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NNOO EESSPPAAÇÇOO IIII
Arthur C. Clarke
Título original: 2010: Odissey Two
Tradução de: José Eduardo Ribeiro Moretzohn
2ª Edição
Editora Nova Fronteira
Digitalizado, revisado e formatado por SusanaCap
Nota do Autor
O romance 2001: uma odisséia no espaço foi
escrito durante os anos de 1964 a 1968 e publicado
em julho de 1968, logo depois do lançamento do filme.
Segundo narrei em Os mundos perdidos de 2001, os
dois projetos se processaram simultaneamente,
alimentando-se das duas fontes. Passei, assim, muitas
vezes, pela estranha experiência de rever o
manuscrito depois de assistir a copiões baseados em
versão anterior da estória — uma maneira
estimulante, mas muito custosa, de se escrever um
romance.
Por conseguinte, existe, entre o livro e o filme,
um paralelo bem mais próximo do que o que costuma
existir, embora existam diferenças de peso. No
romance, o destino da espaçonave Discovery era
Japetus, a mais enigmática das muitas luas de
Saturno. O sistema saturnino foi alcançado via Júpiter:
o Discovery aproximou-se bastante do planeta
gigante, valendo-se de seu enorme campo
gravitacional para produzir um efeito ''estilingue" e
para acelerá-lo ao longo da segunda volta do trajeto.
As sondagens espaciais do Voyager, em 1979, ao
fazerem o primeiro reconhecimento detalhado dos
gigantes mais afastados, usaram exatamente a mes-
ma manobra.
No filme, entretanto, Stanley Kubrick sabiamente
evitou confusão ao colocar o terceiro confronto do
Homem com o monolito entre as duas luas de Júpiter.
Saturno ficou inteiramente de fora no roteiro, embora
Douglas Trumbull tenha usado a perícia então adqui-
rida para filmar o planeta anelado em sua própria pro-
dução, Silent running.
Ninguém teria imaginado, remontando aos mea-
dos da década de 1960, que a exploração das luas de
Júpiter fosse situar-se, não no século seguinte, mas
somente quinze anos depois. Nem alguém jamais
sonhou com as maravilhas que nelas seriam
encontradas — temos certeza quase absoluta,
entretanto, de que as descobertas dos Voyager
gêmeos serão um dia ultrapassadas por achados ainda
mais inesperados. Quando 2001 foi escrito, Io, Europa,
Ganimedes e Calisto eram meros alfinetes de luz
mesmo no telescópio mais poderoso; hoje são
mundos, cada um único, e um deles, Io, é o corpo
vulcanicamente mais ativo no Sistema Solar.
Mesmo assim, considerando-se tudo isso, tanto o
filme quanto o livro, à luz destas descobertas,
resistem razoavelmente bem, e é fascinante se
compararem as seqüências de Júpiter, no filme, com
as filmagens reais das câmeras do Voyager. Mas, é
claro, tudo o que for escrito hoje tem que incorporar
os resultados das explorações de 1979: as luas de
Júpiter já não são mais território não-cartografado.
E há um outro fator psicológico, mais sutil, a ser
levado em conta. 2001 foi escrito numa era que está
hoje além de uma das Grandes Divisões na história
humana; nós nos separamos dela para sempre no ins-
tante em que Neil Armstrong pôs o pé na Lua. O dia
20 de julho de 1969 ainda se situava meia década no
futuro quando Stanley Kubrick e eu começamos a pen-
sar no "proverbialíssimo filme de ficção científica" (fra-
se dele). Hoje, história e ficção estão
inextricavelmente entrelaçadas.
Os astronautas da Apolo já haviam visto o filme
quando partiram para a Lua. Os tripulantes da Apolo
8, que, no Natal de 1968, vieram a ser os primeiros
homens a pôr olhos na Face Oculta da Lua, contaram-
me que ficaram tentados a mandar de lá uma mensa-
gem informando a descoberta de um imenso monolito
negro... que pena, a discrição prevaleceu.
E houve, depois, casos quase misteriosos em que
a natureza imita a arte. De todos, o mais estranho foi
a saga da Apolo 13 em 1970.
Já como uma boa abertura, o Módulo de
Comando, que abriga a tripulação, fora batizado
Odisséia. Pouco antes da explosão do tanque de
oxigênio, que fez abortar a missão, os tripulantes
ouviam o tema de Zaratustra, de Richard Strauss, hoje
universalmente identificado com o filme. Logo em
seguida à perda de força, Jack Swigert mandou
mensagem ao Controle da Missão: "Houston, tivemos
um problema". As palavras que HAL utilizou dirigindo-
se ao astronauta Frank Poole, em ocasião semelhante,
foram: "Desculpe interromper as festividades, mas
estamos com um problema".
Quando publicado o relatório da missão Apolo 13,
o Administrador da NASA, Tom Paine, mandou-me
dele uma cópia e, abaixo das palavras de Swigert,
observou: "Exatamente como você disse que iria acon-
tecer, Arthur". Sensação muito estranha ainda se apo-
dera de mim quando contemplo toda essa série de
acontecimentos — quase como se, de fato, pesasse
sobre mim uma certa responsabilidade.
Há uma outra repercussão menos séria, porém
igualmente contundente. Uma das seqüências mais
brilhantes, no plano técnico, no filme foi aquela que
mostra Frank Poole correndo em volta da pista circular
da centrífuga gigante, cujo giro, produzindo a
"gravidade artificial", mantinha-a no lugar.
Quase uma década depois, os tripulantes do
Skylab — soberbo, de tão exitoso — perceberam que
os projetistas lhes haviam proporcionado geometria
semelhante: o anel de armários de armazenagem
formava uma faixa circular, uniforme, à volta do
interior da estação espacial. O Skylab, entretanto, não
girava, o que não deteve, porém, seus engenhosos
ocupantes. Descobriram eles que poderiam correr em
volta da pista, feito camundongos numa jaula de
esquilos, produzindo um resultado visualmente
indistinguível do exibido no 2001. E para a Terra
televisaram todo o exercício (preciso dar o nome da
música de acompanhamento?) com o comentário:
"Stanley Kubrick deveria ver isso." Como o viu na
ocasião devida, pois mandei-lhe uma gravação em
telecine. (Não a recebi de volta; Stanley usa, para
sistema de arquivamento, um Buraco Negro
domesticado.)
Ainda, outro elo entre filme e realidade é a pintu-
ra "Perto da lua", do Comandante da Apolo — Soyuz,
Cosmonauta Alexei Leonov. Vi-a pela primeira vez em
1968, quando 2001 foi apresentado à Conferência das
Nações Unidas sobre Usos Pacíficos do Espaço
Exterior. Logo após a projeção, Alexei mostrou-me que
seu conceito (à página 32 do livro de Leonov e
Sokolov, As estrelas estão à nossa espera, Moscou,
1967) exibe precisamente a mesma disposição que a
da abertura do filme: a Terra elevando-se por trás da
Lua, e o Sol elevando-se por trás de ambos. O esboço
autografado está hoje na parede de meu escritório;
para maiores detalhes, ver Capítulo 12.
Talvez seja esta a hora apropriada de identificar
um outro nome, não tão conhecido, que aparece
nestas páginas, o de Hsue-shen Tsien. Em 1936, com
os grandes Theodore von Karman e Frank J. Mallina, o
Dr. Tsien fundou o Laboratório Aeronáutico
Guggenheim do Instituto de Tecnologia da Califórnia
(GALCIT), ancestral imediato do famoso Laboratório de
Propulsão a Jato, de Pasadena. Foi também o primeiro
Catedrático "Goddard" em Caltetch, e, durante o
decênio de 1940, muito contribuiu para a pesquisa de
mísseis norte-americanos. Mais tarde, num dos
episódios mais infelizes do período macarthista, sob
alegadas acusações contra a segurança, foi preso
quando quis regressar ao país natal. Tem sido,
durante os dois últimos decênios, um dos líderes do
programa de mísseis chinês.
Há, por fim, o estranho caso do "Olho de Japetus"
— Capítulo 35 do 2001. Ali narro a descoberta do
astronauta Bowman, na lua de Saturno, de uma coisa
curiosa: "uma oval branca, brilhante, de cerca de
seiscentos e cinqüenta quilômetros de comprimento e
trezentos e vinte quilômetros de largura...
perfeitamente simétrica... e de borda tão nítida que
quase parecia... pintada sobre a face da pequena lua".
Ao aproximar-se, Bowman convenceu-se de que "a
elipse brilhosa, impressa no fundo escuro do satélite,
era um olho enorme e oco que o fitava à medida que
ele se aproximava..." Mais tarde, notou "a manchinha
pequenina bem no centro", que vem a ser o Monolito
(ou um de seus avatares).
Bem, quando o Voyager 1 transmitiu as primeiras
fotografias de Japetus, evidenciou-se nelas de fato
uma oval branca, grande, bem definida, com uma pe-
quenina mancha preta no centro. Do Laboratório de
Propulsão a Jato, Carl Sagan logo mandou-me uma
cópia, com o comentário críptico: "Pensando em
você..." Não sei se me sinto aliviado ou desapontado
que o Voyager 2 tenha deixado a questão ainda em
aberto.
Inevitavelmente, portanto, a estória que vocês
estão em vias de ler é algo bem mais complexo que
uma continuação direta do romance anterior — ou do
filme. Nos pontos onde os dois diferem, segui a versão
cinematográfica; preocupei-me mais, entretanto,
em tornar este livro conseqüente, e o mais acurado
possível à luz do conhecimento atual.
Que, é claro, estará mais uma vez desatualizado
por volta de 2001...
Arthur C. Clarke
Colombo, Sri Lanka
Janeiro de 1982
***
II.. LLeeoonnoovv
1. No Local de Encontro
Mesmo nesta era métrica, era ainda o telescópio
de mil pés e não o de trezentos metros. O grande
disco, fixado entre as montanhas, já se sombreava
pela metade com o cair lépido do sol rumo ao repouso,
mas o suporte triangular, em cujo centro se erguia,
bem alto, o complexo da antena, ainda refulgia de luz.
Do chão, bem lá embaixo, olhos aguçados seriam
necessários para reparar nas duas figuras humanas
naquele labirinto aéreo de longarinas, cabos de
sustentação, direciona-dores de ondas.
— Chegou a hora — dizia o Dr. Dimitri Moisevitch
ao velho amigo Heywood Floyd — de conversarmos
sobre muita coisa. Sobre botas, espaçonaves e lacres,
mas principalmente de monolitos e computadores com
defeito.
— Então foi por isso que você me tirou da
conferência! Não que eu me importe; já ouvi o Carl
tantas vezes fazer aquela palestra sobre o SETI que
sei repeti-la eu mesmo. E a vista é mesmo fantástica;
sabe, das vezes em que vim a Arecibo, nunca estive
aqui na alimentação da antena.
— Que pena, eu já estive aqui três vezes. Imagi-
ne, estamos ouvindo o universo inteiro, mas nós dois
ninguém conseguirá entreouvir. Vamos, então,
conversar sobre o seu problema.
— Que problema?
— Para começar, por que você teve que renunciar
ao cargo de Presidente do Conselho Nacional de
Astronáutica?
— Eu não renunciei. A Universidade do Havaí
paga muito melhor.
— Está bem, você não renunciou; você estava um
passo à frente deles. Você não consegue me tapear,
Woody, depois de tantos anos, e devia parar de tentar.
Se lhe oferecessem o CNA de volta nesse instante,
você hesitaria?
— Muito bem, seu velho cossaco! O que você quer
agora?
— Primeiro, naquele relatório que você finalmente
fez, depois de tanta insistência, muitas coisas não
fecham. Isto sem falar no sigilo ridículo e, para sermos
francos, ilegal, com que seu pessoal escavou o
monolito de Tycho.
— A idéia não foi minha.
— Folgo em sabê-lo, e acredito em você. E
gostamos do fato de você agora deixar que todos
examinem a coisa... o que, é claro, você deveria
ter feito em primeiro lugar. Não que tenha tido alguma
utilidade...
Houve um silêncio desalentador enquanto os dois
contemplaram o enigma negro lá no alto, na Lua, ain-
da desafiando, sobranceiro, todas as armas que a
engenhosidade humana seria capaz de usar contra ele.
Em seguida, continuou o cientista russo:
— Bem, seja o que for o monolito de Tycho, há
algo mais importante lá em Júpiter. Foi para lá que ele
mandou sinais, afinal. E foi lá que seu pessoal se
meteu em apuros. Sinto por isso, aliás... embora
Frank Poole fosse o único que eu conhecesse
pessoalmente. Eu o conheci no Congresso de 1998
da FAI... me pareceu um bom homem.
— Obrigado; todos eram bons. Eu gostaria de
saber o que aconteceu a eles.
— Seja o que for, agora você tem que admitir que
é uma preocupação de toda a raça humana, e não só
dos Estados Unidos. Você já não pode mais usar o seu
conhecimento para benefício meramente nacional.
— Dimitri, você sabe muito bem que o seu lado
teria feito exatamente a mesma coisa. E com sua
ajuda.
— Você tem toda razão. Mas isso é história anti-
ga, assim como o é aquele seu governo recém-saído,
responsável por toda a confusão. Com um novo
Presidente, talvez prevaleçam conselhos mais sábios.
— É possível. Você tem sugestão a fazer, e seriam
oficiais ou simples esperanças pessoais?
— Tudo extra-oficial no momento. É o que os
políticos sanguinários chamam conversas de
sondagem. E que eu negarei, terminantemente, que
tenham ocorrido.
— É justo. Continue.
— Bem, é essa a situação. Vocês estão montando
o Discovery II com toda a pressa possível, na órbita do
estacionamento, mas não têm esperanças de
completá-lo em menos de três anos, o que significa
que irão perder o próximo corredor de lançamento...
— Não nego, nem confirmo. Lembre-se de que
eu não passo de um humilde reitor de universidade, o
outro lado do mundo perante o Conselho de Astronáu-
tica.
— E a sua última viagem a Washington não pas-
sou de um feriadozinho, acho eu, para ver velhos
amigos. Continuando: o nosso próprio Alexei Leonov...
— Pensei que vocês fossem chamá-lo de Gherman
Titov.
— Errado, Reitor. A velha CIA os derrubou de
novo. É Leonov, até janeiro era. E não diga a ninguém
que eu lhe contei que ele vai chegar a Júpiter no míni-
mo com um ano de dianteira sobre o Discovery.
— E que ninguém saiba que eu lhe contei que
estamos com medo disso. Mas, vamos, prossiga.
— Meus chefes são tão imbecis e míopes quanto
os seus, e por isso querem fazer a coisa sozinhos. O
que significa que o que quer que saia de errado com
vocês pode acontecer conosco, e nós estaremos de
volta à estaca zero... ou pior.
— O que você julga que tenha saído errado?
Estamos tão frustrados quanto vocês. E não me diga
que vocês não têm todas as transmissões de Dave
Bowman.
— Claro que temos. Até a última "Meu Deus, está