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Orelha do livro
Sobre a obra: Assinado por um dos maiores nomes da literatura japonesa
atual, este romance foi também aclamado pela crítica ocidental, que o
classificou como um poderoso conto de terror, nos moldes dos clássicos
góticos.
Naufrágios, porém, é muito mais que uma história arrepiante: é um retrato
da miséria e da crueldade, ou da crueldade que deriva da absoluta miséria.
Elegante, Yoshimura descreve situações altamente dramáticas numa
linguagem simples, seca, contida.
A ação se passa no Japão medieval, numa aldeia de pescadores. Muitos dos
moradores do lugar vendem-se, a si e a seus familiares, como escravos por
período determinado; é o que fez o pai do pequeno Isaku, deixando para o
garoto a incumbência de sustentar a mãe e os três irmãos menores.
Convivendo com a fome e a morte, Isaku tem de crescer rápido; o
reconhecimento de sua maturidade vem quando ele é designado para cuidar
do fogo que alimenta os grandes caldeirões onde os moradores da aldeia
destilam sal. O menino sente-se honrado.
A atividade do sal tem uma função crucial no povoado: as chamas atraem
os barcos da costa, que batem nos rochedos e naufragam lentamente,
fornecendo víveres para a aldeia faminta; os moradores não hesitam em
matar os tripulantes.
Quando, após muito tempo de penúria, uma nova embarcação surge no
horizonte, Isaku acredita que terá dias de fartura. Ávidos, os pescadores
alcançam o barco e deparam-se com uma cena aterrorizante: todos os
passageiros estão mortos, os corpos cobertos de pústulas. É o começo do
fim - do menino, de sua família, de toda a aldeia.
Sobre o autor: Nascido em 1927, Akira Yoshimura é um dos principais
escritores do Japão. É autor premiado de mais de vinte livros, um dos
quais, A Enguia (Unagi), adaptado com sucesso para o cinema. Naufrágios
é seu primeiro romance lançado no Brasil.
Contra Capa
NUMA PRAIA ISOLADA DO JAPÃO MEDIEVAL, UMA
COMUNIDADE DE PESCADORES PARTILHA DA POBREZA, DA
FOME E DE UM OBSCURO, TERRÍVEL SEGREDO.
Isaku é um menino de nove anos que vive numa aldeia na costa do Japão
medieval, sobrevivendo precariamente daquilo que o mar lhe dá moluscos,
peixes, conchas. Os aldeões também destilam sal para os povoados
vizinhos, em grandes caldeirões sobre fogueiras que ardem durante as
noites de inverno.
A manufatura do sal tem, porém, uma utilidade oculta e macabra: as
chamas que brilham na escuridão confundem e atraem barcos, que passam
pela costa, fazendo-os lançar-se sobre os recifes da ilha. Quando o
naufrágio acontece, os aldeões saqueiam o navio, trucidam a tripulação e
obtêm provisões para muitos meses.
É por meio de Isaku que o leitor acompanha o cotidiano de crueldade e
desamparo dos pescadores. E é pelo olhar assombrado e ingênuo do garoto
que testemunhamos a tragédia que cai sobre a aldeia quando surge na costa
um pequeno barco à deriva - um barco com uma carga de inimaginável
terror, destruição e morte.
“Um romance belo e austero... uma história cuja profundidade
emocional remete aos filmes clássicos japoneses.”
The New York Times
NAUFRÁGIOS
Akira Yoshimura
NAUFRÁGIOS
TRADUÇÃO
Sylvio Monteiro Deutsch
2003
EDITORA BEST SELLER
Título original: Shipwrecks
Copyright © 1982 by Akira Yoshimura
Licença editorial para a Editora Nova Cultural Ltda.
Todos os direitos reservados.
Coordenação editorial
Janice Flórido
Editores
Eliel S. Cunha
Fernanda Cardoso
Editoras de arte
Ana Suely S. Dobón
Mônica Maldonado
Capa
Levi Ciobotariu
Revisão
Dirce Y. Yamamoto
Editoração eletrônica
Dany Editora Ltda.
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa no Brasil
adquiridos por Editora Nova Cultural Ltda.,
que se reserva a propriedade desta tradução.
EDITORA BEST SELLER
uma divisão da Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 - 10° andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP
www.editorabestseller.com.br
2003
Impressão e acabamento:
RR Donnelley América Latina
Fone: (55 11) 4166-3500
1
Velhos chapéus de junco em forma de cone se moviam na zona de
arrebentação. Borrifos de água erguiam-se das ondas, desde a extremidade
dos rochedos que contornavam a praia até a orla de areia, onde as ondas
quebravam com força para depois retornar.
A superfície da água estava coberta de espuma branca, devido à chuva
incessante. Uma mistura de gotas de chuva e borrifos das ondas escorria
pelos buracos no chapéu de Isaku. Havia apenas uma estreita faixa de areia
naquela parte da costa rochosa, e ali, também, pessoas com chapéus de
junco encontravam-se ocupadas recolhendo pedaços de madeira trazidos
pelo mar.
Isaku esperou que a onda recuasse, então entrou na água e pegou um
pedaço de madeira preso entre duas pedras. A julgar pelo formato em arco
e pelos orifícios de pregos, deveria ser de um barco naufragado. A tábua
estava firmemente presa às pedras, e seria difícil um menino de nove anos
conseguir soltá-la com facilidade, mas quando Isaku apoiou o pé
firmemente em uma das pedras e puxou, a madeira começou a se soltar.
Isaku correu de volta para a praia quando viu outra onda se
aproximando, lançando gotículas de água no ar. Ouviu-a arrebentando às
suas costas, e a água do mar jorrou ruidosamente sobre seu chapéu. Quando
a onda começou a recuar novamente em direção do mar, ele entrou na água
espumante e agarrou o pedaço de madeira outra vez.
Depois de várias tentativas, ele conseguiu mover um pouco a grande
peça de madeira mais para perto, e por fim uma onda a carregou até a praia.
Isaku agarrou-se nela para impedir que fosse levada pela onda seguinte.
Enfiando os dedos nas depressões da madeira, ele puxou-a na direção da
trilha que levava à aldeia.
Debaixo da chuva, outras pessoas caminhavam pela trilha carregando
pedaços de madeira nas costas. A peça que Isaku puxava era
consideravelmente maior que as dos outros, e era dura, de boa qualidade.
Parecia-lhe um desperdício usá-la para queimar um corpo quando podia ser
usada para fazer fogo em casa.
Quando Isaku chegou à trilha, uma mulher com chapéu de junco saiu
da casa da família enlutada e o ajudou a carregar o pedaço de madeira.
Juntos, puxaram-na para dentro da casa e a deixaram perto de uma pilha
desarrumada de madeira no piso de terra, na parte mais baixa da sala.
Isaku desamarrou o chapéu e sentou-se na pilha de lenha, olhando ao
redor. O falecido era um homem idoso, com mais de cinqüenta anos,
chamado Kinzo. Seu corpo estava nu, exceto por uma tira de pano que
cobria o baixo-ventre. Quando Kinzo ficara doente demais para andar, ele
perdera o apetite, e nos últimos dias a família não lhe oferecia nada além de
água. Ninguém dava comida a uma pessoa que se tinha certeza que ia
morrer.
Os defuntos que eram enterrados sentados eram colocados nessa
posição, com as costas amarradas a uma tala funerária, as pernas dobradas
nos joelhos e também amarradas com corda rústica de palha antes de o
rigor mortis se instalar.
Os ossos de Kinzo estavam visíveis sob a pele; seu abdome estava
esticado, rijo. A cabeça pendia ligeiramente para baixo e para a frente,
revelando o ramo de cânhamo amarrado a uma cruz colocada nos ralos
cabelos grisalhos para afastar os espíritos maus.
A mãe de Isaku estava limpando o esquife no chão, ao lado do cadáver.
Uma grande panela de cozido de legumes, fornecidos pelos habitantes da
vila, borbulhava sobre o fogo, o odor bafejando para baixo até o chão de
terra.
A chuva se intensificou, abafando o barulho das ondas. Isaku olhou
para a mão da mulher que mexia o cozido com uma concha.
Na manhã seguinte a chuva parou e um dia claro, típico de outono, se
abriu.
As pessoas saíram de suas casas e se reuniram na casa da família
enlutada. Lá dentro, as mulheres idosas da vila entoavam sutras com vozes