Table Of ContentEditora luMEN JuriS
rio dE JaNEiro
2019
Copyright © 2019 by Assis da Costa Oliveira, Ela Wiecko Volkmer de Castilho (Orgs.)
Categoria: Direitos Humanos
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Diagramação: Rômulo Lentini
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Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
Lei do índio ou lei do branco - quem decide? : sistemas jurídicos indíge-
nas e intervenções estatais / Assis da Costa Oliveira, Ela Wiecko Volkmer
de Castilho (organizadores). – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2019.
368 p. ; 23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-519-1282-9
1. Direitos humanos. 2. Direito indígena. 3. Constitucionalismo. 4. Di-
reito penal. I. Oliveira, Assis da Costa. II. Castilho, Ela Wiecko Volkmer de.
III. Título.
CDD 341
Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927
Prefácio: As leis e as Leis Inventadas
Todas as sociedades têm leis e seus membros se obrigam a acatá-las ou
sofrer as consequências. Estudá-las e resolver, com outras leis, como aplicá-las e
entendê-las, é coisa das sociedades ditas modernas, dos brancos, como dizem os
povos indígenas. A lei dos outros é sempre para os outros, leis exóticas, engraça-
das, estranhas, incompreensível, às vezes. Nossas leis sabemos quais são dizem
os membros das sociedades. Mas os brancos não sabem muito bem quais são as
leis que regulam cada coisa, ato e prática concreta. São muitas leis que vão se
tramando em teia fina de tal forma que se alguém não sabe todas elas ou não se
precavê em seus atos, acaba enredado.
De fato, as leis da sociedade moderna, muitas e para todas as ocasiões, são
consultadas apenas para os atos complexos e criados pela própria lei, como comprar
um imóvel, pagar imposto, etc. Para viver, trocar uma ideia com o vizinho, comer ou
vestir-se, não é preciso consultar as leis, sabe-se como agir, fazem parte do cotidiano
societário. A sociedade se acostuma às leis, isto é, elas fazem parte do costume.
As leis dos povos indígenas também fazem parte do costume, deles! É verdade
que pode haver quem diga: “Mas os indígenas têm leis?” Têm, e cumprem com
muita facilidade porque fazem parte de sua cultura e a aprendem desde crianças sem
escolas formais. Ao viver, vivem as leis de sua sociedade. Certa vez Paiaré Gavião,
líder da Montanha às margens do Rio Tocantins, perguntava como eram feitas as
leis dos brancos e, depois de uma resposta complexa, ponderou com iluminada pre-
cisão: “então a lei é uma invenção!? E por que os brancos inventam leis para os ín-
dios sem nos perguntar? Porque se os índios não gostarem terão que inventar outra.”
Mas por que mesmo os brancos fazem leis para os índios? Por que não se con-
tentam em inventar leis para sua própria sociedade e aplicar para os indígenas as
leis indígenas? Longas e profundas seriam as respostas e justificativas, todas levando
em conta apenas a racionalidade da modernidade. As explicações acabariam em
dogmas que teriam que ser cumpridos porque se inventaram como leis. Por isso,
juntando todas as respostas possíveis, que incluem desde a história da formação do
estado moderno, do racionalismo, do bem estar social e das políticas públicas, se
poderia resumir a uma afirmação: é obrigação do Estado e bom para os indígenas
que haja leis que regulamentem estas relações que, afinal, cria direitos aos povos
indígenas dentro do Estado moderno. Seria melhor ainda, em todo caso, perguntar
a eles ao fazer e cumpri-las ao inventar. O fato concreto é que estão feitas.
As leis chamadas nacionais ou dos Estados Nacionais, desde a constitui-
ção até a mais regulamentar das normas, se pretende universal dentro de um
território arbitrariamente estabelecido e reconhecido pelos outros Estados. No
loteamento do planeta terra coube um pedaço a cada Estado, com intromissões,
proteções, intervenções dos outros, é verdade, mas a razão ou a invenção quer
fazer crer que todas as gentes, bichos e plantas, montanhas e rios fazem parte,
ou como dizem os juristas, estão sob a jurisdição do território arbitrado.
É uma lógica pouco compreensível a um povo indígena, à primeira vista, mas
é assim! A lei inventada vale até o limite territorial do Estado criador que fica exa-
tamente onde começa outro Estado, e é complexa. Mas os povos a cada vez que vão
plantar mandioca ou construir sua aldeia devem consultar Códigos, analisar Decre-
tos e refletir sobre as Portarias, e saber que aquela terra com plantas, bichos, mon-
tanhas, rios e eles mesmos estão num ou outro Estado arbitrado, já que não sobrou
outros espaços? Ou singelamente seguirão as leis que costumam seguir e que sabem
que não afetará nem prejudicará grandemente a seus coabitantes, que tampouco
estarão atentos às leis dos brancos. Ademais, como diria Paiaré Gavião, se a lei que
os brancos inventaram para os índios não serve ou não está certa, os brancos que
inventem outra lei. Então, é seguir a vida com as leis que o costume dá a cada um.
Parece fácil. Porém, a lei dos brancos é uma invenção que pode ser rein-
ventada a cada momento e pode dizer que o que é deixa de ser. Eis o problema.
Quem inventa para o bem, como esperava Paiaré, pode inventar para o mal,
como temia Paiaré. Um pouco pior do que isso, quem inventa diz como é sua
invenção e os povos indígenas, que não inventaram nem participaram, lendo o
que está escrito, não podem compreender segundo a compreensão dos inven-
tores que leem o que não está escrito, estranho poder da palavra escrita que
retira ou esconde sentimentos, gestos, modulações e intenções. E a lei é palavra
escrita, seca, sem alma e quem a faz cumprir corre o risco de perder, também, a
alma e não ver a humanidade que ela esconde. Por a palavra escrita vale mais
do que a explicação clara e bem conversada? É o mistério da modernidade tão
bem captada pelo xavante Juruna e pelo yanomami Kopenawa1. O mundo dos
brancos para ser entendido tem que ser lido!
1 Mario |Juruna foi Deputado Federal e andava sempre com um gravador para gravar a conversa dos
brancos que sempre era tão diferentes das escritas. David Kopenawa escreveu um livro de grande
Então, os povos indígenas para poder ler as leis inventadas tiveram que cada
vez mais conhecer a leitura e o inventor e se dedicam a fazer isso desde meados
do século XX, compreendendo não só as leis nacionais e suas diferenças, mas as
normas internacionais. Mas, quem aprende, ensina. Então, os povos que tiveram
que aprender palavras como constituição, códigos, decretos, direitos, propriedades,
etc. começaram a poder explicar como eram as leis que os regia e foi ficando claro,
aos brancos que ensinavam, que complexas leis regiam esses povos, tão complexas
e tão naturalmente estruturadas que nem precisavam se chamar de leis e de direito.
É disto que este livro trata. De como os povos indígenas, ou melhor, cada
povo indígena tem direito, jurisdição, autonomia, sistema jurídico, sentido de
justiça e de como isso se relaciona com a invenção da lei moderna dos estados
que abarcam seus territórios e as vezes estende a mão protetora mal lavadas de
atrocidades recentes e remotas e ameaças futuras.
O livro trata da “Lei do Índio ou Lei do Branco – quem decide?” fazendo
reflexões sobre sistemas jurídicos indígenas e intervenções estatais. Dividido
em duas seções está escrito por quem conhece o assunto em seus mais íntimos
recantos. Mais de uma dezena de autores se debruçam sobre estas questões
que são, só por existir, portadoras de conflitos. Apesar da diversidade de pen-
samentos, a obra está tão bem organizada por Assis da Costa Oliveira e Ela
Wiecko Volkmer de Castilho que oferece uma totalidade e unicidade precisa de
argumentos e o leitor poderá desvelar e entender a beleza e a riqueza que ainda
pulsa por trás das leis ou se indignar ao vislumbrar quão fácil poderiam ser en-
contradas soluções para problemas de relações humanas negadas ou violadas.
Boa leitura!
Curitiba, março de 2019
Carlos Marés
Professor Titular da PUC/PR
alcance para entender a cultura dos outros: KOPENAWA, David & BRUCE, Albert. A queda do
ceú: palavras de xamã yanomami. São Paulo: Cia das Letras, 2015.
Sumário
Introdução: Sobre Conflitos Jurídicos, Direitos Indígenas e Indagações ..........1
Assis da Costa Oliveira
Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Seção I – Reconhecimento dos Sistemas Jurídicos Indígenas,
Constitucionalismo Latinoamericano e Direito Penal
1. De la Autonomía y el Derecho de Administración
de Justicia Indígena en Latinoamérica............................................................13
Rosembert Ariza Santamaría
2. Proteção Constitucional da Jurisdição Indígena no Brasil ..........................43
Erika Macedo Moreira
Ana Catarina Zema
3. Radiografia do Tratamento Penal aos Povos Indígenas: dos Usos da
Culpabilidade à Aplicação da Autodeterminação e da Antijuridicidade .......75
Assis da Costa Oliveira
4. Indígenas na Prisão: o Déficit da Perspectiva Intercultural .......................127
Ela Wiecko Volkmer de Castilho
5. Direito do Estado e Jurisdição Indígena: Casuísticas Amazônicas
de Pluralidade, Jusdiversidade e Interlegalidades ..........................................157
Edson Damas da Silveira
Júlio Macuxi
6. La Justicia Mapuche en Pulmarí. De la Reivindicación
Indígena al Reconocimiento Estatal ..............................................................181
María Paula Cabeda
Seção II – Atuação dos Sistemas Jurídicos Indígenas,
Poder Judiciário e Laudos Antropológicos
1. Nhande Nhe’e Rupia’e (Por Nossas Próprias Palavras) .............................201
Almires Martins Machado
2. Justiça Kayapó Mebengokre: um Estudo de Caso ......................................221
Gustavo Hamilton de Sousa Menezes
3. O Júri Indígena de Roraima e a Atuação do Sistema Jurídico Indígena ...237
Assis da Costa Oliveira
4. La Pericia Antropológica: una Axiología Jurídica Postcolonial ................279
Manuel Alberto Jesús Moreira
5. Indígenas crianças: desafio aos sistemas
jurídicos indígenas e não-indígenas ..............................................................297
Jane Felipe Beltrão
6. Sentido de Justiça Mbyá-Guarani e a Intervenção Estatal:
Lógicas em (Des)Encontro? ...........................................................................313
Elaine Amorim
7. Sociedades Ecocosmológicas e Interlegalidade: a Experiência Mapuche
e o Azmapu Frente a Etnofagia Multicultural ...............................................337
Sandra Nascimento