrocos (de 2000, com ilustrações de Henrique Cayatte), A Girafa
que Comia Estrelas (de 2005, com ilustrações de Henrique Cayatte), O Filho do Vento (de
2006, com ilustrações do artista plástico angolano António Ole), Nweti e o Mar (de 2011,
com fotografias do autor) e A Rainha dos Estapafúrdios (2012). Com os jornalistas Fernando
Semedo e Elza Rocha, publicou uma grande reportagem sobre a comunidade africana em
Lisboa, com o título Lisboa Africana (1993).
Os seus livros estão traduzidos em 25 línguas. O Vendedor de Passados foi adaptado
para cinema pelo realizador brasileiro Lula Buarque de Holanda (Conspiração Filmes).
Nação Crioula está a ser adaptado ao cinema pelo realizador brasileiro Andrucha Waddington
(Conspiração Filmes).
Escreveu quatro peças para teatro: Geração W, Chovem Amores na Rua do Matador, A
Caixa Negra (estas duas em colaboração com Mia Couto) e Aquela Mulher. Em 2007, a
tradução inglesa de O Vendedor de Passados foi distinguida com o Prémio Independent para a
melhor ficção estrangeira.
BADANA DIREITA
“Uma obra ferozmente original e de profunda humanidade que reivindica o poder da
imaginação para transformar os atos mais sinistros.”
The Independent
“Agualusa diverte-se e diverte-nos com o facto de ter talento para a felicidade.
E não haverá, na língua portuguesa contemporânea, outro caso tão flagrante e
abrangente. Esse talento está nos seus livros, escritos para raptar o leitor à primeira vista.”
Alexandra Lucas Coelho, Público
“A cada livro, Agualusa como que reafirma e define com maior nitidez e capacidade de
fabulação o que chamei de projeto: distante dos mitos raciais, da xenofobia, da intolerância,
do par vencedor/vencido, a escrita reivindica para a História a multiplicidade, a contradição,
as significações cambiantes e a disponibilidade imaginativa que definem a literatura…
Deparamo-nos com a ideia de que a história é também ficção, que todos nós somos igualmente
invenção e que, sendo assim, é possível escrevermos nossas vidas de maneira livre e
libertadora.”
Eucanaã Ferraz, Overmundo
Sobre Um Estranho em Goa
“A Goa de Agualusa, tão bem vista e descrita, tão bonita e o Brasil dele, ou a
melancolia angolana, enlaçam emoções e estabelecem uma pátria espiritual onde todos nós,
portugueses da língua, nos reconhecemos.
Agualusa fez-me viajar com palavras. Estou agradecida ao escritor.”
Clara Ferreira Alves
CONTRA-CAPA
Personalidade originalíssima da história de África e do Mundo, ao mesmo tempo
arcaica e de uma assombrosa modernidade, a rainha Ginga tem fascinado gerações, desde o
Marquês de Sade (que via nela um exemplo de luxúria selvagem) até às feministas afro-
americanas dos nossos dias.
Neste romance, José Eduardo Agualusa dá-nos a ver, através dos olhos de um dos
secretários da rainha, um padre pernambucano em plena crise de fé, o agitado século em que
esta viveu.
Misturam-se nestas páginas personagens reais - ainda que fantásticas -, como o
almirante Jol, o pirata com uma perna de pau que conquistou Luanda para a Companhia das
Índias Ocidentais, com outras fictícias, ainda que mais verosímeis do que as primeiras, como
Cipriano Gaivoto, o Mouro, um mercenário português ao serviço da rainha Ginga.
Se é verdade que Angola tem ainda muito passado pela frente – no sentido de que há
tanto passado angolano por descobrir e ficcionar -, também é verdade que este romance nos
devolve um dos fragmentos mais interessantes, senão o mais interessante, deste mesmo
passado.
Perturbador, fascinante e poderoso, este romance de José Eduardo Agualusa é, sem
dúvida, um dos momentos mais altos da sua obra.
Nos dias antigos, acrescentou, os africanos olhavam para o mar e o que viam era o fim.
O mar era uma parede, não uma estrada. Agora, os africanos olham para o mar e veem
um trilho aberto aos portugueses, mas interdito para eles.
No futuro — assegurou-me — aquele será um mar africano. O caminho a partir do qual
os africanos inventarão o futuro.
José Eduardo Agualusa
Para o Harrie Lemmens, que me convenceu a escrever este romance.
Para a Marília Gabriela, a Lara e todas as mulheres africanas, que, a cada dia, vão
inventando o mundo.
Quando as águas cobriram a Terra e depois nasceram as florestas, sete grandes
pássaros, as nossas mães ancestrais, vieram voando desde o imenso além. Três desses
pássaros pousaram na árvore do bem. Três pousaram na árvore do mal. O sétimo ficou voando
de uma árvore para a outra.
— Lenda ioruba
A luz com que vês os outros é a mesma com que os outros te veem a ti.
Provérbio nyaneka
CAPÍTULO PRIMEIRO
Aqui se conta da chegada a Salvador do Congo do narrador desta história, o padre
pernambucano Francisco José da Santa Cruz. Aconteceu isto nos idos de 1620. Mais se conta
de como este padre veio a ser secretário da Ginga — depois Dona Ana de Sousa, rainha do
Dongo e da Matamba —, e de como a acompanhou numa famosa e muito admirável visita a
Luanda.
1
A PRIMEIRA VEZ QUE A VI, A GINGA OLHAVA O MAR. Vestia ricos panos e estava
ornada de belas joias de ouro ao pescoço e de sonoras malungas de prata e de cobre nos
braços e calcanhares. Era uma mulher pequena, escorrida de carnes e, no geral, sem muita
existência, não fosse pelo aparato com que trajava e pela larga corte de mucamas e de homens
de armas a abraçá-la.
Foi isto no Reino do Sonho, ou Soyo, talvez na mesma praia que lá pelos finais do
século XV viu entrar Diogo Cão e os doze frades franciscanos que com ele seguiam, ao
encontro do Mani-Soyo — o Senhor do Sonho. A mesma praia em que o Mani-Soyo se lavou
com a água do batismo, sendo seguido por muitos outros fidalgos da sua corte. Assim, cumpriu
Nosso Senhor Jesus Cristo a sua entrada nesta Etiópia ocidental, desenganando o pai das
trevas. Ao menos, na época, eu assim o cria.
Na manhã em que pela primeira vez vi a Ginga, fazia um mar liso e leve e tão cheio de
luz que parecia que dentro dele um outro sol se levantava. Dizem os marinheiros que um mar
assim está sob o domínio de Galena, uma das nereidas, ou sereias, cujo nome, em grego, tem
por significado calmaria luminosa, a calmaria do mar inundado de sol.
Aquela luz, crescendo das águas, permanece na minha lembrança, tão viva quanto as
primeiras palavras que troquei com a Ginga.
Indagou-me a Ginga, após as exaustivas frases e gestos de cortesia em que o gentio desta
região é pródigo, bem mais do que na caprichosa corte europeia, se eu achava haver no mundo
portas capazes de trancar os caminhos do mar. Antes que eu encontrasse resposta a tão esquiva
questão, ela própria contestou, dizendo que não, que não lhe parecia possível aferrolhar as
praias.
Nos dias antigos, acrescentou, os africanos olhavam para o mar e o que viam era o fim.
O mar era uma parede, não uma estrada. Agora, os africanos olham para o mar e veem um
trilho aberto aos portugueses, mas interdito para eles. No futuro — assegurou-me — aquele
será um mar africano. O caminho a partir do qual os africanos inventarão o mundo.
Tudo isto me disse a Ginga, na língua dela, que na altura me soava não só estranha como
impossível, pois era como crer que dois ribeiros pudessem comunicar um com o outro apenas