Noir Americano : uma antologia de crime de Chandler a Tarantino

348 Pages·1997·1.32 MB·Portuguese

by  Haining

Noir americano — Uma antologia do crime, de Chandler a Tarantino Edição
de Peter Haining
Editora Record • Rio de Janeiro • São Paulo CIP Brasil. Catalogação-na-
fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
N72 Noir Americano: uma antologia do crime de Chandler a Tarantino /
James Ellroy ... [et al]; editado e com introdução de Peter Haining ; tradução de
Ronaldo Sérgio de Biasi ... [et al] — Rio de Janeiro : Record, 1997 (Coleção
Negra) Tradução de: Pulp Frictions 1. Conto policial. 2. Antologias (Conto
americano) . I. Ellroy, James. II. Haining, Peter. III. Biasi, Ronaldo Sérgio de,
1943-. IV. Série 97 — 1599
CDD 813.008 CDU 820(73) — 3(082) Título original norte-americano Pulp
frictions Copyright © 1996 by Seventh Zenith Ltd.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte,
através de quaisquer meios.
Projeto gráfico e ilustrações: Glenda Rubinstein Direitos exclusivos de
publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela Distribuidora
Record de Serviços de Imprensa S.A. Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de
Janeiro, RJ — Tel.: [phone] que se reserva a propriedade literária desta
tradução Impresso no Brasil
ISBN 85-01-04828 — 3
Pedidos pelo reembolso postal Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RJ —
20922-970
Contracapa
Os criminosos mais perversos, os detetives mais durões e as mulheres mais
sensuais e perigosas estão reunidos nesta antologia que traz o melhor da ficção
policial americana. De Raymond Chandler, Dashiell Hammett e James M. Cain,
que representam as raízes da literatura noir, ao revolucionário diretor e roteirista
Quentin Tarantino, passando pelo mestre do horror Stephen King, todos
mergulham no mundo do crime para criar tramas cheias de ação com muitos
tiros, sopapos, mentiras, sedução, corrupção e tiradas de efeito. Investigadores
particulares sem dinheiro, políticos corruptos, milionários pervertidos, tiras
calejados e gangsteres convivem sem nenhuma harmonia em 20 contos que
compõem um panorama completo de um dos gêneros literários mais populares
deste século. Noir americano é um título digno de inaugurar a Coleção Negra,
dedicada aos maiores mestres da literatura policial.

Orelhas

Nos Estados Unidos, pouco depois da I Grande Guerra, as revistas pulp —
publicações baratas e sensacionalistas impressas em papel amarelado —
revelaram ao público uma geração de autores que até hoje influenciam diversas
formas de arte em todo o mundo. Em suas páginas, alguns dos maiores escritores
policiais de todos os tempos publicaram suas primeiras histórias violentas, mas
cheias de humor, que escondiam sob tramas aparentemente despretensiosas
críticas contundentes à sociedade americana.
Nessas revistas, criadores como Raymond Chandler e Dashiell Hammett
definiram os principais elementos da literatura noir em tramas repletas de
crimes, ação alucinante, tipos durões de raciocínio rápido, autoridades corruptas
e mulheres belas e traiçoeiras. Os personagens são ricos: trágicos, às vezes
divertidos, deprimidos ou conformados. Figuras que, sabe-se lá como,
conseguem sobreviver à violência urbana e ao destino sombrio e sem esperança
nas grandes metrópoles dos EUA.
Essas histórias — escritas em linguagem simples e direta, tirada das ruas, das
mesas de bar, prisões e delegacias — conseguiram ao mesmo tempo sucesso
popular e de crítica (este, é bem verdade, demorou muito mais), estimulando
outros escritores igualmente talentosos. Cornell Woolrich, Ross MacDonald,
James M. Cain e James Ellroy mantiveram viva a tradição que rendeu clássicos
do cinema como Relíquia macabra, Pacto de sangue e O destino bate à sua
porta, consagrando as figuras lendárias dos atores Humphrey Bogart e John
Garfield.
A década de 1990 assiste a uma nova explosão do gênero, estimulada pelo
sucesso de um novo e brilhante criador: Quentin Tarantino, com sua obra-prima
Tempo de violência. O título original deste filme, Pulp Fiction, é homenagem às
velhas revistas pulp, onde Tarantino, que está presente neste volume com o
pequeno conto O relógio, foi buscar inspiração para sua obra cinematográfica e
literária.
Noir americano reúne mestres de várias gerações. Junta Hammett a
Tarantino, Chandler a James Ellroy e Cornell Woolrich a Elmore Leonard.
Dividida em três partes (detetives durões, tiras e agentes e gangsteres), esta
antologia apresenta um panorama completo da ficção policial americana neste
século. Por isso foi escolhida para abrir a Coleção Negra, dedicada a esse gênero
literário.

EDMUNDO BARREIROS

Capa: Glenda Rubinstein
SUMÁRIO

Introdução
Parte 1
DETETIVES DURÕES Casos de Detetives Particulares Canção tórrida de James
Ellroy O Feitiço do Egito de Carroll John Daly Incêndio criminoso e mais
alguma coisa... de Dashiell Hammett O homem que gostava de cães de
Raymond Chandler A cabeça do morto de Robert Leslie Bellem A andorinha
cantora de Ross Macdonald
Parte 2
TIRAS E AGENTES Histórias de Homens da Lei A caçada a Hemingway de
MacKinlay Kantor Morta em Pé de Cornell Woolrich Bom trabalho de Peter
Cheyney
A dama diz morra! de Mickey Spillane Registro de acidente de Ed McBain
Saideira de Elmore Leonard
Parte 3
GANGSTERES Contos da Fraternidade Criminal A carona de W. R. Burnett
Pastoral de James M. Cain
O círculo mortal de Samuel Fuller Pense nisso de James Hadley Chase Um
cadáver metido a esperto de David Goodis Dinheiro fácil de Jim Thompson O
quinto pedaço de Stephen King O relógio de Quentin Tarantino
Introdução
À primeira vista, pouca relação há entre as vulgares quadras de edifícios,
hotéis baratos e inferninhos do centro de Los Angeles e a tranquila e verdejante
área residencial de Dulwich, no sul de Londres, mas na pitoresca lenda da ficção
noir esses lugares estão inexplicavelmente ligados. Pois foi um estudante dos
clássicos do Dulwich College quem, adulto, captou em forma de história o estilo
sardônico e coloquial da linguagem dos cidadãos de Los Angeles, e deu à ficção
policial seu mais famoso detetive particular. Ele se chamava Raymond Chandler,
e sua personagem, Philip Marlowe.
Embora americano, nascido em Chicago, Chandler foi levado quando criança
para a Inglaterra e educado em Dulwich, o que, apesar de toda a fama que mais
tarde conquistou em sua pátria, fez dele um anglófilo para toda a vida. Esse
homem, que gostava dos hexâmetros em latim e grego, é apesar disso mais
lembrado pelo pioneirismo no uso de metáforas hoje encaradas como
características da ficção noir.
"Ele pôs as patas dos olhos no meu escritório", declara Philip Marlowe numa
ocasião, e depois diz de um visitante: "Aparentemente, dera o nó da gravata com
um alicate."
E quem gostaria de encontrar um sujeito assim descrito na linguagem de
Chandler: "Tinha um sorriso rígido como um peixe gelado"?
Durante anos, mal se soube das ligações de Chandler com Dulwich. Embora
ele guardasse boas lembranças da escola particular, fundada mais de 350 anos
antes, que frequentou entre 1900 e 1905, a escola, por seu lado, nem mesmo
relacionou o "Aluno 5.724" (número dele como estudante) em seu volume de
celebridades. O erro foi em certa medida corrigido em 1988, quando alguns
entusiastas da obra do escritor, sabendo da ligação, decidiram assinalar o
centenário de seu nascimento com uma exposição de lembranças dele. Só então
se viu a influência da educação de Chandler na personagem de Philip Marlowe.
De onde mais viria a capacidade de citar os clássicos do detetive particular?
Mais impressionante ainda era a ligação da escola com o nome do famoso
detetive — um nome de sonoridade tão inglesa que durante anos os leitores se
intrigaram com sua possível origem. De novo a resposta estava em Dulwich,
pois no início da década de 1900, quando Chandler era aluno, a escola tinha seis
dormitórios: Drake, Grenville, Raleigh, Sidney, Spencer e... Marlowe.
Ainda mais recentemente, surgiram indícios, numa carta datilografada
comprada como parte dos bens de outro escritor policial, que revelam o amor de
comprada como parte dos bens de outro escritor policial, que revelam o amor de
Chandler pela Inglaterra, e sua vontade de lá voltar após a morte da mulher
amada, em dezembro de 1954. A carta foi escrita pelo romancista policial inglês
Nicholas Bentley, propondo que se permitisse a Chandler ser sócio do fechado
Garrick Club, em Londres. É datada de junho de 1955, e dirigida a um certo Sr.
George, no clube:

Suponho que você gostaria de assinar o livro, no Garrick Club, em
apoio a Raymond Chandler, que acabo de propor para sócio,
secundado por Malcolm Muggeridge.
Chandler veio para ficar neste país indefinidamente, creio que
com a ideia de acabar radicando-se aqui, e gostaria muito de entrar
para o clube. Infelizmente, não é conhecido pessoalmente por mais
que alguns membros, e por isso, se você se sentir inclinado a assinar o
livro em favor dele, estou certo de que seria uma grande ajuda.

Poucas cartas pode haver tão pungentes quanto esta sobre o ainda enlutado e
solitário Chandler, com sua sugestão de que ele queria deixar o país que o fizera
famoso e passar os anos que lhe restavam na Inglaterra. Mas por quê? A missiva
de Nicholas Bentley sugere mais do que explica, e certamente apresenta um
mistério digno dos talentos de Marlowe.
Como grande parte do folclore e da lenda que cercam a ficção noir, ainda há
muitas histórias a serem desencavadas, não apenas sobre os autores, mas
também sobre as revistas pulp[baratas] em que eles foram publicados — assim
chamadas por serem impressas em papel ordinário, sem corte, de polpa de
madeira e grampeadas dentro de uma capa de papel impressa em cores berrantes.
Poucos exemplares sobrevivem dessas revistas, que logo amarelavam e se
desfaziam, e muitos dos escritores hoje não passam de nomes nas páginas, pois
desapareceram por completo, por opção ou decisão, quando a indústria morreu,
na década de cinquenta. Alguns deles, como Chandler, sobreviveram e fizeram a
transição para a permanência do livro, seguida de reconhecimento, quando se
percebeu a verdadeira dimensão do que tinham feito: a criação do primeiro estilo
realmente americano de ficção policial. São esses homens e o espírito de seus
colegas esquecidos que inspiram o atual renascimento do interesse pelo gênero
noir, e novas contribuições.
O detetive durão é hoje tão parte do folclore americano quanto o pioneiro da
fronteira ou o caubói e, como a maioria dos heróis, muitas vezes tem seus feitos
exagerados.
Na verdade, a aparentemente ilimitada capacidade de beber dessas
Na verdade, a aparentemente ilimitada capacidade de beber dessas
personagens e a maneira espantosa como se recuperam de surras, cacetadas na
cabeça e ferimentos de faca e bala são quase sobre-humanas. Não há dúvida de
que nenhum mortal comum poderia igualá-las.
Pode-se ter uma visão semelhante dos tiras e gangsteres durões que
forneceram os outros elementos principais do gênero.
Mas o que tornou tão populares essas figuras quase caricatas? A resposta,
sugiro eu, não é difícil de achar. Os primeiros detetives durões nasceram numa
época de desilusão nos Estados Unidos, após a Primeira Guerra Mundial, quando
muita gente sentia intensa frustração ao ver como o crime organizado, na figura
dos badaladíssimos chefões, tomava o controle das grandes cidades, de seus
políticos e autoridades civis, e enchia as ruas de bares clandestinos, antros de
jogatina e vício, tudo de mistura com o submundo. O detetive particular que
surgiu na ficção barata era uma figura quase romântica, empenhado numa
cruzada contra esse câncer da sociedade, embora não tivesse nenhum dos
sentimentos mais refinados pela linguagem, passasse logo à ação (em geral
brutal) e se dedicasse à manutenção da justiça. Não importava o custo para seus
braços e pernas — ou para os dos outros, aliás!
A explicação para a nova onda de interesse, hoje, por esse tipo de ficção tem
origem semelhante, creio: muita gente, sobretudo a geração mais jovem, sente
igual frustração e desilusão com a sociedade e suas sombrias perspectivas para o
futuro. Como escreveu recentemente Ian Penman em The Independent sobre Jim
Thompson, seu herói entre os escritores pulp: "Ele se apoderou de nossa
imaginação moral: oferecendo — e provocando — fortes paixões numa época de
mariquinhas; uma época que talvez pense que as boas intenções podem lavar a
culpa elementar de nossas mãos, quando a persistência do mal é claramente
inevitável."
Em outro artigo, na revista americana New Republic, um conhecido escritor
tenta definir o atual gênero noir americano, do qual Elmore Leonard, James
Ellroy e Quentin Tarantino são os principais expoentes. É, ele conclui, "a
fenomenologia moral da classe média depravada ou arruinada".
Não é minha intenção, porém, entregar-me a um estudo sociológico da ficção
noir, mas apenas apresentar o que julgo ser uma seleção representativa de contos
dos mais influentes escritores de um gênero que abrange os últimos três quartos
do século. Ler os preciosos exemplares das revistas pulp ainda existentes, em
busca de contos não reeditados antes ou de difícil acesso, foi para mim uma
viagem de volta a uma arca do tesouro que já explorara, antes do atual
florescimento da ficção noir. Vinte anos atrás, reuni a primeira coletânea de
material dessas revistas — publicada na Grã-Bretanha, intitulada The Fantastic
Pulps (1975), agora esgotada, e seguida um ano depois por uma reedição em fac-
símile de contos de uma de minhas revistas pulp favoritas, Weird Tales, com
textos, ilustrações originais e tudo.

1975, Vintage Books

Só a qualidade do papel e a embalagem — capa dura — eram uma melhoria
em relação ao original. Em 1976, também compilei Terror! A History of Horror
Illustrations from the Pulp Magazines, e em 1977 Mystery! An Illustrated
History of Crime and Detective Fiction, que incluía várias capas e ilustrações
internas das pulps, entre elas Black Mask, Detective Fiction Weekly, Dime
Mystery e outras.
Foi o editor desses dois volumes que me convidou a compilar esta nova
antologia.

Foi o editor desses dois volumes que me convidou a compilar esta nova