Table Of ContentMana Luisa de Almeida Paschkes
o Prlmdros Panos
e O que é Ditadun -- .4maÊ#oS Píndd
B O que é História -- UaW' /bcAno Borges A DITADURA SALAZARISTA
e O que é Poder -- Gámld Z.eó n
B O que 6 Revolução -- /R)/w@n Femandes
8 O que 6 Tortura -- Checo Mpttüso
1985
r
(;bpyri'g#f e) Mana Luisa de Almeida Paschkes
Responsável editorial:
Lilia Moritz Schwarcz
CkzPa;
Waldemar Zaidler
Revisão:
José W. S. Mordes
Sandrelei Navarro da Silvo
INDICU
Introdução . . 7
As Instituições Políticas do ' 'Estado Novo' ' 14
Está'atura Corporativa no Continente Português 21
O Ancien Régime de .Sa/azar.' a (lbncenrração na
Economia e os Desequilíbrios Regionais 40
A Emigração: O Feitiço contra o Feiticeiro S2
Fim de um ' 'Império Colonial' ' 68
Cbnc/zzsão 84
Indicaçõespara Leitura 88
Editora Brasilienso S.A
R. General Jardim, 160
01223 -- São Paulo -- SP
Fone (011 ) 231-1422
INTRODUÇÃO
A tarefa de esboçar as idéias de Antânio de Oli-
veira Salazar sobre o ''Estado Novo" implantado em
Portugal em 1933, e indicar o seu funcionamento
nal, justifica a construção desta pequena história
contemporânea portuguesa muito pouco difundida
entre nós. Ainda que alguns anos mais tarde no
Brasil tivéssemos conhecido igualmente um ''Estado
Novo", pouco se fez, no nível de nossa historiografia,
para se traçar um paralelo entre as ''nações irmãs
corporativas". Parece mesmo que a história dos des-
cobriihentos marítimos ou da colonização portuguesa
obscureceu também entre nós o desenvolvimento e a
continuidade de existência histórica daquele país,
como era, aliás, desejo de Salazar.
tara Castão, .Bmno e .4nífa
O limite é, portanto, no momento, um esforço
para indicar as razões históricas da implantação do
Ao Prof. Dr. J. Barrados de Carvalho,
em memóHa ''Estado Novo" português e simultaneamente foca-
lizar as suas instituições políticas e económicas,. ten-
.4o amigo .AnfóPzfoR osas
8 Mana Luisa de Atmeida Paschkes A Ditadura Salazarista 9
do em vista o conhecimentod e um Estado que se Sintomaticamente, porém, o malogro político
pretendia fortemente nacionalista. Esta é, alias, a vivido pelos republicanos durante dezasseisa nos --
principal polêmica introduzida na analise do caráter desde a implantação da república até o golpe militar
do "Estado Novo''. A discussãoé ainda difícil, na de 28 de maio de 1926 -- corresponde à trajetória de
medida que a queda do salazarismo tem pouco mais ascensão das doutrinas católica, corporativa e na-
de dez anos. Assim, sendo poucos os estudos espe- cionalistac om ''Deus, Pátria e Família'', em busca
cializados, torna-se necessária a consulta à literatura da ''regeneração'' da sociedade.
de oposição produzida ao longo dos quase cinqüenta Com a instalação do primeiro governo republi-
anos de ditadura, e que é necessariamentec ompro- cano, formado provisoriamente de 6 de outubro de
metida -- ''o salazarismo reimplantou o ,4nclen Ré- 1910 a 3 de setembro de 1911, poderia pensar-se num
gíme, "foi um sistema de corporações medieval'' e esfacelamento das forças católicas, em torno de uma
sobretudo ''um Estado fascista''. democraciac ristã ou de um catolicismos ocial, na
O esclarecimento destas questões produzidas e medida que um dos primeiros ates daquele govemo
reproduzidas durante o regime se faz necessário, na foi ter justamente promulgado a separação da Igreja
medida que elas possivelmente, ainda hoje, perma- e do Estado, de confiscar os bens religiosos, além de
neçam como obstáculos para a compreensão não só toda uma repressão popular às sedes da imprensa
do salazarismo, mas também pelo que se seguiu. católica. A reação dos militantes católicos, no entan-
As origens do ''Estado Novo'' podem ser perce- to, se daria em seguida, já nos. anos de 1912-1913,
bidas jâ nos primeiros anos do século XX, com a di- com o reaparecimento de inúmeras revistas especiali-
fusão em Portugal das ideologiasc atólicas e de ex- zadas: Cbfo/ícümo .Soca/ e Revela Caro/íca, de Vi-
trema direita francesas. As idéias do catolicismo so- seu; .4 Ordem, no Porto; .4 .FZ Crüfã, de Lisboa, e
cial de René de la Tour du Pin e Albert de Mun eram principalmente, O .Z/zzparcfa/, em 1912, do Centro
naturalmente encontradas na imprensa católica por- Académico da Democracia Cristã (CADC) de Coim-
tuguesa em 1907, onde se reafirmava o valor da ma- brã, cujos responsáveiss eriam Antõnio de Oliveira
nutenção da hierarquia social, o descrédito ao su- Salazar e o Padre Cerejeira -- ''a alma de um núcleo
frágio universal e ao parlamentarismo. Ora, desde já militante nas origens do Estado Novo''
a incorporação em Portugal das idéias contra-revo- Enquanto os católicos se recompunham, os go-
lucionárias é motivada por uma repulsa às idéias da vernos constitucionais, em especial aquele presidido
Revolução Francesa e às promessas socialistas, sem por Manuel de Arriaga (1911-1914), enfrentavam di-
no entanto impedir a vitória da República Portu- versas dificuldades: grave crise económico-financei-
ra, herdada da Monarquia e da Primeira Guerra
guesa a 5 de outubro de 1910.
r
10 Metia Luisa de Almeida Paschkes A Ditadura Salazarista 11
Mundial. Ainda que o país tivessep assado por Bma
bem-sucedida reorganização administrativa e conhe-
cido um equilíbrio orçamentário entre os anos de
1912-1913, pouco beneficiou-se, pois a entrada de
Portugal na Primeira Guerra deixaria um saldo de
cinco mi] mortos, nova desorganização económica, e
sobretudo constituiu-se em pretexto para acirrar os
conflitos políticos entre os republicanos -- o Partido
Democrático, dirigido por Afonso Costa; o Pai'tido
Evolucionista, chefiado por Antânio Jósé de Almei-
da; e o Partido Unionista, de Brita de Camacho.
As lutas políticas, no entanto, não se restrin-
giram aos detentores do poder. Atingiam também os
partidos rivais, tanto aqueles de tendência anarquis-
ta -- a Carbonâria, a Legião Vermelha, a Formiga
Branca e outros -- como aqueles situados à digita --
a Causa Monárquica, a Junta Central do Integra-
lismo Lusitano, o Partido Nacionalista que, .extinto
em 1911. cederia ]ugar para o Centro Católico Por-
tuguês (CCP), fundado em 1917, cuja principal fi-
gura seria Salazar.
h'.
à breve ditadura personalista de Sidânio Pais
f\q't«"I
(1917-1918), segue-se outro período conturbado da
Primeira República portuguesa: há a instalação de
um governo monarquista na região Norte do país, a B eja
chamada Monarquia do Porto( 19 dejaneiro de 1919), ALEN'TE .D
sendo derrotada em fevereiro do mesmo ano; as mu-
PORTUGAL
danças sucessivas de govemo -- nove presidentes em
ALGARVE
1920, outros cinco em 1921. De 1910 a 1926 Portugal
100 km
teria conhecido quarenta e cinco governose cento e
noventa e três ministros. Convulsão política esta em
12 Murta Luisa deA imeida Pmchkes A Ditadura Salazarista 13
razão mesmo da falida situação económica do país: e a Revolta da Madeira em 1931, foi constituído o
primeiro governo -- do presidente general Oscar
as greves sempre num crescendo refletiriam a cares-
tia de vida, além de uma forte mobilização operaria Carmona, que da presidência só sairia na morte em
favorecida pela criação da Confederação Geral do abril de 1951, e do professor de Economia da (Jni-
Trabalho em 1919; falência da situação monetária; versidade de Coimbrã, Antânio de Oliveira Salazar,
grave situação inflacionária; aumento da dívida in- enquanto ministro das Finanças.
terna e externa, etc. Com o orçamento equilibrado e a moeda esta-
bilizada, Salazar foi também nomeado em 1932p re-
Para além desta situação crítica em que se enco-
sidente do Conselho de Ministros. Logo comporta um
trava o país, existia ainda o ''incomodo'' que as
ministério civil para dar início a um governo com
greves operárias causavam à então burguesia demo-
normalidade constitucional (em oposição à situação
crática portuguesa. Esta, por não conseguir estru-
revolucionária saída da ditadura militar) .
turar um Estado do tipo clássicop ara conduzir a
Este governo, que durou mais de quarenta anos,
bom termo seus interesses e, por conseguinte, en-
teve, depois da morte política de Salazar em 1968,
gendrar o desenvolvimentoe o crescimento industrial
sua continuidade no período de ''liberalização'' de
ao lado das liberdades democráticas, foi buscar alhu-
Marcello Caetano e só terminaria com a Revolução
res um meio autoritário para a sua manutenção no
dos Cravos em 25 de abril de 1974.
poder.
Nas paginas seguintess ão indicados os princi-
Ora, o avanço de uma comente católica e anti-
pais aspectos de sustentação da ditadura salazarista:
parlamentarista, representada pelo CCP, conjugada
com alguns dos intelectuaisa grupadose m torno da além da ideologia corporativista impregnada nas
instituições políticas e económicas, são apontadas
revista .Seara .Inova (fundada em 1921), permitiu que
também as contradições geradas pelo próprio re-
se aspirasse a uma ditadura -- ''SÓ a ditadura nos
gime, como a emigração e a guerra civil colonial, que
pode salvar". O golpe militar de 28 de maio de 1926,
se acentuam a partir da década de 60. Fundamental'
que favoreceu a ascensão do catolicismo social de
mente, estas últimas significariam o ''lado fraco''
Salazar ao poder, encontroua poio não somenten os
desta ditadura, levando mesmo à sua derrota.
militantes do CCP, mas também nas dissidências re-
A oposição portuguesa é vista de forma breve e
publicanas, em particular do Partido Democrático.
incompleta. Por si s6, ela exigiria um amplo trabalho
Posteriormente, alguns republicanos se engajariam
que no momento foge aos objetivos deste livro.
na luta antifascista.
Uma vez consolidada a ditadura militar em 1926,
apesar de ter enfrentado a reação de fevereiro de 1927
&
A Ditadut'a Salazarista 15
nova acumulação fora dos ditames mercantis.
Por conseguinte, aquilo que Salazar teria com-
preendido por desordem significaria justamente uma
reordenação histórica. A debilidade económico-fi-
nanceira do país durante os primeiros anãs republi-
canos foi, em parte, herançad ireta de uma inade-
quação económica que a Monarquia teimava' em
prosseguir,c om a sua submissãoà Inglaterra, e por
outra, o atropeloc om a Primeira Guerra Mundial.
AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E por fim, por desordems ocial, Salazar teria se
DO ''ESTADO NOVO'' referido à falta de um governo autoritário e centrali-
zador, que. entre outras medidas, estabeleceria o
corporativismo, além de proibir o direito de greve,
conquistado na Primeira República.
Salazar encontrou o país, segundo ele mesmo, A revolução de 28 de maio de 1926 empreendida
pelos militares constituiu-se assim num desfecho au-
numa ''desordem estabelecida": desordem política,
l desordem financeira, desordem económica, e, final- toritário de um momentoe sgotado. E Salazar a en-
mente, desordem social. tendeu como uma ''revolução nacional'', pois teria
A desordem política passava naturalmente pela precedido sua doutrina integral de Estado, com pro-
crise das instituições republicanas internas que, ao pósito "essencialmente popular" que foijaria um
longo de dezesseisa nos, levariao país a viver, no susten!táculo ideológico para o seu ''governo sem po-
entanto, um dos momentos mais significativos de sua lItICa,
história. A Primeira República portuguesa teria re- A organização do ''Estado Novo'' no Portugal
presentado uma fase intermediária entre a Monar- continente( extensivoà s Ilhas da Madeira e Açores),
foi implantada pela Constituiçãoe pelo Estatuto do
quia, que em sua fase final se revelava um obstáculo
Trabalho Nacional (ETN) em 1933 sob a presidência
para o desenvolvimento do capitalismo liberal,..e o
de Salazar no Conselho de Ministros.
período salazarista, que, historicamente, garantiu a
As ex-colónias portuguesas -- Angola, Moçam-
constituição do capitalismo monoggjista. Desta for-
bique, Guiné-Bissau e as Ilhas de Cabo Verde, S.
ma, a Primeira República fotHambém o momento
Tomo e Príncipe de Temor, além do ''Estado da
histórico-político que corresponderia à tentativa de
Índia" (Goa, Damão e Diu) e Macau -- eram regidas
implantação de um Estado do tipo clássico para uma
16 olaria Luisa de Almeida Pascltkes A Ditadura Salazarista 17
por um estatuto à parte: o ''Ato Colonial'', que junto vação ulterior (ans. 94 e 97).
com a Constituição, soheria algumas modificações Outro elementoq ue compunha a base organi-
ao longod os anos por imposiçãom esmo das mu- cista do novo Estado era a Câmara Corporativa,
danças conjunturais do salazarismo. composta pelos representantes das Corporações, das
Para pâr em pratica esta nova Constituição Sa- Câmaras e dos Conselhos Municipais. Em princípio,
lazar realizou um plebiscito naquele mesmo ano. O a Câmara Corporativa tinha üm carâter de auxiliar
descrédito da população com relação a esta consulta face à Assembleia Nacional, mas no conjunto da or-
ganização política portuguesa seu papel era muito
governamental deu aSalazar a oportunidade de apli-
car a ''verdade de uma certa doutrina'', uma vez que mais amplo. Tratava-se, de fato, de um órgão cujo
as abstençõefso ram, dramaticamentec,o ntadasa objetivo era manter os ''interesses sociais" em cada
favor. domínio administrativo, moral, cultural e económico
O desvendar do entrelaçanento autoritário do (art. 102). Portanto, não é por acaso que a Câmara
salazarismo passa necessariamente pela descrição e Corporativa fiscalizava todos os proüetos de lei antes
análise desta Constituição, onde a soberania da na- de serem discutidos na Assembleia Nacional, apesar
de, oficialmentes, euc aráters er consultivo(art.1 03.)
ção portuguesa estava assegurada pelo chefe de Es-
tado, a AssembleiaN acionale seu órgão auxiliar, a Quanto ao governól este era composto pelo pre-
Câmara Corporativa, o Governo e os Tribunais. sidente do Conselho de Ministros e pelos ministérios.
A cúpula da hierarquia portuguesae ra ocupada A posição do presidente do Conselho de Ministros,
pelo presidented a República, eleito pelo sufrágio além de Ihe permitir ocupar um ou mais ministérios,
universal e direto por um período de sete anos, com ainda Ihe concedia poderes de fixar as diretrizes da
as atribuiçõese tarefas comuns de um chefe de Es- ação governamental, coordenar e dirigir as atividades
tado, mas que Ihe permitiam, no entanto, um poder de todos os ministérios (ans. 106, 107 e 108).
mais centralizador- - pelo reforço do Executivo e Por fim, os tribunais, cujas atribuições são, em
todos os itens constitucionais, limitadas. Existiam os
pela ingerência deste no Legislativo (art. 81.).
Em seguida,a AssembleiaN acional,q ue, entre tribunais ordinários(onde os juízes eram vitalícios) e
os especiais. A lei reservava para os crimes sociais
tantas atribuições, conferia, porém, autorizações le-
gislativas ao governo (art. 91.). Assim, a Assembleia ou contra o Estado a criação de tribunais especiais,
Nacional, que funcionava somente durante três me- os plenários, sem mencionar a qualificação dos juízes
ses por ano, permitia que Salazar, investido da pre- (art. 116). Ou ainda, como no art. 123, onde as pe-
sidência do Conselho de Ministros, legislasse no res- nalidades e as medidas de segurança seriam postas
tante do período por meio de decretos-lei, sem apro- em pratica para a prevenção e a repressão de crimes,