A imanência da crítica: estudo sobre os sentidos da crítica na tradição frankfurtiana e pós-frankfurtiana

239 Pages·2021·22.622 MB·Portuguese

by  Luiz Philipe de Caux

Luiz Philipe de Caux
A Cole~ao Filosofia FACULDADE JESUITA DE
se prop6e reunir textos
FILOSOFIA E TEOLOGIA (FAJE)
de fil6sofos brasileiros A IMANENCIA DA CRITICA
contemporaneos, DEPARTAMENTO DE FILOSOFlA
traduQ6es de textos Os sentidos da critica na tradifao
Av. Dr. Cristiano Guimaraes, 212 7
classicos e de outros
31720-300 Belo Horizonte, MG frankfurtiana e p6s,frankfurtiana
fil6sofos da atualidade,
pondo a serviQo do
estudioso de Filosofia DIR.HOR:
instrumentos de Joao A. Mac Dowell, SJ
pesquisa selecionados
segundo os padr6es CONSHHO EDlTORIAL:
cientificos reconhecidos
Carlos Roberto Drawin FAJE
da produQao filos6fica.
e Danilo Marcondes Filho PUC-Rio
A ColeQilO dirigida
pela Faculdade Jesulta Fernando Eduardo de Barros Rey Puente UFMG
de Filosofia e Teologia Franklin Leopoldo e Silva USP
(Belo Horizonte, MG). Marcelo Fernandes de Aquino UN!SINOS
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Marcelo Perine PUC-SP
Edi~oes Loyola
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(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Caux, Luiz Philipe de
A imanencia da crftica : os sentidos da critica na tradir;ao
frankfurtiana e p6s-frankfurtiana / Luiz Philipe de Caux. --Sao Paulo
Edic;oes Loyola, 2021. --(Cole<;iio filosofia)
ISBN 978-65-5504-083-8
1. Escola de Frankfurt de Sociologia 2. Filosofia 3. Teoria critica
I. Titulo. II. Serie.
21-67403 CDD-121
fndices para catalogo sistematico:
1. Teoria critica : Filosofia 121
Cibele Maria Dias -Bibliotecaria -CRB-8/9427
Prepara,ao: Maria de Fatima Cavallaro
Capa: Manu Santos
Diagrama,ao: Telma Custodio
Revisao: Rita Lopes
Apenas de dentro e que se sai.
ADORNO, Paralipomena da Teoria Estetica
(AGS7,p.411)
0 conceito de imanencia poe o limite da critica imanente.
ADORNO, Metacritica da teoria do conhecimento
(ACS 5, p. 33)
, \ f<mnu dioletica de apresentar;ao s6 e correta
quando conhece os seus limites.
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rior. As referencias abaixo voltam a ser indicadas no final do livro. Fo
ram utilizadas as seguintcs abrevia~oes:
ACS ADOR~O, Theodor\\'. Cesc1111111e/te Schriften. I lrsg. von R.
Tieclc111a1111. 11111n \ Iii\, irk1111i:.; 1·011 C. Adorno, S. Buck-Morss u. K.
Sch11k lir,111kf111l ,1 \I. S1il11k,1111p. 201)1 (SuhrkampTaschenbuch
\\'isscmch,1rt :'.II,
ABB ADOIZ'\O. ·11icodor \\ : 131-."-Ji\1\IIN, 1Nalter.13riefwechsel 1928-
19-i-0. l-lrsg. 1-1. Lonitz. Frankurt Am Main: Suhrkamp, 1994.
Al-18 ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. /3riefwechsel 1927-
1969. Hrsg. Ch. Godde und 1-1. Lonitz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp,
2003-2006. 4
V.
AV ADORNO, Theodor W. Nachgelassene Schriften. Abteilung IV:
Vorlesungen. Hrsg. Von Theodor W. Adorno Arch iv. Frankfurt a.M.;
Berlin: 1993ss. 17 v.
BGS BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Hrsg. von R.
Tiedemmann und H. Schweppenhiiuser. Frankfurt a.M.: Suhrkamp,
1991. 7
V.
DA ADORNO, Theodor \V; HORKHEIMER, Max. Dialektik der
Aufkliirung. In: HORKHEIMER, Max. Gesammelte Schriften. Y. 5.
Hrsg. von G. S. Noerr. Frankfurt a. M.: Fischer, 1987. Sumario
DE ADORNO, Theodor W.; HORKHEfMER, Max. Dialetica do
esclarecimento: Fragmentos filos6ficos. Trad. G. de Almeida. Rio de
Janeiro: Zahar, 2006.
DN ADORNO, Theodor W. Oialetica negativa. Trad. M.A. Casanova.
Rev. E. S. N. Silva. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
FNM ADORNO, Theodor W. Filosofia da nova musica. Trad. M. Franr;a.
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HGS HORKH EfMER, Max. Gesammelte Schriften. l 9 Bel. Hrsg. A.
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HW HEGEL, G. W. F. Werke. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1986. 20 v.
ICP ADORNO, Theodor W. lntroclur;ao a controversia do positivismo na
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IK STAHi, Titus. lmmanente Krilik: Elemente einer Theorie sozialer
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MEW MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Werke. Berlin: Dietz, 1956-. 44 v
MM ADORNO, Theodor W. Minima Moralia: Reflex6es a partir da vicla
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lesada. Trad. G. Cohn. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008.
MTC ADORNO, Theodor W. Para a metacrftica da teoria do conhecimento.
Capftulo I
Trad. M.A. Casanova. Rev. E. Socha. Sao Paulo: UNESP, 2015.
A transformai:;:ao da teoria crftica da sociedade em uma teoria
KL JAEGGI, Rahel. Kritik von Lebensfonnen. Berlin: Suhrkamp, 2014.
tradicional da crftica .. . .................... . 23
KsP CEUKATES, Robin. Kritik als soziale Praxis: Gesellschaftliche
Selbstverstiindigung uncl kritische Theorie. Frankfurt a.M.: l. l. Um "giro" p,ira de1ilro clc si .. . ........... . 30
Campus, 2009. 1.2. lmancncia co1110 ··111~ar clc fala·· da crftica (Celikates) ...... 37
TEH ADORNO, Theodor W. Tres estudos sabre 1-legel. Trad. U. R. Vaccari. 1.3. Crilicar co1110 ,cf.;11i1 rc~r,1, 1Stahl1.. .. ......................... . 52
Sao Paulo: UNESP, 2013. 1.4. Criticar co1110 ,1prn1L11 prohlc111a, (jacggi) ......................... 69
Pris ADORNO, Theodor W. Prismas: Crftica cultural e sociedade. Traci. 1.5. Da tcoria da crftica a crftica da crftica crftica e de volta .. . 87
A. Wernet e J. de Almeida. Sao Paulo: Atica, 1998.
PS ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais: Modelos crfticos 2. Trad. Capftulo II
M. H. Ruschel. Petr6polis: Vozes, 1995. Honneth e a crftica "imanente" positiva ........................................... •· 111
RdF HONNETH, Axel. Das Recht der Freiheit: GrunclriB einer II. 1. Reconstrui:;:ao normativa e crftica "imanente" positiva .... . 114
clemokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp, 2011. II.2. Um en lace fori:;:ado de princfpios contradit6rios .............. . 129
IJ.3. Ontologia e ontologizai:;:ao "do social" ............................. 145
a) Supernormativismo ....................................................... 146 o) 0 nexo de imanencia como nexo de ofuscac;:ao
~)Excedente de validade e progresso ............................... 153 (e ssencia, fen6meno e aparencia) .............................. . 373
y) Blindagem social-ontol6gica contra diagn6sticos E) Leis tendenciais ............................................................ . 380
de tempo .... .......................................... ...................... 159 Os limites da imanencia: trabalho, troca, conceito .... .. 383
o) lncapacidade explicativa ............................................... 169 Digressfo: o duplo Adorno .......................................... . 393
E) Rearticulabilidade "do social" ..... ...................... ..... 176
III.4. Dialetica negativa como crftica imanente ..................... .. 414
0 fecho da ab6bada: reconhecimento, vontade livre,
a) Dualismo e mediac;:ao pelos extremos ......................... . 416
eticidade como causa sui .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 179
b)Negatividade e especulac;:iio ......................................... . 425
ll .4. 0 trabalho como segredo do reconhecimento .................. 192 c) "Estar ao mesmo tempo nas coisas e fora delas":
a) Honneth sobre Marx e o lugar do trabalho .................. 196 crftica imanente e transcendencia .............................. . 436
b) Reconhecimento em Marx........................................... 202
c) Trabalho e reconhecimento em Hegel e Marx ............ 224 Conclusao ........................................................................................... . 445
d)Crflica imanente como crftica imanente da crftica
"imanente" .................................................................... 240 Referencias bibliograficas .................................................................... 453
Capftulo III
Adorno ea crftica imanente negativa ...... ........................................... 251
l!J.1. Crftica imanente como problema conceitual e como
problema hist6rico ..................... ............................... 255
a) Proveniencia do conceito .............................................. 255
b) 0 problema filos6fico-conceitua I da crftica
imanente "em geral" .... .................................... 269
c) 0 problema hist6rico da crftica imanente
no capitalismo p6s-liberal ...... ..................... ............ 281
I [1.2. Autorreflexfo, autocrftica, metacrflica ............................ 299
a) Autorreflexfo do esclarecimento ................. ..... 303
b)Adorno ou Horkheimer: duas safdas da Dialetica do
esclarecimento.... ..... .. .. .... .......... ... ... ... . .. .. .. .. ... .. ... .. .. ... .. .. 312
c)Autorreflexao da dialetica............................ 335
Ill.3. Dialetica como autorreflexao da ontologia (social):
o nexo de imanencia .... .. .. ........ ...... .. .... ...... .. .. ........... .. .. .. 346
a)Omundofalso..................................................... 353
~) Dialetica paralisada e estruturac;:ao antin6mica
do mundo .................................................... .. 360
y) 0 nexo de imanencia como nexo de dfvida-culpa
(integrac;:ao e dominac;:ao social)........... ................. 367
/11111 ...
Prefacio
Nao e de hoje que o termo critica se colocou - talvez contra "sua"
vontade, se um ato de autorreflexao fosse vontade - no centro do de
bate que justapoe de moclo no mais das vezes precario um rol enorme
de teorias, desde as distintas gerac;oes, modelos, cfrculos ou tradic;oes
da teoria crftica frankfurtiana (v ariac;oes terminol6gicas de enormes
conseguencias) ate o campo ainda mais heterogeneo de modos de
pensar gue tomam Kant, Hegel ou Marx como referencia, um arco
de indecisa amplitude gue inclui de Foucault a Brandom, de Spivak a
Bhaskar, de Badiou a Nancy. 0 livro de Luiz Philipe de Caux, A ima
nencia da critica: Estudo sobre os sentidos da critica na tradir;ao frank
furtiana e p6s-frankfurtiana, incide sabre esse debate com os olhos no
uso estrito do termo cr[tica coma referente de teorias cuja autocom
preensao remete ao momenta fundador da autonomeada teoria crftica
da sociedade, gue tern em Horkheimer e Adorno dois de seus propo
nentes e tern em Habermas, em Honneth e em subseguentes pessoas
suas posic;oes ou redescric;oes. Noto, e assim reitero o evocado pelo
gue acabo de escrever, gue o sentido do gue se estabelece nessa fieira
13
111111111·111111
A imanencia da crftica - Os sentidos da crftica na tradic;iio fr:mkfurtiana e p6s-frankfurtiana
Prefacio
ja e parte do problema enfrentado no livro. Como nornear o coletivo a
r poe esse risco, em cada variante, a partir da resposta pergunta: o
de autocompreensoes singulares gue trazem consigo tan to a tarefa da
que e crftica?
autorreflexao coma a de diferenciai;;ao par sobreposii;;ao, urna discreta
Ha riscos gue devemos correr, ha riscos a evitar e ha alguns raros
e contida Aufhebung?
que demandam outro modo de ver. Quando as pesguisas que resulta
Desde o momenta em gue Habermas, ainda em 1973, postulou a
ram neste livro comei;;aram, ainda coma trabalho de doutorado reali
difereni;;a entre reconstrui;;ao e autocrftica, ou ao rnenos desde a histo
zado par Luiz Philipe de Caux sob minha orientai;;ao, o que de irne
riografia seminal feita par Jay, no mesmo ano, varios foram os modos
diato se afigurou claro para seu autor e que nao ha carencia de teoria
propostos para distinguir seja os sentidos da crftica nesses enfogues te6-
crftica coma teoria da crftica. A autorreferencialidade no tratamento
ricos, seja os graus de parentesco ou afastarnento entre a diversidade
da guestao de fundo que supostamente da unidade a tantos modos de
de proponentes. Muitos desses esfori;;os estao diretamente condiciona a
pensar - a saber, uma orientai;;ao autorreflexao, cornportamento pra
dos par duas posii;;oes gue se compreenderam, cada qua] ao seu tempo, a
tico em relai;;ao teoria - esta na base, portanto, da serie infindavel de
coma distini;;oes atreladas, no piano da justificai;;ao, ao diagn6stico de
debates que, ironicarnente, constituem uma variante metafilos6fica do
deficits. Em Habermas, a explicitai;;ao inconsistente, deficitaria, das ba a
tratamento de uma questao relativa realizai;;ao da filosofia.
ses normativas da crftica par Adorno e Horkheimer pode ser vista coma
Mas coma enfrentar o tema dos sentidos da crftica na tradi9ao
a
razao suficiente para a reposii;;ao da tarefa da teoria: essa deve trazer
frankfurtiana sem incorrer nos mesmos dilemas? A safda encontrada
tona criterios normativos antecipados em arranjos institucionais e so
par De Caux e deslocar o foco: ao inves do sen ti do do termo crftica, que
ciais ja existentes, ao inves de apenas indiciados na negai;;ao determi
sugere de chofre uma teoria da crftica, a pergunta e pelos sentidos assu
nada de um·a totalizai;;ao tao falsa quanta efetiva. Em Honneth, o foco
midos pela crftica, ou seja, o aposto ao termo. Esse deslocamento, mar
vai de um a outro deficit: ao inves de sornente norrnativo, incide tam
cado par uma interpretai;;ao rnuito consistente do Adorno tardio, en
bem um sociol6gico. Desse modo, a redui;;ao do social ao imperativo
contra urna crftica "imanente" positiva, uma crftica imanente negativa e
da dominai;;ao sob condii;;oes capitalistas tanto coloca Adorno e Hor
uma crftica imanente "em geral", distini;;oes minuciosarnente desenvol
kheimer aguem da apresentai;;ao das capacidades interpretativas dos
vidas pelo autor, com grandes consequencias para a nossa posii;;ao, a de
sujeitos coma entes morais coma tambem clenota um amalgama es
pessoas gue lidam corn teoria crftica. Ou seja, o modo de ver aberto nos
trutural-funcionalista cego ao especffico agenciamento gue se da na
inclui coma parte do problem a, parte do impasse, pa rte de urn a sol u
dinamica do reconhecimento. Par seu turno, a via da separai;;ao "con a
i;;ao possfvel. Ta! rurno percorre o livro e, desde ja, convido leitura.
cretista" operada par Habermas entre os planos da reprodui;;ao mate
Como ultimo comentario, observo que se o caso e conceber o ato
a
rial e da produi;;ao simb6lica se enreda em entrave sociol6gico, cego
de urna crftica imanente negativa ou, nos terrnos propostos par De
superveniencia do conflito social sabre toda interai;;ao, fator precfpuo a
Caux, apontar dialetica os limites de seu nexo de imanencia e, com
do reconhecimento coma gramatica. Menas do gue clesenvolver o gue
isso, compreender-se coma negai;;ao da identidade, negai;;ao da ima
acabo de resumir, interessa-me notar gue gualquer autocompreensao
nencia, entao a pergunta se refaz: se essa negai;;ao exige que se passe ao
marcada simultaneamen te pelo par diagn6stico/cleficit e pelo ato do in
objeto, coma conclui o autor, podemos perguntar: qua! objeto?
dulto singular ou coletivo tera coma consequencia aquela diferencia
Parece-me que ha duas tendencias contemporaneas de resposta a
i;;ao par sobreposii;;ao, isto e, a inveni;;ao de tradii;;ao ali in ten tad a Sera
essa ultima pergunta, nao a que Luiz Philipe de Caux se faz, mas a que
sempre etapista, adote a expressao gue adotar: gerai;;ao, model as, cfrcu
ele lani;;a para que, entre tantas pessoas, tambem eu a fai;;a. A primeira
los, tradii;;oes. 0 peculiar, no caso, e que a teoria crftica da sociedade
dessas tendencias encontra seu objeto no mesmo lugar - em alguns
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111111111 _ ___,. . ................... - ....... ,.,.,. .., ,.,.,.IIIIIIIDIIIIIIIIIIIIIIIIIDIIUIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII- 11111111111111111111111n1111111111111ru1111u1111111•uu1111111mmwm111111u11umwu1111•u11111111111111i111HIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIUIIIIIUUWIIIIIIIIIIIJIIIIIIUII_II_UIUlllllllillllUIUI
A imanencia da crftica - Os sentidos da crftica na tradi~ao frankfurtiana e p6s-frankfurtiana
casos, o mesrno objeto - deixado por Marx. Uma tradic;ao de crftica,
sobretudo um metodo, se esboc;a a partir dos trac;os que vao de Adorno
a Marx, e desse a varios marxismos heterodoxos, e desses as teorias da
crise, e dessa a teoria do valor, e daf as analises da reproduc;ao da forma
de vida humana em face da 16gica da decomposic;ao que marca nosso
lntroduc;:ao
momenta na breve, ainda infinita existencia do capitalismo. Outra ten
dencia, bem mais incipiente, toma o mesmo objeto, mas por outro me
todo. Com os olhos no problema do sentido da crftica imanente nega
tiva, ha quern veja um metodo materialista que e o de Marx, mas tam
bem nao o e. Um rnetodo imanente voltado ao gue e residualmente o
objeto da crftica possfvel, um objeto mfnimo, quase indiscernfvel no
turbilhao que toma o contemporaneo como ponto de chegada. Tai me
todo, gue De Caux corretamente identifica, e tardiamente o metodo
de Adorno, desde sempre o metodo de Benjamin. Em outro lugar, ca
racterizei esse ponto de convergencia en tre os trac;os anteriores ea fide-
1i dade aside Benjamin a partir do problema da submersao no objeto.
Em um livro com tantos conceitos, argumentos e enigmas, ser esse um
daqueles nos guais Luiz Philipe de Caux concorde com o gue penso,
ora, eis o que chamo de um feliz encontro. Resenhando, no ano da morte de Adorno, uma compilac;ao de arti
gos de Horkheimer e o entao novo livro de Habermas, Conhecimento e
Eduardo Soares Neves Silva interesse, ambos publicados no ano anterior (momenta, portanto, mar
Belo Horizonte, novembro de 2020.
cante para a constituic;ao retrospectiva da teoria crftica frankfurtiana
como uma tradiqao de pensamento ), Rudiger Bubner diagnosticou
uma especie de impasse inerente ao conceito mesmo de uma teoria crf
tica. Porum !ado, esta em seu pr6prio conceito que ela nao pode deixar
de ser crftica de si mesma, precisa incluir a "autocrftica da teoria crf
tica"; por outro, e para ela igualmente uma determinar;ao fundamen
tal que ela nao possa, vol tad a a pen as para si mesma, esvaziar-se de con
teudo, num "dogmatismo da pura crftica enquanto tal". 0 gesto crftico
por excelencia e o do voltar-se da teoria para si mesma, e todavia ela
nao pode, nisso, perder de vista o objeto. Vale dar a palavra a Bubner:
O impulso crftico, que guarda numa forma modificacla a antiga pre
tensao da filosofia a verdadeira racionalidade e se propoe a reali
za-la ao menos negativamente junta a todos os fenomenos ideo-
16gicos que ja nao correspondem aquela pretensao, nao pode em
16 17
A imanencia da crftica - Os sentidos cla crftica na tradi,ao frankfurtiana e p6s-frankfurtiana
nenhuma circunstancia deter-se perante si mesmo e permitir, coma •ontinuidade - de que natureza seja - que de algum modo liga os te6-
uma excei;ao aberta a seu pr6prio caso, uma redui;ao ao status ino ri , s que atuam e atuaram junta ao lnstituto de Pesquisa Social. Mas
cente de uma mera teoria de uma disciplina especffica ao Jada de 1n smo a indica<;ao do impasse nao e senao um movimento de autorre-
outras; pois justamente a teoria crftica possui coma conte(1do essen
11 • ao da teoria. Ele pode ser considerado bem-sucedido se for capaz de
cial a reprovai;ao, em toda autocompreensao assim isolada e restrin
distinguir a autorreflexao que preserva e aperfei<;oa a rela<;ao da teor:a
gida da teoria, de um conceito encurtado de racionalidade, e, com
, 111 o seu conteudo daquela falsa autorreflexao que, na verdade, nao
isso, ao mesmo tempo cla funi;ao de encobrimento icleol6gico ea da
, mais que uma forma de autorreferencialidade que esvazia a teoria.
obstrui;ao da liberclade humana. 0 conceito crftico de teoria s6 e ca
Que crftica queira dizer, para a teoria crftica, autorreflexao da teo
paz de convencer se nao separar em lugar algum a crftica ea teoria,
inclusive nele mesmo. Pois a solidificai;ao nao se faz tangfvel apenas ria, isso e o que ja Horkheimer indicava com sua formula de que a teo
nas teorias consideradas pela crftica cla ideologia, mas tambem o pro ria crftica e crftica da teoria tradicional. Ora, aquilo de que Bubner ad
cedimento infinito de reflexao crftica em relai;ao a tais teorias pode v rte e justamente que, quando o processo de reflexao da teoria se au
se tornar dogmatico. 0 processo de reflexao pode se autonomizar de tonomiza, a reflexao abole a si pr6pria e aguilo que era a teoria ~rftica
ta] modo que as expl icai;6es te6ricas dessa especie se movem para a e torna uma "clisciplina especffica ao lado de outras": urna teona tra
margem coma comentarios exteriores, ao mesmo tempo que ocorre
dicional. Se isso acontece, por seguir se oferecendo institucionalmente
uma protei;ao contra as experiencias de fato realizadas, ainda que a
como guarcladora de lugar da crftica filos6fica da sociedade,_essa teoria
teoria crftica reivindique justamente a praxis1• a
e torna, como teoria tradicional, a teoria privilegiada crft1ca. Pois se
a
Se este e um risco inerente teoria crftica, nao se trata para ela, trata entao de corrigir, pela reflexao, a autonomiza<;ao da reflexao. A
naturalmente, de procurar uma especie de meio termo entre a Cila da reflexao autonomizada nao e um excesso de reflexao, mas ela rnesrna
carencia de reflexao (isto e, da "teoria tradicional") ea Carfbdis da au uma reflexao interrompida.
torreflexao autonomizada: a teoria crftica nao quer ser uma teoria re Este livro se dedica ao exame e a crftica do rnodo como uma es
flexiva ma non troppo. Recuperando em parte a considera<;ao de Bub pecffica cletermina<;ao cla crftica e tratada reflexi~arne~1te no int~rior
ner, Marc Sommer propoe para a teoria crftica a seguinte determina da mencionada tradi<;ao frankfurtiana: sua detenmna<;ao como crztzca
<;ao, numa formula<;ao tao simples quanta acertada: "O adjetivo cr[tica imanente. Ele compara, basicamente, clois grandes modelos autoclesig
significa, na teoria crftica, autorreflexao, a crftica da teoria a si mes a
nados de crftica imanente. De infcio, me associo discussao ma1s con
ma"2. Se a autorreflexividade e constitutiva da teoria crftica, ela nao
temporanea sobre a <letermina<;ao da crftica com base em tres auto
aclmite uma demarca<;ao de limites para alem dos quais toda reflexao
res que tomo por representativos desse cenario. Como Adorno se refe
e excesso prejudicial. E, no entanto, ela sempre amea<;a confundir-se,
riu a Husserl no livro que a ele declica, convem dizer que tratar desse
sobretudo quando se transforma em tradi<;ao institucionalizada, com
conjunto de autores "e o ensejo, nao a meta"3. As brechas e contrad1-
uma autotematiza<;ao que esquece daquilo em razao do que o temati
<;6es dessas teorias por assim clizer "menores", que tendem prov,~vel
zado existe. Esse risco atravessa, ate o presente, a h ist6ria da dita teoria
mente a encontrar pouca repercussao, explicitam algo sobre esse des
crftica da sociedade frankfurtiana, entendendo-se por isso aquele fio de
tino" da crftica. O primeiro capftulo interpreta o contexto de discussao
destes tres fil6sofos, Celikates, Stahl e Jaeggi, cada um deles autor de
1. BUB1\ER, RODICER, Was ist Kritische Theorie?, Philosophische Rundschau, 16 um livro recente sabre a determina<;ao da crftica, como um ponto de
(3/4), 1969, p. 215.
2. SOMMER, MARC NICOLAS, Was ist kritische Theorie? Prolegomena zu einer ne
gativen Dialektik, Zeitschrift fiir kritische Theorie, 2 l. Jg., H. 40/41, 20 l 5, p. 171. 3. ACS 5, p. 9 / MTC, p. 29.
18 19
1111111 _ ____. .,.., ..... ~ .............. IIIIIIIIIIIIIUUllllllllllllllllllUIIIIIIIIIIUIIIIIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIHIIIIWIIUIIIHll-11111111 lllllllllllllllfflllllllllllllllmlllllll llll111111111111111111IIDIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIUWIIIII-IIIIIIIIBIIIIIUHIIIIIIIIIIIIUIIDIIIIIUIIIIIDIIUUIIIUIIIIIIIIIIIUlllllmJUUIIIIIU.1111111-UIIIIIIIIUIIIIIIIUIIIIU-IIIIIIIU-•11111- 1111111111- 11,111- mm
A imanencia da crftica - Os sentidos da crftica na tradi~ao frankfurtiana e p6s-frankfurtiana
lntrodu~ao
esgotamento de uma especffica via de reflexao autonomizada da teo
n1zao - nesse tipo de retrocesso gue, sem duvida, nao e melhor que
1
ria crftica, ponto no qua] ela perde todo contato com o conteudo da
1 •r n9a no progresso, maliciosamente escarnecida."6 Tento mostrar
crftica. A sua analise e ensejo, portanto, para perseguir retrospectiva
11 •sle ]ivro que ha duas grandes concep96es autodesignadas de crftica
mente aquela via de reflexao autonomizada. Indo no encal90 desse fio
1111,mente, uma positiva (representada em sua forma mais coerente
cuja ponta se descobre, exploro no segundo capftulo o modo como
por Honneth) e uma negativa (representacla por Adorno), mas tam-
Axel Honneth (d o qua] agueles pod em ser considerados epfgonos,
1, •m que esta ultima, rejeitada por Honneth como apenas o primeiro e
mesmo guando lhe sao crfticos em rnaior ou menor grau) reintrodu
111ais elementar "nfvel de reflexao" da teoria crftica, pode ser lida antes
ziu e sintetizou, num mesmo gesto, a ideia de que a teoria crftica e uma
t·omo uma crftica imanente da pr6pria no9ao de crftica positiva - nao
tradi9ao estruturada como uma sequencia de nfveis de reflexao sobre si
•omo uma teoria irrefletida, portanto, mas antes como o grau mais
mesma, de um !ado, e, de outro, a pretensao de que a crftica precisa e
•I vado de reflexao.
pode ser imanente a seu objeto. De certo modo, portanto, os resulta
dos crfticos alcan9ados no primeiro capftulo se estendem e afetam cer
tas opera96es filos6ficas fundadoras da no9ao honnethiana de crftica
imanente.
0 primeiro capftulo adianta uma indica9ao gue sera seguida nos
seguintes. A analise das teorias da crftica dagueles tres au tores descobre
nelas pressuposta uma teoria do objeto da crftica. Elas indicam, por
tanto, a necessidade de uma inversao no modo de colocar a questao:
nao come9ar pela defini9ao do que ea crftica imanente, mas sim a do
gue e a imanencia da crftica. De fato, essa nova posi9ao do problerna
e como que deduzida da antiga. Ela se mostra como o modo conse
quente de lidar com o que o problema anterior deixa na sombra. Ora,
o que se mostra no terceiro capftulo e que ela corresponde ao modo
como Adorno pensara a guestao originalmente - e originalmente tam
bem porque ele e o primeiro a tematizar o conceito de crftica imanente
da sociedade como tal.
Que a filosofia e "seu tempo apreendido em pensamentos"4, que
ela tern um "nC1cleo temporal"\ isso nao significa que a filosofia hege
monica de um tempo carregue a sua verdade. Ela pode carregar jus
tamente sua inverdade. Postular o contrario seria acreditar ingenua
mente em seu progresso. "Tampouco a filosofia esta imune contra a
recafda - seja por um cientificismo de poucas luzes, seja por renegar
4. HW 7, p. 26.
5. DA, p. 13 / DE, p. 9.
6. ACS 10.2, p. 636 / PS, p. 59.
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