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EXPEDITO ARNAUD
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EXPEDITO ARNAUD,
um etnólogo sem “antropological blues”
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Em conversa num dos bares da vida, falando em pesquisa
antropológica, o Expedito me dizia, certa vez: “a gente vê um fato, a
gente registra esse fato; agora, as interpretações podem variar”.
Realmente, fiel a esse tipo de objetividade, ele soube sincronizar na
sua trajetória acadêmica os aspectos pragmáticos, românticos e
científicos que caracterizam a Antropologia.
Enquanto nós da geração de 68, ou melhor, AI-5, não temos
outro caminho de legitimação acadêmica a não ser os infindáveis
mestrados e doutorados, quase sempre cópias mal feitas da pós-
graduação americana, um etnólogo como Expedito desde muito
jovem conhecedor de aldeias, postos do SPI... e grandes mestres
como Eduardo Galvão, soube trilhar com perspicácia em meio ao
cipoal amazônico, buscando atalhos que levavam a clareiras,
igarapés e “furos” que levavam a grandes rios de águas profundas, e
muitos caminhos que conduziam a inúmeros trabalhos publicados
e um cabedal de conhecimentos da cultura indígena.
A pesquisa de campo, marca registrada do “fazer Antropolo
gia ”, tem sido prática constante para o Expedito, a ponto do “exóti
co” já ser “familiar” a ele, desde muito tempo. Por outro lado, as
vicissitudes porque passa o pesquisador-etnólogo no seu trabalho
de campo: as inquietações, incertezas, “grilos”, solidão... etc. que
Roberto da Matta chama de antropological blues, estão exorcizadas
neste caso, pela íntima familiaridade de Arnaud com o campo e os
atores. O blues, cuja melodia ganha força pela repetição de suas fra
ses, soa aqui não como tristeza e saudade mas como exercício de
liberdade.
ANTÔNIO MARIA DE SOUZA SANTOS
Pesquisador do CNPq - Museu Goeldi/Professor
Adjunto da FEP
■ EDIÇÕES CEJUP
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Amaud, Expedito.
A744i O índio e a expansão nacional. — Belém :
CEJUP, 1989.
485p.
1. ANTROPOLOGIA. 2. ETNOLOGIA. L
Título.
CDU: 572.9
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EXPEDITO ARNAUD
O ÍNDIO E A
EXPANSÃO NACIONAL
EDIÇÕES CEJUP
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O ÍNDIO E A EXPANSÃO NACIONAL
Expedito Amaud
Direitos reservados para o autor
Direitos de publicação em lingua portuguesa
reservados por Edições CEJUP
Editores: Gengis Freire, Ana Rosa Cal Freire e
Ana Diniz
Capa: Genildo Mota
Foto: Alexandre Lima
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Edições CEJUP
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Composto e impresso na GRAFICENTRO/CEJUP
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SUMÁRIO
Apresentação 7
Introdução 13
Os índios Galibí do rio Oiapoque - Tradição e
mudança 19
Os índios da região do Uaçà (Oiapoque) e a
proteção oficial brasileira 87
Os índios Oyampik e Emerilon (rio Oiapoque) -
Referências sobre o passado e o presente 129
A ação indigenista no sul do Pará (1940-1970) .. .. 159
A extinção dos índios Kararaô (Kayapó) - Baixo
Xingu, Pará 185
Os índios Mundurukú e o Serviço de Proteção aos
índios 203
Os índios Mirânia e a expansão luso-brasileira
(médio Solimões - Japurá, Amazonas) 263
Mudanças entre grupos indígenas Tupi da região
do Tocantins - Xingu (Bacia Amazônica) .. .. 315
O comportamento dos índios Gaviões de Oeste face
à sociedade nacional 365
A expansão dos índios Kayapó-Gorotíre e a
ocupação nacional (Região sul do Pará) 427
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APRESENTAÇÃO
Este é um livro que retrata o conjunto maior de uma vida de trabalho
dedicado à ciência da Antropologia. É, pois, o livro de um cientista, de um
pesquisador, e enfeixa várias pesquisas sobre tribos amazònicas.
Este é também um livro que cobre 50 anos de trabalho cotidiano no
tratamento da questão indígena. Que fala de tribos extintas, de tribos em
extinção, de tribos que reagem e de tribos que se expandem. É, pois, o livro
de um militante da causa indígena, de um sertanista da velha escola, de um
homem cuja condição de cientista não impediu sentar-se à mesa para defen
der as tribos que estudava.
Este é também um livro sobre o conflito, a interação, a aproximação,
a rejeição de culturas. E um livro sobre o pensamento do índio e o pensa
mento do branco. Um livro sobre comportamentos, atitudes, intenções pos
tas em rota de colisão. Trata da voracidade cultural — do entre devorar-se
humano. É, pois, um livro que desnuda a gradação progressiva da absorção
cultural e, também, a substituição de valores, a mudança.
E um livro que conta uma tragédia múltipla, de individualidades rompi
das e massacradas pela alteração social drástica e radical, pelo salto no tem
po, do primitivo para o contemporâneo. Cada uma das pesquisas realizadas,
concluídas e relatadas por Expedito Arnaud é, de si só, uma história completa
de um grupo humano; e, ao mesmo tempo, são ângulos do mesmo corpo, da
mesma história e do mesmo momento.
E, pois, um livro raro.
Um livro escrito por um homem raro. Expedito, antropólogo autodi-
data, que nunca percorreu o currículo universitário especializado, é o último
dos grandes naturalistas, remanescente do espírito científico puro: aquele
espírito pelo qual o aprendizado vale menos que a descoberta, e o rumo do
trabalho independe de um diploma. Expedito, sertanista militante, apaixo
nado pelos indígenas, soube como poucos vencer o fosso do tempo e com
preender a sociedade que lhe cabia estudar. Tornou-se um pioneiro do mo
derno cientista, aquele que age fora do laboratório a partir do privilégio de
seu conhecimento. Expedito, funcionário público de ação limitada no Serviço
de Proteção ao índio, ultrapassou seus limites para situar-se na acepção mais
profunda do serviço público: cumprir o que lhe é dado fazer, para além da
própria tarefa.
Um homem raro, um homem humilde, a quem a sabedoria não seduziu
pelo orgulho e para quem pertencer ao século XX não significou, nunca,
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barreira diante dos homens antigos.
Um homem a quem os diques burocráticos construídos pelo academi-
3 cismo, pelo bacharelismo da República, nunca detiveram. A quem nunca a
d injustiça significou quebra no ânimo, nem de servir, nem de estudar, nem de
d criar. Nem a baixa remuneração justificou relaxamento no rigor da metodo
c logia, na paciência da pesquisa e na firmeza com que perseguiu seus objetivos.
Este livro não é para ser lido como uma novela ou como um repositó
o rio de História. Nem também naquele enquadramento de fonte de conheci
n mento, que abstrai da realidade o trabalho científico, tornando a leitura um
exercício intelectual e uma busca de informações para uma produção fria
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d ou isolada. É para ser lido com a compreensão de sua totalidade: a saga do
í índio traçada ao longo de muitas realidades, o conflito expresso através do
relatório, a denúncia imanente no resultado obtido. O esforço pela ciência
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não impediu a humanidade com que está escrito: deve ser lido numa visão
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de conjunto em torno do homem, sua cultura e sua ciência.
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Nele está mesclada a história individual de seres humanos com a his
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tória de grupos humanos e a história da sociedade humana. Para quem quer
i que escreva sobre o homem, do ponto de vista científico ou não, essa é
uma tarefa que dura uma vida. As pesquisas de Expedito Arnaud duraram
( uma vida. Ele o conseguiu.
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1 i» A saga mostrada neste conjunto de pesquisas deixa perguntas que per
passam a Amazônia de hoje, o Brasil de hoje, o mundo de hoje.
É possível uma convivência respeitosa entre dois grupos tão cultural
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mente diferenciados no tempo?
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0 conceito de etnia pode ser empregado ainda, ou ele tem utilização
apenas se conjugado a uma dimensão espaço-temporal do desenvolvimento
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do grupo?
Até onde o imperativo da sobrevivência do grupo e de sua perpetuação
determinam o sacrifício do indivíduo desse grupo?
Qual o destino do índio, envolvido por uma sociedade mais poderosa
que a dele?
Tribos guerreiras e expansionistas poderão suportar um envolvimento
maior sem que se extingam?
0 que é a vontade do índio? Até onde esta vontade está expressa na
política indigenista? Até onde ele pode saber o que é melhor para si?
Como proteger a fragilidade do indivíduo índio diante da sociedade
maior e da própria natureza e, ao mesmo tempo, desenvolver a sua fortaleza
como grupo, a sua afirmação?
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A plurinacionalidade, com organizações grupais diferenciadas, é uma
medida em favor da sobrevivência do índio ou uma alternativa para o bran
co?
Porque existe a dicotomia índio x branco? Ela é necessária? Essa dico
tomia não será meramente económica, na disputa dos espaços e recursos
naturais?
Como conseguir convivência ideológica, quando os valores são tão
diferenciados?
Essas perguntas surgem de uma simples reflexão em torno do que
está exposto neste livro, fundamental para que se compreenda a história
contemporânea do índio brasileiro e importante justamente porque reúne
pesquisas que, se analisadas de forma individuada, se limitarão a si mesmas.
O conjunto é instigante, situado dentro de uma realidade objetiva e
dramática, de rápida expansão das frentes de penetração nacional, em que,
muitas vezes, antes que discutir qual a melhor medida a tomar, é preciso
tomar a que seja mais urgente e possível, de forma a garantir a sobrevivên
cia imediata do índio e discutir depois.
Tem sido assim nas intervenções feitas na área da saúde, na proteção
à vida do índio. Nelas, particularmente, se finca o primeiro passo para a
antropofagia cultural praticada pelo branco. Prossegue na transmissão do
conhecimento, no contato com a tecnologia contemporânea: até onde é
lícito negar-se o conhecimento ao índio e até onde o'próprio conhecimen
to recém-adquirido o destrói?
Alguns dos relatos alinhados por Expedito Arnaud, nestas pesquisas,
remetem para a utilização de tribos inteiras por grupos de brancos nos con
frontos entre estes últimos. Outros apontam para uma reação objetiva da
comunidade indígena, na medida em que assume o seu destino. Essas rea
ções tendem para uma integração controlada.
Várias destas questões são muito mais de cunho ético do que pro
priamente antropológico. Mas, também, até onde o cunho propriamente
antropológico poderá ser dissociado do ético, na medida em que o envol
vimento humano permeia todas as relações, mesmo que cientificamente
identificadas e isoladas?
Creio não estar fugindo — antes, compreendendo — da tarefa que
Expedito me encarregou ao me incumbir de prefaciar este livro. Afinal,
não sou antropólogo — sou jornalista de meu tempo. Que aprendeu antro
pologia de forma tão informal quanto precisa, no debate cotidiano com
mestres da matéria, como Eduardo Galvão e Protásio Frikel. Galvão me
ensinou a ver, Frikel a descobrir de forma metódica. Arnaud, integrante
do grupo científico do Goeldi onde eu, adolescente, tentava compreender
a história humana, fazia perguntas que me induziam necessariamente à
crítica.