Table Of Content1 INTRODUÇÂO
A ascensão de um grupo armado do Oriente Médio fomentando uma
lista de ameaças mundiais nunca foi tão rápida como a do grupo extremista
autodenominado Estado Islâmico. Este movimento, historicamente, nasce
como parte de uma organização conhecida com al-Tawid wal-Jihad que, sob
o comando de Abu Musab al-Zarqawi, mudou seu nome para Estado
Islâmico pouco tempo depois do seu surgimento. Seu sucesso e fama são
resultados direto de seus métodos inovadores e nada convencionais já que,
aliado à um discurso religioso arcaico, estão elementos da modernidade
como a tecnologia da informação e o pragmatismo político tanto em suas
manobras militares e como também no recrutamento de novos adeptos.
Assim, o que causaria espanto e surpresa ao mundo atual seria o
fato de que, paralelo à ambição de se criar um Califado, que nada mais é do
que um estado totalmente mulçumano, demonstra, também, que suas fontes
de ideologia religiosa e poderio militar construíram uma sincronia perfeita
entre o milenar e medieval sistema político-religioso do islamismo e o mundo
globalizado.
Joseph S. Nye Jr., em seu livro O Paradoxo do Poder Americano
apresenta uma definição básica sobre o significado de poder. Segundo ele o
poder nada mais é do que a capacidade de se obter os resultados que se
deseja, mesmo que, para isso, seja necessário modificar o comportamento
do outro para obtê-lo.
Esta definição dada por Nye sobre o que seria a dominação de um
sobre o outro, ilustra bem a forma de poder e dos métodos modernos e
pragmáticos usados pelo EI (forma com que doravante a monografia referir-
se-á ao Estado Islâmico) para tornar-se bem-sucedido em sua empreitada,
qual seja, a criação de um estado estruturalmente muçulmano. Esta
condição, inclusive, o difere de outros grupos jihadistas (termo árabe para
"Guerra Santa") que oferecem uma recompensa pós-morte pois, nesse caso,
o El prega uma ideologia baseada na própria concepção do estado político
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físico e terreno na medida que oferece uma bonança terrestre, um galardão
"real" na personificação do Califado.
Nye demonstra também que esta suposta capacidade de se obter
resultados geralmente está associada à posse de certos recursos, tais como
população, território, recursos naturais e uma economia forte, além de uma
força militar estabilizadora e um sistema ideológico robusto. Diferente de
outros grupos jihadistas, o EI percebeu que, para conseguir consolidar um
Califado forte e ser bem-sucedido em sua Jihad, teria de inovar em seus
métodos de ação tanto no sentido militar quanto no ideológico, para isso
construindo a idealização do estado mulçumano como algo supremo a ser
incansavelmente buscado bem como os meios de conquistá-lo, isto é, as
táticas e, por fim, o merecido prêmio de sua Jihad.
Enquanto Al-Qaeda e o Talibã tinham como principal fonte de
disseminação ideológica as escolas e mesquitas o EI, fugindo à regra,
passou a ter como um de seus pilares as conquistas da globalização, tais
como a modernidade da internet a qual adequou-a à sua estrutura
organizacional de poder e, somando-se à isso, dois métodos utilizados com
bastante frequência desde as grandes guerras mundiais por países do
Ocidente e principalmente pelos Estados Unidos.
Estes dois métodos de estruturação de poder estão contidos em
dois conceitos fundados por Nye muito usados nas teses de relações
internacionais e que ficaram conhecidos como soft power (poder brando) e
hard power (poder bruto) os quais, em linguagem simples, nada mais seriam
do que uma junção do poder bélico, visível, com o poder de coação,
imperceptível, através de símbolos "pop" provocando alteração da realidade,
esta, magificada e em conjunto com um sistema de princípios políticos e
comportamentais. Nye apresenta alguns aspectos acerca destes dois
métodos de estruturação de poder afirmando que:
“É claro que os poderes bruto e brando estão relacionados
e se reforçam mutuamente. Ambos são aspectos da capacidade de
alcançarmos os nossos objetivos afetando o comportamento dos
outros.” (Joseph S.Nye Jr,2003,p 32)
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Nye, evidentemente, refere ao poderio norte-americano. No caso do
EI esta estratégia de poder, atualíssima, funde-se à um islamismo medieval,
criando um novo conceito para a Jihad mulçumana, tornando-a não apenas
um caminho a se seguir para a realização de um desejo tanto de
mulçumanos xiitas como sunitas que é a construção de um Califado mas,
também, um meio de transmissão de uma mensagem de poder, tanto para
inimigos próximos, os xiitas, como para os distantes (Ocidente) através do
processo de espetacularização da “Guerra Santa”, com a transmissão de
suas execuções e tomadas territoriais através de vídeos e páginas em redes
sociais. Segundo o que Loretta Napoleoni, especialista em terrorismo afirma
em seu livro A Fênix Islamista (2013):
“O que diferencia o Estado Islâmico das demais
organizações é o uso que ele faz das demais tecnologias para
divulgar barbaridades dessa espécie e promover a própria
causa, associando suas produções midiáticas ao noticiário
mundial. Na véspera do início da Copa do Mundo de 2014, por
exemplo, o EI divulgou pelo Twitter uma partida de futebol
disputada por seus membros em que as “bolas” usadas eram
as cabeças decepadas de seus opositores”. (Loretta Napoleoni,
2013,p.69)
Essa nova forma de conduzir sua Jihad fez do Estado Islâmico o
primeiro grupo terrorista pós século XX a redesenhar o mapa do Oriente
Médio, este anteriormente resultado de uma configuração da geopolítica
ocidental, isto é, as grandes potências imperialistas da Primeira Guerra.
Conseguindo conquistar um território que em extensão territorial se
equivaleria à Grã Bretanha. A especialista em terrorismo Loretta Napoleoni,
afirma também que:
“Apesar dos métodos aparentemente medievais com
que trata questões de respeito à ordem jurídica e de
obrigatoriedade de observância de padrões de comportamento
social, considerar o El uma organização fundamentalmente
retrógrada seria um erro.” (Napoleoni,2013, p. 16).
Mas o Estado Islâmico, em contrapartida de suas ações de
conquistas bárbaras e violentas tem, como parte de seus métodos de
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relação de poder, usar de forma mais intensa o seu soft power ao criar para
as comunidades conquistadas uma certa estrutura social. É comum em
cidades conquistadas, que o EI construa cozinhas comunitárias, conserte as
estradas e o sistema de distribuição elétrica, passando à população recém
subjugada um sentimento positivo e de adesão em resposta às mudanças
efetuadas. Assim, ao que parece, o EI vem aplicando o que Nye diz em
relação aos aspectos que baseiam a estruturação de poder de um estado. E,
ao que parece, também utilizam-se do conceito de relação de poder que
Manuel Castells (2009), afirma em seu livro O Poder da Comunicação,
quando aborda aspectos dessas relações entre o conquistador e o
conquistado.
Importante, também, ressaltar que, nessas relações de dominação
política, o poder nunca é absoluto; o dominador deve sempre prever a
possibilidade de resistência por parte do subjugado. Em um trecho de seu
texto o autor esclarece que:
“Há sempre uma possibilidade de resistência que
questiona esta relação. Além disso, em qualquer relação de
poder, há certo grau de consentimento e aceitação do poder
por parte daqueles sujeitos” (Castells, 2009, p. 58).
Como afirma Castells, em qualquer relação de poder tem que existir
a aceitação do subjugado. O EI parece ter entendido isso, uma vez que
investiu para além de um espetáculo de horror e medo jogando suas fichas
em uma mescla de shows que variam entre a barbárie de execuções (muitas
delas filmagens das gargantas das vítimas sendo cortadas) e a solidariedade
da assistência social aos conquistados, além do discurso sedutor. O EI além
de estar transformando sua Jihad em um espetáculo multifacetado está,
também, segmentando-a e, ao que parece, dividindo e modificando o
conteúdo de suas mensagens de acordo e dependendo do público que ele
escolheu alcançar, assim como também a manipulação dos sentimentos que
quer despertar, seja de ódio ou amor.
O El não apenas conquistou um vasto território entre as fronteiras
sírias e iraquiana como está criando uma nova forma de Jihad com o mesmo
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princípio e meta: o Califado. O que vem sendo alterado pelo EI faz parte de
uma forma inovadora de propagá-la, usando as redes de comunicação
globalizadas como força motora para suas conquistas, isto é, está
transformando seu processo de criação de um estado mulçumano em um
espetáculo midiático, com execuções transmitidas através de vídeos no
YouTube, hashtags no Twitter.
O EI causa espanto no Ocidente não apenas por sua barbárie
escancarada mas, sim, por estar se tornando tão bom quanto ele na criação
de mitos e na aceitação de um conflito. Embora suas capacidades bélicas
não sejam o bastante para resistir a uma investida internacional, o problema,
no entanto, não é este mas consiste no eixo em que o EI está estabelecendo
a sua jihad, ou seja, um outro front: a mídia. Eis aí o fator principal que está
criando uma sensação de impotência aos do lado ocidental, causando um
sentimento de revolta de um lado e de aceitação de outro. O que o Ocidente
enxerga neles é exatamente o que eles querem que seja visto. Isso assusta
o Ocidente sobremaneira, pois as chances no campo da manipulação
ideológica se restringem e muito para o lado que sempre fez uso dela: o lado
do Ocidente.
Este novo grupo jihadista, de ideias tão prosaicas e ao mesmo
tempo tão modernas assusta exatamente porque passa a ideia de ter
descoberto o "milagre" de que uma informação bem trabalhada e depois
eficazmente disseminada causa mais danos do que um ataque terrorista, e a
união dos dois métodos pode ser a fonte do grande temor no Ocidente.
Este será o ponto principal desta análise; estudar este aspecto
comunicacional e midiático do Estado Islâmico e seu empenho em tornar
sua trajetória um espetáculo aberto para o mundo.
“(...) o Estado Islâmico criou sua própria mitologia das
cinzas da mesma fábula forjada pelos Estados Unidos para
ilegitimizar o governo de Saddam Hussein: o mito al Zarqawi”
(Loretta Napoleoni,2013, p.76)
Este extraordinário sucesso levanta alguns questionamentos
instigantes: sendo o EI um grupo extremista oriundo de uma mesma base
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ideológica dos demais grupos, tendo como objetivo a criação de um estado
mulçumano, quais seriam os fatores anexados a seu discurso e suas ações
que os tornam tão eficazes em suas conquistas? Se existem semelhanças
em seus discursos com o discurso ocidental principalmente os difundidos
pelos Estados Unidos que semelhanças seriam esta? O EL seria um grupo
que assim como os outros tem sua estrutura política baseada apenas nos
ensinamentos Alcorão ou, por trás desta orientação religiosa existe uma
estrutura política com outras influências? Se estas influências existem, quais
seriam? Através do uso de meios e tecnologias modernas como ferramentas
de disseminação e também como arma em sua Jihad, o El poderia ser
considerado um novo modelo de terrorismo? Esta visão Ocidental de um
Oriente Médio bárbaro e violento é resultado das ações dos grupos jihadista
ou uma invenção Ocidental do Oriente, que resultou no próprio surgimento
desta onda de grupos jihadistas?
Estas indagações formam o fio condutor da monografia e suscitam
questões que vão além de um relatar dos feitos e das as conquistas
territoriais e militares do El. O foco da análise é tentar responder a estes
muitos questionamentos destacando o aspecto ideológico inovador que o
tornou um expoente dentre os grupos extremistas orientais apoiado em uma
plataforma de comunicação que se revelou uma verdadeira máquina de
cooptar jovens no Ocidente, em especial da Europa.
A cooptação está associada a ao processo da busca do espetáculo
em todas as suas ações terroristas, fato que acontece desde a guerra no
Oriente Médio feita por eles com o uso de recursos cinematográficos. Tendo
como principal ferramenta de disseminação, a tecnologia oferecida pela
internet faz da sua jihad agindo nos campos de batalha uma verdadeira peça
ostentosa para o ciberespaço, com o uso de redes sociais e canais de
vídeos no YouTube.
A transmissão deste espetáculo tem alvo certo: as sociedades
ocidentais. Para dar sustentação aos seus planos megalômanos busca-se
por jovens, de preferência descendentes de imigrantes mulçumanos e
mesmo outros de demais nacionalidades que possam vir a se interessar por
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essa idealizada versão de sonho Islâmico. A escolha por jovens não é sem
contexto. Jovens imigrantes mas não necessariamente, geralmente sem
adaptação plena na sociedade onde residem, com pouca perspectiva de
trabalho, sofrendo alguma espécie de preconceito, acabam tornando-se
presas fáceis do grupo. É, então, disseminado aos recém-chegados, através
de uma contextualização histórica, que o Estado Islâmico surge como
vingador, contra as forças econômicas e políticas do mundo ocidental.
O resultado disso é o inconciliável conflito entre o Ocidente e Oriente
mostrando que a tática de estruturação de poder Ocidental, por seu lado tem
a outra face da força, transformando o El em um personagem importante
numa disputa antagônica de ideologias e conceitos entre os dois extremos
do planeta.
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2 METODOLOGIA
Devido aos aspectos que envolvem o objeto desta pesquisa, que no
caso deste trabalho é o discurso do grupo jihadista radical Estado Islâmico,
seu processo de espetacularização da Jihad (Guerra Santa) e também
apresentar as semelhanças do discurso seu discurso com o discurso
ocidental, principalmente com os métodos de disseminação ideológica norte
americanos, conhecidos como Soft Power e Hard Power, além de pesquisar
os mais variados aspectos ideológicos e políticos que cercam o surgimento
deste grupo jihadista que vem se tornando cada vez mais conhecido no
ambiente midiático internacional.
Foi escolhido para a elaboração deste trabalho primeiramente, a
pesquisa bibliográfica, por julgar ser o melhor método para se conseguir a
fundamentação teórica, além da necessidade que esta análise terá do uso
de dados histórico, assim como também, de contextualizações históricas,
políticas e religiosas. A pesquisa bibliográfica fornece, também, tanto os
conteúdos acerca das teorias de comunicação como aquelas ligadas aos
fatos conspiratórios. Á esse respeito, Antônio Carlos Gil diz que:
“A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de
material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum
tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas
exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”(Antonio
Gil,1987,p.48)
O que se quer destacar nesta monografia é o fato de o grupo radical
El, diferente dos grupos já atuantes no Oriente Médio, possuir como principal
característica a junção de aspectos teóricos ideológicos pragmáticos e
modernos, e lançar mão os mais modernos meios para propagar suas
ideologias e discursos. A internet, as redes sociais como Facebook, Twitter e
vídeos no Youtube, enfim, o comportamento midiático do grupo Jihadista
serão analisados e, para isso, se fará uso do método de pesquisa
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documental, norteando mais adequadamente a análise. Serão necessários
buscar exemplos como fonte de observação e estudos dos aspectos
estéticos e ideológicos do grupo. Antônio Gil comenta que acerca da
pesquisa documental entendendo que:
“O desenvolvimento da pesquisa documental segue
os mesmos passos da pesquisa bibliográfica. Apenas cabe
considerar que, enquanto na pesquisa bibliográfica as fontes
são constituídas, sobretudo por material impresso localizadas
na biblioteca, na pesquisa documental, as fontes são muito
mais diversificadas e dispersas”(Antonio Gil,1987,p.51)
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3 O ESTADO ISLÂMICO
“O Estado Islâmico não é uma organização terrorista
clássica. Ele utiliza ao mesmo tempo os meios da guerra, da
guerrilha e do terrorismo (...). O Estado Islâmico e craque no
manejo das redes sociais para recrutar adeptos e apavorar a
sociedade do Outro de maneira a estar sempre presente nas
cabeças.” (Gérard Chaliand (2015), p. 91).
Esta foi a definição dada por Gérard Chaliand, geoestrategista
francês, no livro Quem é o Estado Islâmico, citando em poucas palavras os
pontos cruciais que diferenciam este grupo extremista dos demais grupos do
Oriente Médio. Seu livro é importante para este estudo porque fundamenta a
presente visão em relação à este grupo jihadista, para que se entenda de
maneira objetiva seus aspectos pouco ortodoxos de junção entre o
pragmático islâmico e o uso de estratégias comunicacionais de
disseminação em um mundo globalizado.
O surgimento de grupos armados radicais geralmente está
associado à queda de um governo totalitário e à um ambiente político
totalmente fraco e instável. Estes fatores acabam por facilitar o nascimento
de grupos de opressão que agem na margem da legitimidade política. Pode
se dizer então que o surgimento do Estado Islâmico não foge à esta regra.
Para que fique mais clara a compreensão acerca do cenário e o ambiente
que influenciou de maneira importante o surgimento destes grupos
retornaremos há algumas décadas na história dos conflitos no Oriente
Médio.
Em 1990, no Iraque, segundo Edmund (2013), Saddam Hussein
movido por uma insatisfação em relação ao Kuwait, alega que o pequeno
emirado teria traído a UMM (União Mundial Muçulmana). O Kuwait teria
baixado deliberadamente os preços de seus barris de petróleo e, com isso,
provocado prejuízo ao Iraque. Isso, na verdade, fazia parte de um acordo
com o Estados Unidos, pois o Iraque que havia declarado, por sua vez, que
o pequeno país rico em petróleo na verdade fazia parte dos territórios do
Iraque. Ignorava, na verdade o Iraque, o fato de que o Kuwait já existia há
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Description:A ascensão de um grupo armado do Oriente Médio fomentando uma .. Sob a liderança de Abu Bark, o EI começa a mudar em muitos aspectos.