Table Of ContentRecorrentemente, ocorre algo que resume
perfeitamente a ideia por trás disso que chamam
de "justiça social". De todas as formidáveis
críticas que seus detratores já escreveram sobre
esse ignóbil conceito, nenhuma é páreo para a
elegante simplicidade de um recente trabalho
feito justamente pelos defensores da "justiça
social". Refiro-me aqui a um recente vídeo feito
para o Dia Mundial da Justiça Social[1], no qual
alunos e professores tinham de completar a
seguinte frase:
Todo mundo tem o direito a(o)
___________
O vídeo é uma pitoresca montagem de
vários possíveis complementos para essa frase,
tendo uma agradável e convencional música
como pano de fundo. Ele mostra alunos e
professores completando a frase acima,
mostrando suas respostas escritas em suas mãos,
braços e pés. As pessoas no vídeo dão respostas
que abrangem todos os tipos de coisas desejáveis,
desde conhecimento, amor, justiça, compaixão e
verdade até educação, saúde, comida, água limpa,
nutrição, sapatos, dançar, rock and roll e até
mesmo pirulitos e sorvete. Veja o vídeo.
Algumas dessas demandas, se interpretadas
muito caridosamente, podem ser interpretadas
como genuínos direitos, porém a maioria é
totalmente extravagante, como os supostos
direitos a sorvete e rock and roll. Ademais, o
peso das demandas desse último tipo torna a
mensagem do vídeo bem clara: tudo que é
desejável é um direito. Quer mais comida? É um
direito. Quer melhores serviços de saúde?
Também é um direito. Quer ter conhecimento e
compaixão? São direitos também. Quer amor,
dançar, cuidados pré-natais e pirulitos? Direitos,
direitos, direitos, direitos.
Embora sucinto e simples, o vídeo
demonstra perfeitamente a vigente postura em
relação a direitos que impregna as atuais
discussões políticas, particularmente entre os
defensores da "justiça social". Para tais pessoas, a
noção de "direitos" é um mero termo para
merecimentos e benefícios, indicando que a
pessoa pode e deve exigir o acesso gratuito a
qualquer bem que lhe seja desejável, não importa
o quão importante ou trivial, abstrato ou tangível,
recente ou antigo ele seja. Trata-se meramente
de uma afirmação de desejo, e uma declaração da
intenção de utilizar a linguagem dos direitos para
se obter tal desejo.
Com efeito, dado que o programa da justiça
social inevitavelmente envolve a exigência do
fornecimento de bens pelo governo, tudo pago
por meio dos esforços de terceiros, o termo na
verdade se refere à intenção de se utilizar a força
para se realizar os próprios desejos. O termo não
é utilizado para enfatizar que as pessoas
devem ganhar merecidamente os bens desejados,
por meio da ação e do pensamento racional, da
produção e das trocas voluntárias, mas sim para
enfatizar que se pode confiscar violentamente os
bens daqueles que podem ofertá-los.
Trata-se de uma noção irremediavelmente
espúria a respeito do que são direitos. Um
direito genuínoé uma prerrogativa moral oriunda
da aplicação de uma filosofia moral à natureza do
homem. O termo é um termo filosófico que
indica um princípio moral genuíno, um princípio
que deve ser deduzido objetivamente de um
exame da natureza da moralidade e da natureza
do homem. Direitos não são meras construções
subjetivas, como são frequentemente tratados.
Ao contrário, direitos são princípios objetivos
validados por uma filosofia moral (em particular,
por uma filosofia política, que é o sub-ramo de
uma filosofia moral que lida com a moralidade do
uso da força).
Um indivíduo possui o direito a algum bem
específico — em oposição a um mero desejo por
esse bem — apenas caso ele possua uma genuína
prerrogativa moral que o permita ter tal bem. Tal
atitude deve necessariamente ser acompanhada
do fato de que outros indivíduos devem
correspondentemente ser moralmente proibidos
de impedir que o proprietário desse bem possua
tal bem. O direito não pode existir em um vácuo,
hermeticamente isolado de outros direitos.
Assim, dizer que uma pessoa tem direitos de
propriedade (uma notável omissão do vídeo) não
é uma mera afirmação de um simples desejo por
algo útil. Trata-se de uma afirmação de que
é moralmente certoque um indivíduo controle sua
própria propriedade, e moralmente errado que
outros interfiram nesse controle. Direitos
referem-se ao que é realmente direito — isto é, ao
que é moralmente certo.
Direitos genuínos existem como verdades
eternas de uma filosofia moral. Eles são
princípios que se mantêm verdadeiros
independentemente de sua época ou lugar,
independente do estado das atuais intervenções.
Logo, não pode existir algo como o direito a
sapatos, sorvete ou rock and roll, coisas que já
estiveram totalmente ausentes da invenção
humana. Ter uma visão contrária a essa significa
reduzir os direitos a uma simples lista de
compras abrangendo as últimas engenhocas e
quinquilharias inventadas.
Como os críticos da justiça social sempre
foram obrigados a apontar ad nauseam, alguém
afirmar que tem direito a algum bem ou serviço
tangível, como água limpa, serviços de saúde,
educação, cuidados pré-natais ou sorvete,
significa que uma outra pessoa tem a obrigação
de ofertar o bem ou serviço em questão. Significa
afirmar a prerrogativa moral de obrigar outros a
suprir seus desejos, à custa dos esforços deles.
Quando em conjunto com um apelo ao governo
para que este forneça os bens ou serviços (como é
toda a intenção), tal postura significa afirmar a
prerrogativa moral de utilizar a força para se
realizar os próprios desejos — obrigar os outros a
dar para você o sorvete deles, a água limpa deles,
as habilidades médicas deles e por aí vai. É o
mesmo princípio seguido pelo ladrão, pelo
estuprador e por outros malfeitores, os quais
encaram seus desejos como uma razão para se
imporem violentamente sobre terceiros.
A propaganda da "justiça social" funciona
bem porque sabe como ocultar desejos sob a
linguagem de direitos, ao mesmo tempo em que
se esforça para evitar qualquer menção
desconfortável a como esses desejos devem ser
supridos. Assim, vemos no vídeo a afirmação do
direito à "educação gratuita". Não vemos ali a
afirmação, que seria bem mais honesta, do direito
a "forçosamente confiscar o dinheiro dos outros
para pagar pela própria e custosa educação".
Não, é a educação "gratuita" que é declarada
como sendo um direito. Mas que educação
gratuita é essa? Gratuita para quem?
Em uma sociedade racional, com um
adequado entendimento sobre a natureza dos
direitos, a afirmação de que há uma prerrogativa
moral a coisas como educação livre, serviços de
saúde ou à oferta de sorvetes, seria vista como o
que realmente é: uma constrangedora reductio ad
absurdum. Manifestações em que jovens afirmam
seus direitos de maneira vacilante, sem qualquer
consideração aparente com a questão sobre de
onde viriam seus desejados bens, poderiam ser
consideradas como apenas um divertido exemplo
da ingenuidade e dos ideais tortos da juventude.
Porém, na cultura sentimental e piegas da
atualidade, tais manifestações são na verdade
feitas pelos defensores da "justiça social" como
uma expressão de seus próprios ideais.
Alguns podem discordar dessa minha
caracterização dizendo que vários dos direitos
afirmados no vídeo supostamente tinham a
intenção de ser irônicos. Ninguém
diria seriamente que há um direito a sorvete ou a
rock and roll — eles estão apenas fazendo graça,
se divertindo! Ei, relaxe!
Mas eis aí o problema com essa visão:
afirmar que há um direito a sorvete ou a rock and
roll não é uma postura mais ingênua ou tola do
que afirmar que há um direito a serviços de saúde
ou a educação "gratuita". Ambos são exemplos
de uma demanda por bens ou serviços que são
ofertados pelos esforços de terceiros — e da
elevação desse desejo à condição de direitos. Os
primeiros são uma reductio ad absurdum dos
últimos exatamente porque ambos os tipos de
exigências partem da mesma abordagem
filosófica do que são direitos — eles são
diferentes apenas no grau, mas não no tipo.
Essa confusão entre desejo e direito,
infelizmente, é predominante nos debates da
atualidade. Trata-se de um erro perfeitamente
compreensível, dado o nível da educação e do
debate público da atualidade. A maioria dos
jovens em idade universitária ainda não foi
apresentada a um sério argumento filosófico
sobre a natureza dos direitos. Assim, todo seu
conhecimento a respeito desse conceito advém
daquilo que ouvem de grupos de pressão em
busca de boquinhas no sistema político e da
demagogia de políticos. Sua afirmação de que há
um direito a sorvetes é ridícula, porém não
menos filosoficamente defensável do que
milhares de outras afirmações de direitos feitas
diariamente em jornais e nas tribunas das
legislaturas em todo o mundo.
O que é notável nesse caso não são os erros
conceituais cometidos pelos jovens do vídeo,
muitos dos quais provavelmente nunca chegaram
perto de qualquer estudo sério sobre a natureza
dos direitos. O que é notável é que a
óbvia reductio ad absurdum demonstrada no
vídeo é de fato adotada por respeitados grupos
defensores da justiça social e orgulhosamente
propagandeada por eles como um apoio à sua
filosofia. Torna-se claro, sob essas circunstâncias,
que estamos lidando com movimentos
intelectualmente falidos.
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Notas
[1] GlobeMed, "GlobeMed at Rhodes
College's Photo Project for the World Day of
Social Justice" (20 de fevereiro de 2011). Um vídeo
similar pode ser visto aqui.