Table Of ContentUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
Evidência oral, evidência escrita e conceito de ciência - estudo de casos
Marcelo Barros Sobrinho
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Social
do Departamento de
História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Shozo Motoyama
v.1
Versão Corrigida
São Paulo
2015
Sumário
Resumo 3
Introdução 6
História e evidência oral 14
Conceitos de ciência da evidência escrita 23
Conceito de ciência da evidência oral 71
Aproximações e distanciamentos 295
Caminhos 354
Considerações finais 363
Bibliografia 366
Índice Analítico 370
2
Resumo
Foram realizadas 52 entrevistas e um workshop em um período pouco superior a um ano como
parte de um projeto de história dos 50 anos de uma agência de fomento. Esse material (a
evidência oral) é o material primário utilizado neste presente estudo. Também foram utilizadas
17 entrevistas de um projeto de história dos 40 anos da mesma agência. O material foi lido e
foram retirados trechos relacionados a um possível conceito de ciência que poderia ser abstraído
dessa evidência oral. Além disso, foram estudados os conceitos de ciência de alguns autores
(Donald Stokes, Fernand Braudel, Francis Bacon, Karl Popper, Paul Feyerabend, Thomas Kuhn
e Vannevar Bush). Esses conceitos e citações de suas obras foram apresentados (evidência
escrita). Em seguida, foram apresentados aproximações e distanciamentos dessas duas
evidências. Finalmente, um conceito de ciência resultante, ou o caminho percorrido pelo
conceito de ciência, foi apresentado. Conceito este que se baseia primariamente na evidência
oral. A possibilidade de formular um conceito de ciência não baseado somente nessa evidência,
mas a utilizando primariamente, era o objetivo principal deste estudo.
Palavras-chave
Conceito de ciência, História da Ciência, Evidência Oral, História Oral, Evidência Escrita.
3
Abstract
52 interviews and a workshop were performed in a period just over a year as part of a 50-year
history project of a research funding agency. This material (the oral evidence) is the primary
material used in the present study. 17 interviews of a 40-year history project of the same agency
were also used. The material was read and excerpts were extracted related to a possible concept
of science which could be abstracted from such oral evidence. Moreover, the concepts of
science of some authors were studied (Donald Stokes, Francis Bacon, Karl Popper, Paul
Feyerabend, Thomas Kuhn e Vannevar Bush). These concepts and quotations from their works
were presented (written evidence). Next, similarities and dissimilarities of both evidences were
presented. Finally, a resulting concept of science, or the path walked by the concept of science,
was presented. Such concept is based primarily on the oral evidence. The possibility of
formulating a concept of science not based only on this evidence, but using it primarily, was the
main objective of this study.
Keywords
Concept of Science, History of Science, Oral Evidence, Oral History, Written Evidence.
4
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos pesquisadores Francisco Assis de Queiroz, Marcelo Teixeira, Marilda
Nagamini, Octavio Tostes e Paulo Escada pelo seu trabalho e pesquisa, amplamente utilizados
aqui, sem os quais este trabalho não seria possível - e também pela convivência e amizade. O
mesmo pode ser dito para meu orientador, Shozo Motoyama, participante e líder da equipe e
cujo trabalho também foi amplamente utilizado por mim. Também agradeço por sua
compreensão, paciência e ajuda, além dos conselhos gerais, técnicos e/ou específicos, que
procurei seguir e possivelmente os momentos que não o fiz foi por deficiência minha. Também
agradeço o importante trabalho de transcrições, realizados por alguns dos pesquisadores acima e
por Helena Lucas de Oliveira, William Gama e Adriana Casagrande.
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Introdução
Importância da história e da evidência oral neste projeto
"[Oral history] can give back to the people who made and experienced history, through their
own history, a central place".1 Colocar o indivíduo no centro é um dos objetivos desta pesquisa,
para a formação do conceito de ciência dentro2 da comunidade científica. Ao invés de estudar o
conceito de ciência a partir de evidências escritas objetivas somente, é introduzida a evidência
oral, por meio do sujeito. A subjetificação é realizada por meio da evidência oral, em
contraposição à objetificação corrente dos documentos escritos. O sujeito assume o papel
central. No que diz respeito à história oral, isso foi feito no projeto de entrevistas realizadas no
âmbito do projeto da história de 50 anos da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo): pessoas que fizeram e vivenciaram a história da instituição se fazem
presentes e assumem essa posição nuclear, desde dirigentes de vários níveis, passando por
colaboradores e clientes/usuários, até membros da sociedade civil.
Porém, até que ponto a evidência encontrada nessa história oral fapespiana pode assumir alguma
ou várias das funções apresentadas acima? Ela pode ser, no mínimo, suplementar em relação à
evidência escrita, ou mesmo ter prevalência em relação a esta? Ela pode eventualmente
interagir, ser comparável, servir como contraponto em relação a alguma informação da
evidência escrita? Ela efetivamente insere o sujeito como ator central da história? A memória
apresentada nos testemunhos é confiável, mesmo a mais antiga desse período cinquentenário, e
é mais individualizada do que coletiva? A evidência oral levantada pode ser considerada como
tendo o mesmo valor que a evidência escrita também levantada? Ela ajuda a recolocar a
oralidade em um nível de relevância que já possuiu nos primórdios da história ou mesmo das
ciências humanas? Ela efetivamente estimula o debate?
1 ["A história oral] pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história, por meio de sua
própria história, um lugar central" [tradução minha]]. Thompson, P., The Voice of the Past: Oral History,
p. 3.
2 Dentro (ou interno) no sentido explorado por Vansina: "Without oral traditions we would know very
little about the past of large parts of the world, and we would not know them from the inside. We also
could never build up interpretations from the inside" ["Sem as tradições orais, não conheceríamos
muito sobre o passado de grandes partes do mundo e não as conheceríamos de dentro. Nós também
nunca poderíamos acumular interpretações de dentro". [tradução minha]] (Vansina, J., Oral Tradition as
History, p. 198) - i.e., interpretação do conceito de ciência dentro da comunidade científica por meio da
análise de evidência oral. E também: "The argument that as sources from the inside oral traditions are
invaluable in contributing evidence and correcting basic biases in foreign historical interpretation holds
here as it does elsewhere" ["O argumento que, como fontes de dentro, as tradições orais são
inestimáveis para contribuir com evidência e corrigir vieses básicos na interpretação histórica externa se
mantém aqui como em outros pontos"]. [tradução minha] (pp. 198-9) - a oralidade pode ser essencial
como evidência e servir de base para a interpretação, o que é vital para esta pesquisa.
6
O presente estudo pretende abordar, de modo diferente essas questões, em face das entrevistas
realizadas e sua análise buscará levantar de modo satisfatório uma conceituação resultante dessa
evidência oral.
7
As entrevistas e o projeto em que elas se inseriram
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) é uma agência de
fomento bastante conhecida no país. Trata-se de uma fundação estadual localizada no estado
com maior PIB no Brasil e que possui ambições que ultrapassam fronteiras físicas locais, com
alcance em todo o país e também fora dele. Não é apenas uma inspiração, mas também um
modelo para as assim chamadas FAP´s (fundações de amparo à pesquisa estaduais) espalhadas
nacionalmente. O projeto de história de seus 50 anos envolveu sete pesquisadores (Francisco
Assis de Queiroz, Marcelo Barros, Marcelo Teixeira, Marilda Nagamini, Octavio Tostes, Shozo
Motoyama e Paulo Escada) liderados por Shozo Motoyama. Uma parte do projeto envolveu a
realização de 52 entrevistas e mais um workshop3 com pessoas que pudessem oferecer
informações relevantes e compartilhar suas experiências vivenciadas com a FAPESP. Todas as
entrevistas e o workshop foram filmados em formato digital e arquivados. Foram,
primeiramente, transcritas e em um segundo momento adaptadas à forma escrita formal
(copidescadas). Em todas as entrevistas, houve a participação de, no mínimo, três dos
pesquisadores envolvidos, e no máximo, cinco. As entrevistas e o workshop transpostos para
linguagem formal escrita resultaram em um dos livros do projeto, dedicado aos depoimentos.
Entre os entrevistados, encontram-se diretores atuais e antigos da FAPESP, membros do
Conselho Superior, membros da equipe da Fundação, o Ministro da Ciência, Tecnologia e
Inovação, o presidente do CNPq, o presidente da agência federal de fomento à inovação
(FINEP), o Secretário de Educação do Estado de São Paulo, os reitores das três grandes
universidades públicas estaduais de São Paulo, cientistas, professores, pesquisadores,
empresários e jornalistas. Uma característica comum à ampla maioria: o fato de terem sido
apoiados, em algum momento de suas carreiras, pela FAPESP. Em alguns casos, estamos
falando de apoio em todos os níveis: da graduação ao pós-doutorado, passando por projetos em
equipe. A confluência de suas carreiras não somente com a história da Fundação, mas também
com alguns eventos históricos brasileiros (como, por exemplo, o golpe de estado de 1964)
oferece um pano de fundo rico da própria história do país. Além do mais, uma visão geral da
política de ciência e tecnologia do Brasil e também uma visão do futuro nessa área oferecem
uma compreensão mais profunda do papel do país no campo de ciência e tecnologia global atual
e no futuro. Finalmente, as entrevistas, além de recuperarem a memória da instituição nos
últimos 50 anos, também permitiram o desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre a
importância da Fundação no desenvolvimento da ciência brasileira e a importância que ela pode
ter no futuro.
3 Que contou com a participação de 13 pessoas.
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Os depoimentos não ficaram restritos ao volume dedicado a eles, tendo sido utilizados direta e
indiretamente no primeiro volume do projeto, sobre a história cinquentenária da instituição.
Porém, para os fins desta pesquisa, é o volume de depoimentos que interessa primariamente: as
várias entrevistas realizadas como parte do esforço do projeto sobre a história da Fundação. Por
meio dele, uma das funções da história oral, segundo Thompson, de fazer com que as pessoas
que fizeram e vivenciaram a história assumam um papel central4 , pode ser considerada como
tendo efetivamente se cumprido, no mínimo pela visibilidade assumida pela publicação de um
volume inteiro dedicado a esses depoimentos, mas também pela história que se formou a partir
de tais testemunhos, ou pela colaboração para a formação dessa história.
As 52 entrevistas e o workshop foram realizados em um período de um pouco mais de um ano
(novembro de 2011 a janeiro de 2013), sendo a maioria utilizadas no volume de depoimentos.
Como especificado acima, foram entrevistados dirigentes atuais e antigos de vários níveis,
assim como colaboradores e clientes/usuários do sistema. O quadro apresentado é rico e com
biases diferentes: visões mais críticas e mais apoiadoras, visões mais internas e mais externas,
visões mais administrativas e mais científicas, visões mais conservadoras e mais inovadoras,
envolvimentos mais ou menos pessoais... Esse melting pot resultante talvez ajude a entender
como a Fundação se desenvolveu, cresceu e se diversificou. A própria estrutura de formulação
das perguntas facilita o desenvolvimento de diversos assuntos de interesses: perguntas open-
ended e uma ordenação que procura respeitar a linha de raciocínio e elicitar assuntos são
privilegiadas, ao invés de leading questions, utilizadas pontualmente, para não inibir o
testemunho oral5.
Evidência escrita e escolha dos autores
Tentarei identificar algumas das questões apresentadas acima e quiçá respondê-las/abordá-las
mais ou menos satisfatoriamente. O recurso à evidência escrita será utilizado. Afinal, evidência
escrita e oral não são excludentes, mas suplementares e podem possuir um status/relevância
semelhantes (ou não). Uma das colaborações interessantes entre material escrito e oral será entre
algumas das hipóteses levantadas por Francis Bacon, Vannevar Bush e, principalmente, Donald
Stokes em seus respectivos textos Nova Atlântida e Novum Organum; Science the Endless
Frontier e O Quadrante de Pasteur e também a três autores relevantes no que diz respeito à
conceituação da ciência: Karl Popper, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. A (in)distinção entre
ciência básica e aplicada, sua conceituação e como isso se reflete, ou pode se refletir em apoios
à pesquisa por entidades de fomento serão abordados tanto na obra clássica de Bush, mas
4 Thompson, P., op. cit., p. 3.
5 Definições de open-ended e leading questions podem ser encontradas em Thompson, op. cit., pp. 229-
30.
9
principalmente na visão crítica de Stokes, tentando identificar alguns pontos em declarações
encontradas nos diversos depoimentos. Hipóteses stokianas podem eventualmente ganhar
suporte na evidência oral a ser abordada (ou não). Ou, talvez, até mesmo a hipótese da "fome"
necessária para inovar de Braudel6. Tudo isso acaba, elevando o status da evidência oral ao da
escrita. As intensas discussões entre Popper, Kuhn e Feyerabend também serão uma rica fonte.
Porém, como justificar a escolha dos autores citados? Não é, claramente, uma escolha que tenha
a pretensão de ser extensiva. Isso evidencia a necessidade de justificar a escolha desses poucos
autores, alguns muito distantes entre si no tempo, outros nem tanto. Para começar, Vannevar
Bush foi um engenheiro com trabalhos importantes na área de pesquisa, mas que ficou
conhecido por sua atuação destacada na área de política de ciência e tecnologia. Sua obra
clássica, citada acima, foi lançada já no final da Segunda Guerra (pode também ser considerado
também como o pós-guerra imediato, em julho de 1945, uma vez que o conflito já estava
decidido), na conjuntura do bem-sucedido empreendimento de Big Science do Projeto
Manhattan (que culminou no lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em 6
e 9 de agosto de 1945, após o lançamento do texto de Bush), visando o estabelecimento do que
acabaria se tornando a National Science Foundation (NSF), em 1950. Abaixo (no capítulo
Conceitos de ciência da evidência escrita), mais detalhes e a conceituação de Bush serão
apresentados. E, considerando a relação dos entrevistados com uma grande agência de fomento
à pesquisa, a inclusão do idealizador de uma das maiores e tradicionais agências do mundo
ficaria por este motivo justificada. Além disso, há a importância conceitual de Bush, com a
separação que faz entre ciência básica e aplicada e a relação direta que existiria entre ciência
básica, sua aplicação e o desenvolvimento de um país. Stokes faz uma crítica e análise
interessantes de Bush e propõe um outro modelo de conceituação/divisão da ciência, que na sua
visão seria mais adequado. Para Stokes, a realidade da ciência é unir considerações de uso e
busca de entendimento fundamental e não separar aplicação e base. E o caminho do
entendimento para o uso não se dá, sempre, do modo linear e direto que Bush prega.
O uso do terceiro autor, Bacon, também pode ser justificado de modo semelhante a Bush,
destarte a grande diferença de séculos entre eles. Bacon foi uma grande influência e fundador da
Royal Society, ainda no século XVII. Trata-se de uma das maiores instituições voltadas para o
apoio à C&T do mundo e a preocupação dos pesquisadores entrevistados pela FAPESP, mais
uma vez justificaria a inclusão de Bacon. Além disso, há, também, a importância conceitual do
autor, com a ênfase em aplicação, por meio da preocupação da dominação da natureza (e da
dominação pela natureza).
Os três autores seguintes a serem analisados, Popper, Kuhn e Feyerabend, não possuem relação
tão destacada com a execução de política de C&T. Porém, suas definições conceituais sobre
6 Braudel, F., Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII - As Estruturas do Cotidiano.
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Description:saying that scientific methods are simply the ones illustrated by the manipulative techniques used in aparecimento da Embraer, conseqüência natural da formação de recursos humanos altamente identificação da fraude, com o auxílio de recursos como Photoshop, internet, mecanismos de.