Table Of ContentMANOEL RODRIGUES FERREIRA
A FERROVIA DO DIABO
1a edição
Isbn: 9788583864141
LeBooks.com.br
Prefácio
Prezado Leitor
Há 108 anos, em 30 de abril de 1912, foi concluído o que se
considera o último trecho da ferrovia Madeira Mamoré,
popularmente conhecida como “Ferrovia do Diabo” em virtude do
grande desafio desde o seu início. Estima-se que inúmeras vidas
foram perdidas, aliás, que poucos foram os trabalhadores que
sobreviveram à insalubridade, fome, doenças como malária e
disenteria, falta de medicamentos, aliadas as condições de trabalho
precárias que eram minimizadas pelos empresários como um preço
a ser pago em benefício do progresso.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi inaugurada em 1912,
mas, só daria lucro nos dois primeiros anos de atividade. Fato
explicado pela queda vertiginosa da participação brasileira no
mercado da borracha, propiciada pela ascensão da concorrência
asiática que oferecia um produto de qualidade e de mais fácil
extração.
Logo, as atividades de Farquhar na Amazônia entraram em
falência. Aluízio Pinheiro Ferreira, em 1937, a mando de Getúlio
Vargas, assume a direção da ferrovia até 1966. Por fim, após 54
anos acumulando prejuízos, Humberto de Alencar Castelo Branco
determina a erradicação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
sendo substituída por uma rodovia.
A história dessa luta do homem contra a natureza, uma
verdadeira epopeia de uma das mais ambiciosas e trágicas obras de
engenharia realizadas no Brasil, é contada em detalhes, e com
muito talento, pelo jornalista e escritor Manoel Rodrigues Ferreira.
Uma excelente leitura
LeBooks Editora
Sumário
APRESENTAÇÃO
Sobre a obra
Apresentação das cachoeiras dos rios Madeira e Mamoré.
A FERROVIA DO DIABO
I - Século XVIII - O homem em luta com as cachoeiras I
I - A CONQUISTA
II - A EXPEDIÇÃO DE FRANCISCO DE MELO PALHETA
III - EXPLORAÇÃO DE LUÍS FAGUNDES MACHADO
IV - A COMISSÃO DE FRANCISCO JOSÉ DE LACERDA E ALMEIDA
V - A EXPEDIÇÃO FILOSÓFICA DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA
VI - UM PLANO DE NAVEGAÇÃO ENTRE PARÀE MATO GROSSO
VII - FINDA O SÉCULO XVIII
II - Século XIX - Tentativas fracassadas de construir a ferrovia
I - LIGAR A BOLÍVIA AO ATLÂNTICO PELO AMAZONAS
II - SURGE A IDEIA DE UMA FERROVIA
III - BRASIL E BOLÍVIA RESOLVEM CONSTRUIR A FERROVIA
IV - O BRASIL MANDA ESTUDAR UMA FERROVIA PELOS ENGENHEIROS
KELLER
V - O EMPRÉSTIMO GARANTIDO PELA BOLÍVIA
VI - FRACASSAM EM CONDIÇÕES DRAMÁTICAS
VII - SURGEM OS ESTADOS UNIDOS COMO POTÊNCIA INDUSTRIAL
VIII - O DRAMÁTICO E TRÁGICO FRACASSO DA GRANDE EMPRESA NORTE-
AMERICANA COLLINS
IX - O GOVERNO BRASILEIRO TOMA A INICIATIVA DE CONSTRUIR A
FERROVIA
X - A COMISSÃO MORSING
XI - A COMISSÃO PINKAS
XII - A REPÚBLICA
XIII - FINDA O SÉCULO XIX
III - Século XX - A ferrovia é construída, destruída e reconstruída
I - O TRATADO DE PETRÓPOLIS
II - A CONCORRÊNCIA
III - O ANO DE 1907 É INICIADA A CONSTRUÇÃO
VI - O ANO DE 1910
VIII - O ANO DE 1912 A FERROVIA É INAUGURADA
IX - SÃO INSTALADOS O MUNICÍPIO E A COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DO
RIO MADEIRA
X - "CADA DORMENTE REPRESENTA UMA VIDA HUMANA”
XIII - CONTINUA A RUMOROSA PENDÊNCIA SOBRE O PAGAMENTO DA
CONSTRUÇÃO
XV - SANTO ANTÔNIO E PORTO VELHO
XVI - A RUÍNA FINANCEIRA DE FARO UH AR E A SUA HUMILHAÇÃO
XVII - O GOVERNO FEDERAL ASSUME A ADMINISTRAÇÃO DA FERROVIA
XIX - É CRIADO O TERRITÓRIO FEDERAL DE RONDÔNIA
XX - VIAGEM PELA FERROVIA
XXI - A CONSTRUÇÃO DA RODOVIA CUIABÁ-PORTO VELHO
XXII - "THE JUNGLE ROUTE” E "THE LAST TITAN”
XXIII - A FERROVIA É DESATIVADA
XXIV - A FERROVIA É PRESERVADA E REATIVADA
APRESENTAÇÃO
Este livro é dedicado à memória de todos aqueles
que, desde o século passado, tombaram na
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
desde engenheiros a trabalhadores braçais,
brasileiros e de todas as nacionalidades, todos
empenhados em vencer uma das mais soberbas
manifestações da natureza na face da terra:
AMAZÔNIA
Sobre a obra
Em outubro de 1956, o fotógrafo profissional Ari André mostrou-
me uma vasta coleção de negativos de fotografias tiradas durante a
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, entre 1907 e
1912. Ele a obtivera do filho de um dos engenheiros que
trabalharam na construção e fora um dos seus primeiros diretores;
era ele Rodolfo Kesselring, que depois passara a residir em São
Paulo. O que se sabia sobre essa ferrovia era muito pouco, pois
sintetizado em duas frases famosas: era “a estrada dos trilhos de
ouro” onde “cada dormente representava uma vida humana”. Duas
frases de grande efeito, mas que não exprimem a verdade, como se
verá neste livro. Fui obrigado a uma pesquisa rápida para, cerca de
três meses depois, em janeiro de 1957, poder publicar no vespertino
A Gazeta, de São Paulo, uma série de reportagens históricas sobre
a construção, aproveitando o excelente material fotográfico para
ilustrá-la. A repercussão do trabalho jornalístico foi grande, pois o
público nada sabia sobre essa história, a não ser aquelas duas
frases célebres já citadas. Foi em consequência desse grande
interesse público que comecei a aprofundar as pesquisas históricas
que me permitiram escrever o livro A Ferrovia do Diabo, publicado
em 1960 pela Editora Melhoramentos, com grande número de fotos
da época da construção, o que aumentou o interesse pela obra.
Após a publicação da primeira edição deste livro, em 1960,
continuei as pesquisas documentais que enriqueceram
consideravelmente a segunda edição; mas esta não apareceu
somente enriquecida; o capítulo “Surgem os Estados Unidos como
potência industrial” foi totalmente reformulado, tendo em vista meus
estudos posteriores sobre o assunto, o que me permitiu dar um novo
tratamento, embora o seu sentido fosse ainda e exatamente o
mesmo. Além da ampliação do texto e da reformulação desse
capítulo, o livro também foi atualizado, ou seja, acham-se no final
relatados os acontecimentos que se sucederam após o ano de
1960. Acontecimentos também documentados, pois os fatos
publicados pela imprensa séria e responsável que não são
devidamente desmentidos passam a ser uma verdade histórica.
Este é, pois, um livro essencialmente de História, isto é, escrito
exclusivamente com base em documentos históricos. Pois,
conforme já sentenciou Fustel de Coulanges, se não há documento,
não há História. Meu trabalho de historiador foi o de pesquisar,
descobrir documentos, e dispor em ordem cronológica os fatos que
compõem esta história. Minha função foi a de estabelecer uma
ligação entre esses fatos, e explicá-los, para melhor entendimento
do leitor.
Esta história foi feita por homens, e eu nada mais fiz senão
fazê-los falar pela minha boca, ou, melhor dizendo, pela minha
escrita (os originais foram posteriormente datilografados). Esses
personagens do passado falam por meio dos documentos que
deixaram escritos. Evitei ao máximo fazer referências aos
documentos em rodapé ou indicando-os em finais de capítulo, pois,
se tal é necessário em obras acadêmicas, torna-se dispensável para
o grande público, para quem tal procedimento poderia causar
aborrecimento ou até parecer pedante. Aliás, não pretendo tornar
este livro uma obra de doutoramento. Aqueles, porém, que
desejarem localizar algumas transcrições ou informações, poderão
fazê-lo com facilidade, consultando a bibliografia existente no fim
deste volume. Devo dizer também que procurei ser ao máximo um
historiador imparcial dos acontecimentos que se desenrolam ao
longo do espaço e do tempo. Procurei desvincular-me de quaisquer
sentimentos, paixões, posições políticas, político-ideológicas etc.,
pois, em hipótese alguma, eu me prestaria a servir a qualquer
causa, por mais nobre que fosse, se para tanto tivesse de abdicar
da condição que dá dignidade à função do historiador, do escritor,
do jornalista, que é a de dizer a verdade.
Quando este livro foi publicado, em 1960, ele teve o mérito de
despertar a atenção da nacionalidade para uma então esquecida
ferrovia situada nos confins da Amazônia. Não fosse ele, a Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré teria acabado sem, ao menos, uma única
notícia de algumas linhas em jornal, tal como acabaram tantas
outras obras neste país, como, por exemplo, a Estrada de Ferro do
Tocantins ou a de Bragança, ambas no Estado do Pará. Mas é de
justiça dizer que o livro não teria existido se não fossem as
fotografias de Dana B. Merrill, que despertaram o meu interesse
pela história da ferrovia. Por outro lado, Dana B. Merrill não teria
deixado Nova York para vir aqui fotografar a construção da Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré, caso Percival Farquhar não tivesse tido
a ideia de contratá-lo para esse fim. Considerando a ironia das
coisas, se a estrada está sendo preservada e reconstruída,
devemos esse fato a Percival Farquhar. Honestamente falando, é
inútil tentar riscar o nome dessa figura tão controversa da história da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Mas é oportuno repetir aqui a razão por que dei ao livro o nome
de A Ferrovia do Diabo. Quando terminei de escrevê-lo, em 1959, e
o levei à Editora Melhoramentos, havia lhe dado o título de História
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Ao mostrar os originais para
o editor, este me disse que o título dava a impressão de se tratar de
um livro de engenharia ferroviária, essencialmente técnico, e que
seria melhor um título que expressasse a realidade da construção
da estrada, ou seja, as atribulações da sua história, tão cheia de
dramas e tragédias.
Voltei para casa com os originais, a fim de procurar um título
mais adequado à acidentada história que eu narrara
documentalmente. A caminho de casa, pensei nas duas frases pelas
quais a estrada geralmente era conhecida: “a estrada dos trilhos de
ouro” e “cada dormente representa uma vida humana”. Mas além de
serem frases muito extensas para título de um livro, elas não
expressavam a verdade, tanto que no texto eu as refutara utilizando
a lógica matemática, refutação que ainda se acha nesta edição. Eu
não poderia dar ao livro um título que era uma grande mentira. Ao
chegar à casa, comecei a folhear os originais para verificar se na
história poderia encontrar alguma sugestão para o título. E
encontrei. Passo a narrar como foi isso, reproduzindo o seguinte
trecho do prefácio publicado na primeira edição, datada de 1960.
“Finalizando este prefácio, vamos justificar o título deste livro.
Acima de Santo Antônio, existe a Cachoeira Caldeirão do Inferno.
Neville Craig, que descreveu a tragédia da empresa Collins, conta-
nos que os seus homens, ao chegarem a Santo Antônio em 19 de
fevereiro de 1878, ouviram de um dos poucos habitantes que ali se
achavam que naquele local o “diabo perdera as botas”. Aquele
mesmo autor, descrevendo as alucinações do irlandês Manning nas
selvas do Madeira, conta que este dizia que o “diabo o estava
lambendo”. Na edição do Jorna1 do Comércio do Rio de Janeiro, de
25 de setembro de 1885, o sr. José Nebrer, um dos componentes da
Comissão Pinkas, ao relatar os resultados dos trabalhos a ela
confiados, escreveu: “Enfim, a tal estaca de Guajará-Mirim tem
estado encantada: ainda não apareceu quem queira tomar a inteira
responsabilidade de a ter fincado; parece que o espírito maligno’ se
meteu nessa estaca...”. Ora, tudo isto sugere uma presença
diabólica. Na realidade, somente o diabo poderia ter criado tantas
situações e envolvido tanta gente nas suas artimanhas, as quais,
em análise, constituem esta história. O leitor verificará, pois, que ela
justifica o título.
Essa foi a origem do título A Ferrovia do Diabo dado ao livro.
Título romanesco, evidentemente. Mas que não mente ao leitor, pois
lendo esta história escrita exclusivamente com base em
documentos, ver-se-á que o homem, de livre e espontânea vontade,
jamais a teria vivido; somente o diabo poderia criar tantas
adversidades, infortúnios e desgraças. Assim, essa história
verdadeira - pois escrita exclusivamente com base em documentos -
prova aos céticos que o diabo existe. Por outro lado, a ferrovia
passou, desde então, a ser conhecida popularmente pelo nome de
“ferrovia do diabo”.
Não só popularmente, mas também em artigos, reportagens e
notícias em jornais, revistas, rádio e televisão, a Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré passou a ser mencionada como “a ferrovia do
diabo”. E em muitas dessas matérias jornalísticas já li que a
denominação “ferrovia do diabo” fora dada pelos trabalhadores da
construção, entre 1878 e 1912.
Quando a Editora Melhoramentos publicou a primeira edição
deste livro, em 1960, pensei que com ele estivesse encerrada a
história da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. E foi aí que me
enganei redondamente. Pois como se verá, pouco mais de dez anos
depois de publicada a primeira edição deste livro, reiniciou-se a
atribulada história da pobre ferrovia. E eu, que supunha ser somente
seu historiador, passei a ser também um dos seus protagonistas, um
dos seus personagens. Isto é, por um descuido do Senhor, o Diabo
passou novamente a dominar a ferrovia, a mudar o curso da sua
história. E nessa sua ação diabólica fui envolvido sem o perceber,
dela não mais podendo me desvencilhar. Aos leitores que creem
nessas estranhas e diabólicas forças sobrenaturais, peço que orem
por este pobre historiador e escritor, que nada mais aspira na vida
senão a viver em paz, e “possa escrever centenas de obras sobre
esta vida passageira”, conforme me desejou o ferroviário Macauley,
logo após ter sido eu passageiro do trolley de linha no qual ele me
conduziu de Porto Velho a Guajará-Mirim; infelizmente, para
Macauley, a vida foi realmente passageira, pois faleceu ele muito
cedo.
Para terminar o prefácio desta última edição, volto a falar do
fotógrafo Dana Merrill. Quando publicamos a primeira edição deste
livro, em 1960, fiz alusão ao fotógrafo que documentara a
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, sem citar lhe o
nome, pois no Brasil não encontramos, à época, dados que
pudessem identificá-lo. Mas o livro A Ferrovia do Diabo, um ano
após ser publicado, caiu nas mãos do norte-americano Frank W.
Kravigny, que trabalhara na construção da Madeira-Mamoré como
escriturário, no tempo em que Dana Merrill aqui estivera, e ao qual
dedicara páginas do seu livro The Jungle Route (O Caminho da
Selva), que me enviou, com expressivo autógrafo, no dia
21/10/1963. Fiquei sabendo mais detalhes sobre a vida de Dana