Table Of ContentUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
E LITERÁRIOS EM INGLÊS
CARLOS RENATO LOPES
Lendas Urbanas na Internet:
entre a ordem do discurso e
o acontecimento enunciativo
São Paulo
2007
CARLOS RENATO LOPES
Lendas Urbanas na Internet:
entre a ordem do discurso e
o acontecimento enunciativo
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos
e Literários em Inglês do Departamento de
Letras Modernas da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profª. Drª. Anna Maria G. Carmagnani
São Paulo
2007
BANCA EXAMINADORA
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Para minha mãe, meu irmão, e em memória do meu pai
“Procur[emos]... testemunhar da única coisa que conta[:] a infância do encontro, o
acolhimento feito à maravilha que acontece (qualquer coisa), o respeito pelo
acontecimento. Não te esqueças de que foste e és, tu próprio, isso,
a maravilha acolhida, o acontecimento respeitado,
a infância misturada dos teus pais.”
– J.- F. Lyotard, “Glosa sobre a resistência”, 1986
AGRADECIMENTOS
A Anna Maria Carmagnani, minha orientadora desde o Mestrado, pelo estímulo,
respeito e amizade de sempre.
À CAPES pelo auxílio da bolsa.
Aos colegas da USP, de hoje e de há muito tempo, pela amizade e trocas sempre
prazerosas.
Aos meus professores da área de Estudos Lingüísticos e Literários em Inglês,
que muito me inspiraram (e continuam inspirando) por suas idéias e seu exemplo.
Aos amigos e familiares que, mesmo de longe, transmitiram sempre seu carinho.
Aos que compartilharam comigo, direta ou indiretamente, o interesse por essas
narrativas estranhas e fascinantes.
E, como não poderia deixar de ser, aos sujeitos por trás das práticas, esses meus
conhecidos desconhecidos.
RESUMO
Este trabalho é dedicado ao estudo de narrativas do gênero lendas urbanas dentro
de uma perspectiva discursiva. Com base em um corpus composto de mensagens
trocadas em uma comunidade virtual sobre o tema na Internet no período entre 2005 e
2006, busca-se fundamentalmente investigar os modos pelos quais tais narrativas se
situam, enquanto enunciados, entre uma ordem de discurso dotada de uma certa
sistematicidade e uma instância de acontecimento único, materializada na enunciação.
Propõe-se a reflexão de que as lendas urbanas, sendo geradas no seio da vida
cotidiana e trazendo elementos que fazem parte desse cotidiano de um modo bastante
acessível – embora em muitos casos representando ameaças novas e impensadas –,
configuram-se como narrativas que reelaboram velhos enredos (ou intrigas) da
experiência social em combinações potencialmente variadas, multiplicando-se, assim,
as possibilidades de formulação de acontecimentos enunciativos dentro de uma
estrutura mais ou menos estável e reconhecível. A ênfase na dimensão de prática
discursiva em que as lendas se materializam – sendo elas retomadas, contestadas,
(re)contextualizadas no interior dessa prática – revela o modo como tais narrativas se
entretecem em uma rede particularmente heterogênea, freqüentemente polêmica, na
qual antigos medos, ansiedades e apreensões sociais são articulados e na qual os
sujeitos envolvidos são confrontados com seus pressupostos de verdade e relações de
poder/saber.
A partir das análises empreendidas, conclui-se que a tensão dialética entre
regularidade e singularidade – ou, de forma mais geral, estrutura e acontecimento – se
encontra na base mesma das práticas discursivas estudadas, manifestando-se em
diferentes níveis de análise e sob uma multiplicidade de formas, que vão desde a
definição do gênero lenda urbana, passando pelos movimentos de arquivamento e
atualização das narrativas, até as representações identitárias construídas e reencenadas
pelos textos.
Palavras-chave: lendas urbanas; discurso; narrativa; verdade; identidade
ABSTRACT
This thesis is dedicated to the study of the genre of narratives known as urban
legends from a discursive perspective. Based on a corpus composed of messages
exchanged in a virtual community on the Internet between 2005 and 2006, we aim at
investigating the ways in which these narratives are situated, as utterances, between a
discursive order which is marked by a certain regularity and the domain of the single
event which is materialized through enunciation.
We argue that urban legends, being generated in the midst of daily life and
carrying elements that are part of this daily life in an acessible form – although in many
cases enacting new and unexpected threats –, present themselves as narratives which
reelaborate certain ancient plots of social experience into potencially varied
combinations, thus enabling the multiplication of possible formulations of enunciative
events within a more or less stable and recognizable structure. An emphasis on the
discursive practice dimension through which the legends are materialized – their being
recovered, contested, (re)contextualized in the space of such practice – reveals how
those narratives are woven into a particularly heterogeneous and often polemical
network, in which old social fears, anxieties and apprehensions are articulated and in
which the subjects involved are confronted with their assumptions on truth and
power/knowledge relations.
From the analyses conducted, we conclude that the dialectical tension between
regularity and uniqueness – or, more generically, between structure and event – can be
found at the very basis of the discursive practices under scrutiny, manifesting itself on
different levels of analysis and in a multiplicity of forms, which include the definition of
the urban legend genre, the movements of archiving and updating of legends, and the
identity representations that are built and re-enacted in the texts.
Key words: urban legends; discourse; narrative; truth; identity
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 1
PARTE I – Lendas Urbanas, Narrativa e a Questão da Verdade 13
CAPÍTULO 1: Em Busca do Gênero Lenda Urbana 13
1. Definições e Questões de Gênero 13
1.1. Definições dos Folklore Studies 14
1.2. Rumores e Faits Divers 24
1.2.1. Lenda ou rumor? 24
1.2.2. Lenda ou fait divers? 26
1.3. Desconstruindo o conceito de gênero 28
2. Condições de Produção: As Lendas Urbanas na Ordem do Discurso 30
2.1. Procedimentos de Exclusão Externos 31
2.1.1. O tabu do objeto 32
2.1.2. O ritual da circunstância 36
2.1.3. O direito de quem fala (escreve) 37
2.2. Procedimentos de Exclusão Internos 39
2.2.1. O comentário 39
2.2.2. O autor 40
2.3. Procedimentos de Seleção dos Indivíduos 41
2.3.1. As “sociedades do discurso” 41
2.3.2. Os rituais 44
2.3.3. A apropriação social dos discursos 46
CAPÍTULO 2: Narrativas entre a Estrutura e o Acontecimento 48
1. Lendas Urbanas como Narrativa 48
1.1. Narrativa e História 49
1.2. Narrativa e Canonicidade 52
1.3. Narrativa e Intriga 54
1.4. Lendas em Narrativa 57
2. Estrutura e Acontecimento 61
2.1. Estrutura versus Acontecimento? 61
2.2. Estrutura e Acontecimento no Discurso 65
2.3. Estrutura e Acontecimento nas Lendas Urbanas: uma breve retomada 69
CAPÍTULO 3: A Vontade de Verdade 72
1. A Verdade em Xeque: da Filosofia ao Discurso 73
1.1. A Verdade Ontológica em Heidegger e a Tradição Metafísica 73
1.2. Nietzsche, Foucault e a Verdade como Vontade 80
1.3. Rorty e a Visão Pragmatista de Verdade 87
2. A Verdade nas Lendas Urbanas 93
2.1. No Rastro do Furacão: construindo um discurso de verdade 93
2.2. “Quem precisa de lendas urbanas?” 102
PARTE II – Lendas Urbanas como Práticas Discursivas 105
CAPÍTULO 4: Lendas Urbanas e as Ameaças do Cotidiano 105
1. Os Tecno-Medos 108
1.1. Celulares Explosivos 109
1.2. Em caso de emergência... 111
2. Dedos, ratos e outros corpos estranhos 114
2.1. “Garçom, tem um... dedo no meu chilli!” 116
2.2. Venenos que matam lentamente 121
2.3. “Leptospirose em Latinha”, ou Uma História Exemplar 124
3. “Shop ‘til you drop... dead” 129
CAPÍTULO 5: Lendas Urbanas em Arquivo: entre o velho e o novo 135
1. The Nigerian Scam – Um golpe sem fronteiras 138
2. Pains and Needles 148
3. Trick or Treat? – Mais e novas “surpresas” 159
CAPÍTULO 6: Lendas Urbanas como Construções do Outro 165
1. A Conexão Mexicana 167
2. Imigrantes Ingratos, Americanos Estúpidos 175
3. Children of the World 184
CONCLUSÃO 195
BIBLIOGRAFIA 204
a) Referências bibliográficas 204
b) Obras consultadas 212
APÊNDICE A 216
APÊNDICE B 218
1
INTRODUÇÃO
“Por metanarrativa, ou grande narrativa, entendo precisamente
narrações com uma função legitimante. O seu declínio não
impede que milhares de histórias, umas pequenas e outras
menos, continuem a ser a trama da vida quotidiana.”
– J.-F. Lyotard, O Pós-Moderno Explicado às Crianças, 1986
Pesquisar lendas urbanas é deparar-se com um universo vasto de histórias
inusitadas. É lidar com casos tão disparatados quanto os que envolvem roubos
misteriosos de órgãos humanos para transplante; contaminação por fornos de
microondas e telefones celulares cancerígenos; correntes pedindo ajuda para salvar
crianças com leucemia; aparições de imagens de santos em janelas de casas; golpes em
estacionamentos de shoppings e hipermercados; ou mensagens demoníacas escondidas
em gravações musicais.
As chamadas lendas urbanas, ou lendas contemporâneas, parecem fazer parte de
nosso cotidiano. Elas nos chegam em conversas com pessoas em que confiamos (ou
não), nos jornais sensacionalistas e também nos mais sérios, nos e-mails encaminhados
por dezenas de remetentes anteriores de quem nunca ouvimos falar, e até mesmo em
filmes e outros produtos populares da mídia. Elas nos alcançam quando menos
esperamos e, em alguns casos, mais do que provocar espanto ou surpresa, geram
incredulidade e irritação, especialmente quando inundam nossas caixas de mensagens
de correio eletrônico.
O que talvez terá sido meu primeiro contato com uma lenda urbana – embora à
época nem desconfiasse que se pudesse chamar tal história de “lenda”, ou “urbana” –
me soou mais como uma história estritamente local: a de uma tal “loira do banheiro”
que assustava as crianças da escola onde eu cursava o ensino básico. Em sua versão
mais comum, tratava-se da aparição do fantasma de uma moça loira muito bonita, toda
vestida de branco, com chumaços de algodão ensangüentados enfiados no nariz e os
pulsos cortados, no banheiro feminino da escola onde anos antes havia se matado vítima
da paixão não correspondida por um professor. Na verdade, a razão do suicídio pouco
importava diante do pânico que a simples idéia de encontrar um fantasma no banheiro
provocava entre as crianças, especialmente as meninas. Essas se recusavam a ir ao
banheiro desacompanhadas, pois sabiam que, se assim o fizessem, teriam uma grande
chance de se confrontar com a dita aparição.
Description:The Nigerian Scam – Um golpe sem fronteiras. 2. não sabemos ainda dominar, mas que atestam o poder de metamorfose da função uma organização, 'Por que eu deveria me importar em educar a minha comunidade?'”.