Crescimento somático na população africana em idade escolar. Estado actual do conhecimento

13 Pages·2006·0.56 MB·Portuguese

Crescimento somático na população africana em idade escolar.
Estado actual do conhecimento
Sílvio Saranga1 1Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências de
José Maia2 Educação Física e Desporto, Maputo, Moçambique
Jorge Rocha3 2Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, Portugal
Leonardo Nhantumbo1 3Universidade do Porto, Faculdade de Ciências e
António Prista1,4 IPATIMUP, Portugal
4Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Medicina,
https://doi.org/10.5628/rpcd.06.01.81 Maputo, Moçambique
RESUMO ABSTRACT
O desenvolvimento da investigação científica em torno do cres- Somatic Growth in African Children and Youth.
cimento somático das populações tem-se justificado não só Current Knowledge
pela sua utilidade no âmbito da saúde pública e desenvolvi-
mento humano, mas também pelo contributo que presta a dife- Scientific research in somatic growth has been justified by its utility in
rentes domínios da ciência, como sejam a auxologia, a antropo- public health and human development as well as its major contribution
logia, a epidemiologia e a nutrição, entre outros. Por se encon- to such fields as auxology, anthropology, epidemiology and nutrition.
trar associado aos estudos das populações afectadas por condi- Since growth deficiencies are associated with adverse hygienic-nutri-
ções higiénico-nutricionais adversas, o continente africano tional conditions, the development and application of knowledge pro-
encontra particular interesse no seu desenvolvimento e aplica- vided from auxology is increasing in Africa. The present literature
ção. A presente revisão da literatura, ao tentar estabelecer o review has been conducted in order to face the need of a systematisation
estado do conhecimento actual, pretende auxiliar os pesquisa- of the few publications about growth in school aged populations of
dores de populações africanas em idade escolar. A partir da Africa. All the papers cited in available library databases which refer
consulta de bases disponíveis, foram seleccionados todos os to studies within this framework of research with school aged African
artigos que versassem estudos realizados em África, com sujei- populations have been included. The study of the bio-anthropological
tos em idade escolar e referindo diferentes aspectos do seu meaning of child growth, namely the socio-economic influence, seems to
crescimento somático. Os estudos revistos revelam uma preo- be the main concern. Another issue is the interpretation and validity of
cupação centrada em torno do significado antropobiológico do using international norms and cut-offs to classify nutritional status.
crescimento infanto-juvenil, nomeadamente na influência das The review also suggests that, facing some of the methodological and
condições sócio-económicas no crescimento, sobretudo a partir substantive limitations of such research and the recent development
de um enfoque diferencialista de meios e estratos sócio-econó- within the broad field of genetics, new approaches will come out in the
micos distintos. Um outro aspecto de relevo reside no uso near future to solve some of the must relevant research problems.
generalizado de normas internacionais para avaliar-estimar o
estado nutricional, bem como a validade dos pontos de corte Key Words: growth, children and youth, Africa, public health,
usualmente utilizados. Finalmente, sugere-se abordagens mais epidemiology.
amplas e diversificadas no entendimento da enorme variabilida-
de populacional. A epidemiologia genética, ou a genética de
populações podem ser enfoques altamente promissores.
Palavras-chave:crescimento, crianças e jovens, África, saúde
pública, epidemiologia.
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INTRODUÇÃO: ÂMBITO, RELEVÂNCIA fraca vigilância pediátrica nestes países devido, entre
E ENQUADRAMENTO outros factores, à falta de pessoal técnico e clínico
A literatura de cariz antropo-auxológico tem eviden- qualificado e a um serviço de saúde deficiente.
ciado, com muita frequência, o papel relevante do Olhando para a imensidão territorial e para a grande
estudo do crescimento somático em populações des- variabilidade das populações africanas, sobretudo no
favorecidas no âmbito da saúde pública, das avalia- estrato etário mais jovem, pode afirmar-se, com algu-
ções nutricionais e do desenvolvimento pessoal. A ma propriedade, que há relativamente poucos estu-
infância e a pré-adolescência são considerados perío- dos acerca do crescimento e desenvolvimento das
dos sensíveis na vida do ser humano, pelo que a populações pertencentes à região Sub-Sahariana, par-
informação circunstanciada e altamente detalhada do ticularmente em subgrupos populacionais rurais.
crescimento infantil é considerada como um excelen- Esta lacuna reclama uma atenção única, se nos con-
te indicador de saúde, ao permitir o estabelecimento centrarmos na enorme riqueza informacional que
de padrões de vigilância do desenvolvimento da estas regiões têm, e que são de grande preciosidade
criança. Daqui que facilitem o diagnóstico do estado para a interpretação da variabilidade humana e suas
sanitário de populações com propósitos de interven- implicações nos domínios da medicina, da educação e
ções adequadas ao nível das comunidades. da qualidade de vida das populações. Devido à sua
Os factores negativos que interfiram precocemente extraordinária diversidade étnica, geográfica e sócio-
no processo de crescimento, tais como o hipotiroidis- cultural, a que se associam manifestas assimetrias
mo ou a desnutrição, podem ter consequências a nos ritmos de desenvolvimento económico, as popu-
longo prazo (22). Uma análise adequada do cresci- lações africanas podem ser vistas como experiências
mento permite despistar estes factores, identificar naturais em que é possível analisar e ponderar a
situações em que seja necessária intervenção clínica, influência dos diferentes factores que afectam os
bem como avaliar o seu sucesso. Para além deste padrões de crescimento e desenvolvimento humanos.
domínio, em que se pode reduzir substancialmente Um olhar pela literatura sobre o crescimento e
diferentes aspectos da morbilidade infantil, a presta- desenvolvimento em África mostra que há um défice
ção de cuidados médicos baseados na monitorização considerável de estudos centrados nas zonas rurais
do crescimento tem como objectivo estabelecer as que, juntamente com outras áreas não urbanizadas,
condições ambientais que permitam à criança expres- concentram mais de 50% da população africana. Na
sar o seu potencial genético de desenvolvimento. sua maioria, os trabalhos de pesquisa têm sido reali-
Nos últimos 20 anos, um conjunto variado de estu- zados no âmbito da avaliação do estado nutricional,
dos centrados em diferentes “lugares” de pesquisa recorrendo a indicadores antropométricos. Por outro
(antropológico, auxológico, epidemiológico, clínico e lado, as abordagens têm sido essencialmente realiza-
nutricional) tem apontado, de forma clara, o fosso das com crianças menores de 5 anos, dada a elevada
enorme que separa os resultados de crescimento e taxa de mortalidade nesta faixa etária. De há alguns
desenvolvimento individual e colectivo dos países anos para cá, começa a notar-se uma tímida, mas
desenvolvidos, produto de condições sócio-económi- emergente, preocupação no estudo da criança em
cas altamente favoráveis, dos que ocorrem nos paí- idade escolar, incluindo as diversas fases pubertárias,
ses em desenvolvimento. Nestes últimos, as crises de que são exemplo os trabalhos realizados por
económicas, de carácter mais ou menos cíclico, con- Davies et al. (11), Sellen (42) e Gillett e Tobias (14)
duziram a um agravamento substancial do estado na Tanzânia, Cameron et al. (6), Henneberg e Low
nutricional e da saúde das populações, com fortes (18) e Monyeke et al. (28) na África do Sul, Pawloski
prejuízos da sua capacidade de produzir trabalho e (32) no Mali, Zverev e Gondwe (54) no Malawi, e,
fruir de uma vida activa e plena (45). Daqui que não finalmente, em Moçambique por Martins (24), Prista
seja surpreendente que o atraso no crescimento (33, 34, 37), Muria (29), Saranga (41) e Prista et al.
somático e desenvolvimento psicomotor das crianças (35, 36, 39).
dos países em desenvolvimento, com especial desta- Neste trabalho é apresentada uma revisão bibliográfi-
que para os da África Sub-Sahariana, seja estabeleci- ca dos estudos de crescimento realizados em países
do nos primeiros dois ou três anos de vida (1, 19, da África Sub-Sahariana em populações com idade
42). Este facto está geralmente associado a uma escolar (Quadro 1).
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Quadro 1: Estudos de crescimento somático de crianças em idade escolar realizados nos países africanos a Sul do Sahara.
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A fim de sistematizar os principais tópicos aborda- centil 5. O limite inferior do canal geralmente admi-
dos nestas pesquisas, a apresentação será dividida tido no âmbito da pediatria clínica é o percentil 3.
em duas áreas temáticas fundamentais: 1) significa- A Organização Mundial de Saúde recomenda o uso
do regional e nacional dos padrões de crescimento e de normas dos Centros Nacionais de Estatísticas de
desenvolvimento, suas associações com indicadores Saúde, com destaque para as oriundas de estudos
de saúde e comparações com dados de referência realizados com crianças americanas (49), quando se
internacional; 2) comparações entre os padrões pretende obter uma base de contraste em estudos
observados em populações rurais e urbanas e em comparativos independentes de populações e de sub-
diferentes grupos sócio-económicos. grupos populacionais (49). Contudo, esta sugestão e
É objectivo do presente documento a descrição dos prática têm sido objecto de várias críticas (36, 39).
trabalhos publicados sobre estudos com populações Um dos principais constrangimentos nas práticas
locais africanas, a sistematização dos principais pro- pediátricas é a ambiguidade na definição dos parâ-
blemas e resultados, bem como a tentativa de pers- metros do crescimento normal. A ausência de uma
pectivar os eixos principais de desenvolvimento da definição precisa e inequívoca de stuntinge wasting
investigação futura. impede a identificação clara das crianças em risco.
A incapacidade para detectar estes fenómenos tem
VARIAÇÃO REGIONAL DOS PADRÕES DE CRESCIMENTO fortes implicações no diagnóstico de certas doenças,
E SUAS RELAÇÕES COM DADOS DE REFERÊNCIA visto que estes desvios são, na sua essência, diferen-
INTERNACIONAIS tes e têm significados clínicos distintos. Este pro-
A altura e o peso são dois dos indicadores antropo- blema tem sido objecto de inúmeros debates, sobre-
métricos de maior relevância na elucidação do estado tudo no que respeita à utilidade relativa do uso de
nutricional, assumindo-se, geralmente, que desvios normas internacionais ou nacionais. Actualmente
negativos do desenvolvimento estaturo-ponderal de parece haver um consenso, mais ou menos generali-
uma criança traduzem deficiência nutricional (33, zado, relativamente à vantagem da utilização de
34, 36). Estes desvios, denominados de stunting normas nacionais, isto é, normas provenientes de
(baixa estatura em relação à idade, ou atraso na amostras da população em análise, constituídas por
velocidade de crescimento linear) e wasting(baixo indivíduos com estado de saúde óptimo e não
peso em relação à estatura ou atraso na velocidade expostas a constrangimentos sérios ou agressões
de crescimento ponderal), estão bem documentados ambientais. No entanto, a ausência deste tipo de
em países em desenvolvimento (25, 43, 52). A quali- normas na maior parte dos países tem levado a uma
dade de um critério de diagnóstico baseado na defi- maior utilização dos padrões de referência interna-
nição de um limite de normalidade pode ser avaliada cionais actualmente disponíveis. Segundo Tanner
pela sua sensibilidade e especificidade. A sensibilida- (44), as normas internacionais são válidas para
de é uma medida do poder de identificação de casos crianças de diversos grupos sócio-económicos, pelo
patológicos. Será tanto mais alta quanto menor a que as estaturas e pesos que se encontrem dentro
percentagem de falsos negativos. A especificidade dos canais percentílicos das tabelas de referência
quantifica a fiabilidade na identificação de casos nor- podem ser consideradas normais.
mais e será tanto mais alta quanto menor a percen- A grande controvérsia, no que se refere a compara-
tagem de falsos positivos. Se, por exemplo, procurar- ções inter-populacionais usando estas referências,
mos aumentar a sensibilidade através de uma deslo- resulta, por um lado, do facto de haver uma grande
cação do limite de normalidade para o percentil 10, variabilidade étnica nas populações e, por outro, dos
haverá uma redução da especificidade. Se o limite de grupos de referência serem geralmente de origem
normalidade for menor que o percentil 3, verificar- europeia e de classes sociais e ambientes específicos.
se-á o inverso. Normalmente, entende-se por desvio Embora seja consensual que as normas de referência
da taxa normal a perda da posição percentílica com devam ser determinadas a partir de populações sau-
trajectórias para canais percentílicos abaixo do per- davelmente nutridas e apresentando estados clínicos
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normalizados, considera-se que os desvios destas do atraso no crescimento, como a morbilidade e mor-
normas podem não indicar necessariamente situa- talidade (1, 19). A importância destes indicadores
ções patológicas. Assim, salientando a importância reside no facto de poderem servir de caracterizadores
da variabilidade étnico-regional como fruto de uma da população, para além de facilitarem a comparação
interacção genética e ambiental natural, a União com populações de países desenvolvidos. Para as
Internacional de Ciências Nutricionais propunha, em populações africanas ainda não há ferramentas basea-
1971, que o uso de valores de referência locais per- das em evidências empíricas para medir a morbilida-
mitiria uma mais fácil identificação da posição do de, devido, entre outras coisas, a carências estrutu-
sujeito, tendo em conta as condições específicas do rais e formais dos serviços de saúde.
seu ambiente, incluindo a nutrição e os serviços de Dois trabalhos recentes nesta matéria foram realiza-
saúde (15, 17, 23, 30, 46). Neste contexto, as tabe- dos em Moçambique (36, 39). Em dois momentos
las padronizadas a partir de outras populações diferentes, os autores avaliaram a relevância biológi-
devem ser, no entender de alguns autores, designa- ca dos critérios antropométricos de avaliação do
das como referências e não como normas (50, 7). estado nutricional adoptados pela OMS (52) em
A adopção de normas locais apresenta, contudo, populações de idade escolar de ambos os sexos. A
constrangimentos importantes. Em primeiro lugar, o pesquisa consistiu, essencialmente, na divisão de
facto da sua construção ser muito onerosa, exigir duas grandes amostras em grupos nutricionais de
grandes amostras e a formação de técnicos locais acordo com a classificação da OMS, e na comparação
com elevados níveis de proficiência tornar a sua exe- das mesmas em termos clínicos, de performance
cução muito difícil. Em segundo lugar, a elevada pre- motora e actividade física habitual, assumindo que
valência das mais variadas doenças e sequelas de um estado nutricional deficiente se reflectiria neces-
condições higiénico-nutricionais adversas dificulta a sariamente, e negativamente, nas variáveis em estu-
definição de critérios seguros de inclusão e exclusão. do. Desta investigação resultou a conclusão que os
Face a estas dificuldades de construção de normas valores de corte para definir sujeitos com subnutri-
locais, tem sido considerado que as normas de refe- ção (wastede stunted) não apresentavam validade,
rência universais, apesar das suas limitações, consti- dado que as poucas diferenças encontradas eram
tuem o meio disponível mais apropriado para o des- explicadas apenas pelas diferenças em tamanho cor-
piste dos atrasos nos índices de crescimento das poral, o que conduziu à discussão acerca dos efeitos
populações (16). Esta opção é apoiada pela observa- e significado alométrico da estatura. Por outro lado,
ção de que as crianças dos grupos sócio-económicos foi sugerida validade para os critérios de definição de
mais prósperos de diferentes populações apresentam obesidade, já que se observaram diferenças significa-
menor disparidade de crescimento linear do que tivas entre os classificados de obesos e os restantes
subgrupos da mesma população pertencentes a dife- grupos nutricionais. Apesar de pesquisar populações
rentes estratos sócio-económicos (17). Tal padrão de idade pré-escolar, van Loon (46) demonstrou que
parece indicar que as diferenças ambientais intra- ouso de critérios desajustados poderá induzir erros
populacionais se sobrepõem às possíveis diferenças com implicações humanas de impacto negativo. Por
genéticas inter-populacionais (26). exemplo, a sobre-classificação de prevalência de mal-
Pelo contrário, outros autores sustentam que a dife- nutrição pode levar ao abandono de estratégias efi-
renciação genética pode ter implicações significativas cientes, por causa das estimativas de custos operati-
nos padrões de crescimento dos diversos grupos étni- vos que poderiam ser realizados se o número de fal-
cos, explicando, por exemplo, as diferenças observa- sos positivos não fosse tão elevado. Parece ser de
das entre europeus e asiáticos (15, 40, 12). No concluir, daqui, a urgência do desenvolvimento e afi-
entender destes autores, o uso de normas de referên- namento de instrumentos simples e altamente fiá-
cia exteriores à população em estudo pode conduzir a veis, de validade biológica comprovada para classifi-
interpretações enviesadas das implicações dos resul- car, com elevado rigor e segurança, diferentes esta-
tados, devido à falta de indicadores sensíveis e fiáveis dos nutricionais.
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COMPARAÇÕES ENTRE OS PADRÕES OBSERVADOS EM functional tests, envolvendo dois grupos de crianças
POPULAÇÕES RURAIS E URBANAS E EM DIFERENTES urbanas e rurais, com o máximo de contraste no que
GRUPOS SÓCIO-ECONÓMICOS. se refere ao estatuto sócio-económico na África do
Cameron (4, 5), baseando-se em dados longitudinais Sul. Os dados foram recolhidos entre os anos 1986 e
de crianças sul-africanas de áreas rurais, demonstrou 1988, numa amostra de 1974 crianças urbanas do
que os seus padrões de crescimento se encontravam estatuto sócioeconómico elevado (906 rapazes e
muito abaixo do percentil 50 até ao período da ado- 1068 raparigas), com idades compreendidas entre os
lescência. No entanto, após o salto pubertário, os 5 e 20 anos; numa outra amostra de 1774 crianças
valores atingidos não se encontravam muito longe rurais de estatuto socioeconómico baixo (834 rapa-
dos padrões dos jovens americanos e britânicos. O zes e 940 raparigas), as idades estavam compreendi-
mesmo autor (5), num estudo de revisão, comparou das entre os 5 e 19 anos. Tomaram como indicadores
os valores de crescimento (altura e peso) e consta- do padrão de crescimento a altura, o peso, o compri-
tou que havia diferenças significativas entre rapari- mento dos membros, perímetros do braço e da coxa.
gas sul-africanas de áreas urbanas e rurais. Refere Verificou-se que, em média, as crianças do meio
que crianças de nível sócio-económico elevado se rural se encontram abaixo das crianças do meio
encontram muito próximo do percentil 50 das nor- urbano nos indicadores altura e peso. Quanto à com-
mas da OMS. Por outro lado, observou que crianças posição corporal, as crianças urbanas encontram-se
rurais e urbanas de nível sócio-económico elevado acima das normas de referência americana.
demonstram melhores índices de crescimento do Pawloski (32), a partir de uma pesquisa efectuada
que crianças urbanas de nível socioeconómico mais numa amostra de 1045 raparigas do Mali com idades
baixo. Numa pesquisa posterior, Cameron (4) obser- compreendidas entre os 10-17 anos, levantou as
vou uma menor velocidade de crescimento, seguida seguintes hipóteses de trabalho: 1) as raparigas exi-
de um longo período de crescimento que vai até bem menores valores de crescimento, quando com-
aproximadamente aos vinte anos. paradas com outras bem nutridas; 2) as raparigas de
Para autores como Eveleth e Tanner (13), Bogin (3) áreas rurais exibem baixos valores estaturais, quan-
e Meredith (27), crianças de estatuto socioeconómi- do comparadas com raparigas malianas de áreas
co elevado que vivem em meio urbano são, de forma urbanas; 3) as raparigas que não frequentam a escola
geral, mais altas, mais pesadas e com uma maior são também mais baixas do que as que frequentam a
percentagem de gordura corporal, devido ao facto do escola; e 4) ganhos compensatórios são evidentes
meio em que vivem estar muitas vezes associado a nas adolescentes. Os resultados revelaram um fraco
um estatuto socioeconómico elevado. Contudo, é de crescimento e desenvolvimento em adolescentes do
referir que crianças urbanas de estatuto socioeconó- sexo feminino no Mali e uma menor estatura e peso,
mico médio são, com algumas raras excepções, bai- quando comparadas com raparigas da população
xas e têm um estatuto nutricional inferior ao das americana. Estudos realizados por autores como
crianças de populações rurais. Wagstaff et al. (48), Chaning-Pearce e Solomon (8)
Pawloski (31) investigou o crescimento de raparigas sugerem que o evidente atraso no crescimento e
rurais e urbanas do Mali. Observou um atraso estatu- desenvolvimento é devido a uma combinação de fac-
ro-ponderal quando comparou os seus valores com tores, dos quais se destacam: os alimentos com
raparigas americanas de referência. No que se refere ao baixo valor nutritivo, o alto dispêndio energético nas
índice de massa corporal, os resultados não revelaram actividades diárias e a fraca qualidade dos cuidados
a presença de desnutrição proteica. Raparigas malianas primários de saúde. As adolescentes seguem rara-
de áreas rurais, contrastadas com as de áreas urbanas, mente um padrão standardde crescimento, devido a
apresentam baixo peso e menor estatura e, consequen- diferentes timingsbiológicos e à expressão diferencia-
temente, um índice de massa corporal inferior. da do crescimento na puberdade.
Henneberg e Louw (18) realizaram um estudo deno- Recentemente, Monyeki et al. (28) conduziram um
minado Cross-sectional survey of growth of urban and estudo transversal com o objectivo de conhecer o
rural cape coloured schoolchildren: anthropometry and estado nutricional e de crescimento de crianças sul
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africanas usando como indicadores as rácios de altu- em estudos realizados por autores como Habicht et
ra-pela-idade, peso-pela-idade e índice de massa cor- al. (17), Graitcer e Gentry (16), Martorell (25), OMS
poral de crianças de 3 a 10 anos de idade. A amostra, (53), Keller (20), Kow et al. (21). Na perspectiva de
de uma aldeia rural a norte da África do Sul, foi cons- Beaton et al. (1) as diferenças socioeconómicas
tituída por 1335 crianças (684 rapazes, 651 rapari- intra-populacionais estão na origem das diferenças
gas). Os resultados sugerem uma alta prevalência de na velocidade de crescimento estatural, devido prin-
stunting, que vai dos 10%, aos 7 anos, para mais de cipalmente a circunstâncias ambientais e não a dife-
30%, aos 10 anos de idade. A sobreposição dos resul- renças étnicas no potencial de crescimento, pelo
tados deste estudo às normas de referência identifi- menos até aos cinco anos.
cou um atraso nos níveis de crescimento das crianças Na Tanzânia, Davies et al. (11) realizaram um estu-
desta amostra, provavelmente devido às condições do longitudinal denominado Physical growth and deve-
stressantesem que vivem. No entanto, é de referir lopment of urban and rural East African children.
que, se a condição de stuntingdurante a infância for Acompanharam, durante sete anos, uma amostra de
permanente, pode conduzir a uma perda de capacida- 340 rapazes e 314 raparigas de áreas urbanas e 248
de para produzir trabalho quando estes indivíduos rapazes e 136 raparigas de áreas rurais. As idades
forem adultos. Investigações realizadas por Wagstaff estudadas estavam compreendidas entre os 7-16
et al. (48) e Chaning-Pearce e Solomon (8) monstra- anos. Pretendiam analisar o crescimento estatural, o
ram que, em média, crianças negras do bairro do peso e a composição corporal de crianças Bantu da
Soweto, arredores de Joanesburgo, tinham valores zona austral de África. Não foi encontrada qualquer
mais baixos na estatura e peso, quando comparadas diferença significativa entre os dois grupos, quer no
com os seus pares de origem europeia ou com as sexo masculino quer no feminino, no que se refere
normas americanas usadas como referência pela aos padrões da estatura, peso, pregas de adiposidade
OMS, apesar de aparentemente gozarem dos aspectos subcutânea e perímetro braquial. Quando sobrepuse-
positivos da vida urbana, como provisão nutricional e ram os valores destas crianças e jovens aos das nor-
fácil acesso aos cuidados primários de saúde. mas da OMS, os resultados mostraram que as crian-
Do ponto de vista social, o estatuto socioeconómico, ças da África Austral eram baixas e magras em rela-
a dimensão das famílias e o envolvimento social ção a crianças europeias, mas o momento em que
parecem ser causas que interferem no processo de ocorre a idade do pico de velocidade em altura e
crescimento, para além das componentes étnica ou peso é aproximadamente o mesmo.
racial e climática. Num estudo transversal com Corlett (9), num projecto denominado Growth of
populações de países em desenvolvimento, Victora urban school children in Botswanaestudou um total de
(47)observou que os resultados das rácios antropo- 721 crianças com idades compreendidas entre os 6 e
métricas diferiam em várias regiões do planeta. os 15 anos, pretendendo descrever o estatuto de
Constatou, por exemplo, que crianças e jovens de crescimento das crianças de Gaborone, capital do
países da América Latina apresentavam prevalências Botswana. Dos resultados, pode-se concluir que
muito elevadas de stuntinge baixas no que se refere rapazes e raparigas, em todas as idades, têm altura e
a wasting, enquanto que nos países asiáticos havia peso abaixo do percentil 50 das normas de referência
uma alta prevalência, tanto de stunding como de was- britânicas e americanas, e abaixo do percentil 10 da
ting. O mesmo autor não atribui um papel de relevo OMS. No que se refere aos valores do peso em fun-
aos factores genéticos, referindo que estes padrões ção da estatura, constatou-se uma frequência reduzi-
de resultados podiam ser atribuídos a diferenças nas da de crianças nos percentis mais baixos da distri-
condições socioeconómicas daqueles países. buição destas variáveis somáticas. Neste mesmo
O mais provável é que todas as crianças dos diversos indicador, é notório um padrão de desenvolvimento
grupos étnicos apresentem um potencial genético semelhante ao registado em outros estudos com
para o crescimento linear bastante similar quando as populações africanas. No que se refere ao perímetro
condições ambientais são óptimas. A constatação da braquial, ao sobreporem os resultados obtidos nas
variabilidade étnica no crescimento encontra suporte normas britânicas, as diferenças observadas ficaram
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a dever-se à menor estatura e peso das crianças Utilizando uma amostra de 2156 crianças e jovens
tswanas e a diferenças no tempode crescimento. dos 8 aos 18 anos de idade (1016 rapazes, 1140
Diferenças semelhantes são também observadas raparigas), Saranga et al. (41), avaliaram a variação
entre crianças tswanas e outros subgrupos popula- no crescimento somático das crianças e jovens da
cionais africanos. cidade de Maputo entre os anos de 1992 e 1999.
Embora o primeiro trabalho conhecido seja do ano Tendo como objectivo verificar em que medida as
de 1968 (24), tendo como indicadores a estatura e o grandes alterações das condições sócio-ambientais
peso das crianças das escolas da cidade de Lourenço verificadas em Maputo naquele período de tempo,
Marques (actual Maputo), é nos últimos quinze anos resultantes da passagem de uma situação de guerra
que emerge de modo substancial e continuado uma generalizada para uma situação de paz e crescimento
vaga de publicações sobre a populações moçambica- económico, se repercutiam no crescimento somático,
nas de idade escolar (29, 34, 35, 37, 39, 41). os autores salientaram que: 1) as crianças estudadas
O estudo de Martins (24) conclui a existência de em 1999, depois da guerra, apresentam maior esta-
uma associação da taxa de crescimento às condições tura, peso e percentagem de gordura corporal, quan-
sócio-económicas, muitas vezes confundidas com o do comparadas com as do estudo de 1994; 2) o
factor raça. Depois de um interregno de 26 anos, aumento do peso das crianças estudadas em 1999
durante o qual nada foi publicado de importante deveu-se a um incremento substancial da gordura
neste domínio, foi realizado na cidade de Maputo um corporal, e que 3) as diferenças socioeconómicas,
trabalho integrado num estudo sobre a Influência da quando expressas em função do indicador altura, se
actividade física e dos factores sócio-económicos sobre as agudizavam (41).
componentes da estrutura do valor físico relacionado a saúde
(33). Com uma amostra de 593 indivíduos (277 CONCLUSÕES
rapazes e 316 raparigas), de idades compreendidas Em síntese, apesar da relativa escassez de estudos de
entre os 8 e 15 anos, foi possível constatar que os crescimento e desenvolvimento em populações africa-
indicadores somáticos da população de Maputo eram nas, a pesquisa disponível sugere claramente que,
inferiores às normas internacionais, reflectindo, pro- embora as trajectórias de crescimento na maioria das
vavelmente, um atraso maturacional provocado por amostras estudadas sejam semelhantes às encontradas
condições higiénico-nutricionais adversas. Este pro- nas normas internacionais, as médias de altura são
jecto de pesquisa trouxe, comparativamente ao de consistentemente mais baixas, situando-se no percen-
1968, um conjunto de informações adicionais, devido til 5 aos cinco anos, decrescendo até a adolescência,
ao facto de a comparação entre estatutos socioeconó- devido a uma diminuição da velocidade de crescimen-
micos, vulgo “ricos” e “pobres”, se ter realizado entre to, e seguindo, posteriormente, uma recanalização. Os
crianças e jovens da mesma origem étnica, separados ganhos compensatórios durante o salto pubertário ser-
por condições de vida diferentes e apenas por uma vem para recuperar perdas de crescimento da infância.
geração. Verificou-se uma elevada prevalência de stun- No entanto, o grau de reposição das insuficiências de
tinge wastinge questionou-se a validade dos critérios velocidades de crescimento estaturo-ponderais da
antropométricos adoptados para avaliar o estado infância ainda não é totalmente conhecido.
nutricional conducente a esta situação, e que já Os trabalhos mostram uma alta prevalência de stun-
foram anteriormente referenciados. Esta investigação tinge atraso no crescimento de crianças rurais na
gerou novas hipóteses de trabalho e inventariou um África Sub-Sahariana em relação aos seus pares das
novo conjunto de problemas que, desde então, têm áreas urbanas. Porém, nem sempre o ambiente urba-
vindo a ser continuamente realizados através de no resulta numa melhoria de crescimento estatural.
vários estudos centrados em diferentes regiões da As elevadas taxas de urbanização nestes países, com
cidade de Maputo. Na generalidade têm evidenciado oconsequente aumento de áreas urbanas, resultam
uma grande associação entre as condições sócio- em grandes “comunidades urbanas informais” nas
ambientais, crescimento somático, maturação bioló- quais, por vezes, o estado de crescimento é inferior
gica e composição corporal (29, 41). ao das crianças das comunidades rurais.
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