Table Of ContentJosé  Honório  Rodrigues
Conciliação 
e  Reforma 
no  Brasil
Um desafio histórico-cultural 
2.a Edição
A
EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
©  1982  by José  Honório  Rodrigues
Direitos adquiridos para a língua portuguesa pela 
EDITORA  NOVA FRONTEIRA S.A.
Rua Maria Angélica,  168 — Lagoa — CEP 22.461  — Tel.:  286-7822 
Endereço Telegráfico:  NEOFRONT 
Rio de Janeiro — RJ
l.a  edição:  Editora  Civilização  Brasileira,  Rio  de  Janeiro,  1965
Capa
Victor Burton
Revisão
Gilson Vaz Fontes 
Oscar Pereira 
Luiz Augusto  Mesquita
FICHA CATALOGRÁFICA 
Cl P-Brasil.  Catalogação-na-fonte. 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Rodrigues, José Honório.
R613c  Conciliação  e  reforma  no  Brasil  :  um  desafio  histórico- 
cultural  / José  Honório  Rodrigues.  —  2.  ed.  —  Rio de  Ja
neiro  :  Nova  Fronteira,  1982.  (Coleção  Logos).
Bibliografia.
1.  Brasil — História I, Título II. Série.
CDD-981
82-0060 CDU-981
Sumário
Prefácio da  l.a edição  .............................      7
Prefácio da 2.a edição  .......................................................  9
Introdução  .........................................................................  17
PÁRTE I
CAPÍTULO  1.  A  POLÍTICA  DE  CONCILIAÇÃO:  HISTÓRIA
CRUENTA  E  INCRUENTA  ..............    29
As origens  da  conciliação  ........................................  29
Os  três  tipos  de povoadores  ...................................  30
As  origens  da  liderança.  Composição  e  comporta
mento  ...............................................................  32
Conformismo e inconformismo popular colonial: his
tória  cruenta  ............      33
A  liderança  oficial  colonial  .....................................  36
A mestiçagem  ........f. . ............................................  38
A  reeuropeização  ..;.................................................  40
A  liderança  na Independência:  história  cruenta  .,  41
A  Abdicação:  história\incruenta  .............................  48
A Regência e as Refoírnas:  nova história  cruentís-
sima  .......................    48
A política de conciliação:  as reformas  e a  política
de  clientela  .........................................................  57
A conciliação, as reformas e o progresso  ...............  67
A Abolição:  os instantes de retardamento e de ace
leração  .............................................................  74
A liderança republicana: nova história cruenta  ....  78
Novíssima história cruenta  ........................................  87
Aliança Liberal:  a Revolução transformada em Re
forma  .................................................................  95
Alternativas da liderança e do processo cruento ou
incruento  ...........................................................  108
Revolução, rebelião e golpes de Estado  .................  110
Referências  .............................................      115
CAPÍTULO 2.  TESES E ANTÍTESES DA HISTÓRIA DO BRASIL.  121 
Referências  ...............................................................  140
PARTE II
CAPÍTULO  1.  O VOTO DO ANALFABETO E A TRADIÇÃO PO
LÍTICA  BRASILEIRA  . ...................................................  143
Referências  ..............................................................  170
CAPÍTULO  2,  ELEITORES  E  ELEGÍVEIS:  EVOLUÇÃO  DOS
DIREITOS  POLÍTICOS  NO BRASIL  .................................  173
Referências  ......................................................................  187
PARTE III
CAPÍTULO  1.  A POLÍTICA NACIONAL:  UMA POLÍTICA SUB
DESENVOLVIDA  ...................................................................................  191
O Brasil e o mundo subdesenvolvido  .................  199
As instituições arcaicas estáveis e as  lideranças do
minadoras  ........................................................  218
A política do  desenvolvimento  ...............................  223
Poder e Sociedade:  o dissídio políticob rasileiro  ..  247
índice Remissivo.........................................................  255
Prefácio  da  l.a  edição
Este  livro  nasceu  do mesmo  quadro  de  cogitações  que  pro
duziu  as  Aspirações  Nacionais.  A  princípio  desejava  incluir 
esta  matéria nova na segunda edição  das Aspirações, mas se
guindo sugestão  de Eduardo  Portela decidi  organizar um  no
vo  livro.  Com  o  desenvolvimento  dos  estudos  vi,  aliás,  que 
seria  impossível  inserir  naquele  primeiro livro,  com  170  pá
ginas, mais 240 páginas novas.
Deixei  de  incluir,  aqui,  um  capítulo  sobre  o  Congresso 
e  a  Política Nacional,  para  o  qual  já  reuni  muitos  aponta
mentos e notas de pesquisas,  e que esboçaria  a  evolução his
tórica do Poder Legislativo e seu- papel na elaboração  da po
lítica nacional.  Também  deixei de incluir  um capítulo  sobre 
a política internacional do Brasil,  de que já tenho  uma parte 
escrita  e outra  por  escrever.  Ficarão  para  um  próximo  vo
lume.
Os capítulos  aqui  reunidos  foram  elaborados  em  épocas 
diferentes e para fins diferentes.  A  “Política de Conciliação" 
nasceu  de  uma conferência  e  por  isso  não  contém  notas de 
pé  de  página,  mas referências  bibliográficas  finais.  Os  dois 
trabalhos  sobre  o  “Voto  do  Analfabeto”  e  "Eleitores  e Ele
gíveis”  foram  escritos para  publicação em  jornal  e  por  isso 
deixaram  também  de  conter  notas  de pé  de  página,  recons- 
tituindo-se  depois  as  referências  bibliográficas.  As  "Teses  e 
Antíteses",  pela  sua  concisão  e  brevidade,  dispensam  notas. 
O  capítulo  final,  “Política  Nacional,  uma  política  subdesen
volvida",  foi  o  único  escrito  quando  a  decisão  de  organizar 
este  livro já estava tomada e,  assim, obedeceu  ao  sistema de 
citação  das  obras  consultadas,  mais  indispensável  ainda,  no 
caso,  pela  excursão  pelo  campo  fechado  da  economia.
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Espero que  este  livro  represente  uma  tentativa  de com
preensão  do  quadro  presente  brasileiro,  com  os  instrumen
tos históricos, e signifique mais uma pedra para  a construção 
de  uma ponte,  não a  de  ouro,  que  Nabuco  de Araújo  pla
nejou  para  permitir  apenas  a  comunicação  das  elites  brasi
leiras,  mas  de  aço  pela  qual  atravessem  todos os  brasileiros 
a  fim  de  se  associarem na obra da  modernização  do  Brasil.
Setembro  de  1964
J. H. R.
8
Prefácio  da  2.a edição
i
A  palavra  conciliação  em  todos  os  dicionários  da  língua 
portuguesa aparece, como no primeiro dicionário brasileiro  de 
Morais, como a ação ou o modo de conciliar ou pôr de acordo 
leis ou  pessoas,  mas  não  posições  políticas.  Somente  no  co
meço  do  século  dezenove  ela  aparece  com  o  sentido de  me
diação entre a  Coroa e o povo,  entre o poder real e o popu
lar.  Mesmo  assim  a significação ideológica  é  tão  rara  que  o 
próprio  Aurélio  dá-lhe  apenas sentido  pessoal  e  jurídico.
II
A  palavra  conciliação  nasceu em francês no século XIV, 
vindo  do  latim  conciliare,  que significava  assembler,  ou seja, 
reunir várias pessoas num  mesmo lugar para um  fim comum. 
Daí  os  Concílios  da  Igreja  e  as  Assembléias  parlamentares 
ou  populares,  ambas  as  reuniões  tendo  por  fim  um  acordo 
teológico  ou político.
Assim  apareceu  no  Dictionnaire  Étymologique  de  la 
Langue  Française  de  O.  Bloch  e  W.  von  Wartburg;  já  no 
Dictionnaire  de  la  Langue  Française  de  P.  Robert,  a  conci
liação significa a ação de conciliar pessoas divididas pela opi
nião  e pelo  interesse  e sua  sinonímia reforça  o  sentido:  aco
modamento, acordo, arbitragem,  concórdia,  entendimento, me
diação,  reaproximação,  transação  e  reconciliação.
Já  em  Webster  o  esforço  para  estabelecer  a  harmonia 
e a boa  vontade  tem  como  exemplos  a  disputa  entre  partes,
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especialmente questões trabalhistas  e a Igreja e o Estado, sem 
outro poder que não seja a persuasão ou a sugestão.
III
Como se vê, os dicionários franceses e ingleses registram 
o  acordo  público  ideológico  e  trabalhista,  relações  entre  a 
Igreja e o Estado, mas,  na verdade, a palavra conciliação não 
circula  no  vocabulário  político  das  democracias  representati
vas. E não tem existência porque os partidos são todos  ideo
lógicos,  inconciliáveis,  exceto  quando  circunstâncias  extraor
dinárias aconselham compromissos temporários.
Assim,  o  conceito  político  da  palavra  existe  nos  dicio
nários,  mas  não  tem  existência  ha  vida  política  partidária, 
enquanto no Brasil os dicionários  não  lhe dão  o sentido po
lítico,  e  ela  tem  existência  política,  desde  a  Independência, 
acentuando-se  na  quarta  década  do  século  passado.  Distin
guem-se defendendo  os  princípios  de  uma  conciliação  parti
dária  Nabuco  de  Araújo  e  Sales  Torres  Homem,  entre  ou
tros,  no parlamento  e  na imprensa.  Combatem-na Justiniano 
José da Rocha, Angelo Muniz da Silva Ferraz, Barão de Uru
guaiana,  João  Maurício  Wanderíey,  Barão  de  Cotegipe,  que 
a  chamam de  logração,  e José de  Alencar,  que  a denominou 
de  mistificação.
IV
Coube ao  Marquês do  Paraná,  no J2.° Gabinete do  Se- 
gundo-Reinado (6 de setembro de 1853 a 3 de maio de 1857), 
elevá-la  â  política  oficial,  como  presidente  do  Conselho  de 
Ministros.  Como  escreveu  Joaquim  Nabuco,  o  programa  do 
Ministério resumia-se na conciliação,  e pela primeira  vez,  de
pois  de  tantas  perseguições,  um  governo  fazia  solenemente 
da  conciliação  o  seu  compromisso  ministerial.
Antes, no Ministério do  Visconde de Macaé,  José Carlos 
Pereira  de  Almeida  Torres  (8.°  Gabinete,  8  de  março  de 
1848),  tentara-se  Uma  política  semelhante,  denominada  de 
justiça  e tolerância,  sem  êxito,  e  a  violência  com que  foram 
tratados  os  praieiros  de  Pernambuco  gerara a  idéia  de  uma
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concórdia,  uma  tranquilidade  política,  que  acalmasse  a  exa
cerbação  e  tentasse harmonizar  opiniões,  sentimentos  e  inte
resses.
V
Poucos sabem  que  Caxias,  que  julgou  todas  ar  revolu
ções  no  Brasil,  recusou  combater  a  revolução  da  Praia 
(1848/49) porque as instruções que lhe ofereciam eram de es
magamento  total  dos  revolucionários,  sem  as  medidas  paci
ficadoras  da  anistia,  do  perdão,  da  garantia  de  julgamento 
regular,  que  ele  sempre  fez  questão  de  utilizar.  A  repressão 
foi  terrível e criou  um  ambiente de  guerra  que devia  ser  re
parado  por uma  política  ajustadora,  harmoniosa,  de  concór
dia  e  conciliação.
A  conciliação  teve  o  assentimento  do  Imperador,  e  o 
Marquês de Olinda, que fora Regente, classificou-a,  como era 
do seu  feitio  bajulatório,  de  pensamento  augusto.
Foi assim que se oficializou a política de conciliação, que 
significava o  abandono pelos  dois  Partidos,  o  Conservador  e 
o  Liberal,  dos  processos  de  compressão  e  arbítrio,  a  aber
tura  às  idéias  novas,  a  trégua  aos  estreitos  antagonismos  e 
competições  pessoais.  Era,  em  síntese,  um  apelo  à  reconci
liação da ordem  com  a  liberdade,  invocações  antes,  depois  e 
muitas  vezes  renovadas  sempre  que  a  minoria  dominante 
sentisse a ameaça aos seus interesses pela  maioria  constituída 
de escravos,  libertos,  e a  pequena  classe média,  muitos  bran
cos reduzidos às piores condições.
VI
O grande livro que expôs com concisão e lucidez o pen
samento  conservador  foi  o  de  Justiniano  José  da  Rocha, 
Acção,  Reacção,  Transação:  Dnas  palavras  acerca  da  Actua- 
lidade  Política  do  Brasil  (Rio  de  Janeiro,  1855).  Nele  Justi
niano  José  da  Rocha,  ao  examinar  o  período  final,  1852  a 
1856 —  o  da  conciliação  —, perguntava  pelas  antigas  par
cialidades  e  declarava  que  havia  muito  elas  tinham  desapa-
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retido,  acrescentando:  "Cumpre que  o  poder  espontaneamen-. 
te se desarme de quanto lhe foi dado,  não por ser-lhe essen
cial  para  desempenhar  os  seus  tutelares  encargos,  mas  em 
atenção  às  circunstâncias  excepcionais  da posição  em que  se 
viu  colocado;  cumpre-lhe  renunciar ao  arbítrio  com  que su
prime a liberdade individual,  com  que  subjuga  a  nação  mili
tarizada.  Cumpre-lhe  ver  entre  as  idéias  que  os  liberais  pu
seram por diante nos dias  de suas lutas (idéias que felizmen
te  foram  escritas  em  três  programas  notáveis),  quais  as  que 
satisfazem as  verdadeiras necessidades públicas,  quais as que, 
sem perigo,  dão ao  elemento  democrático algum  quinhão  na 
organização  política  do  país; cumpre  que  o  que  é  do  povo 
seja restituído ao povo.”
VII
O Brasil no Império  teve sempre  dois Partidos:  o  Con
servador e o  Liberal  e  ambos se pareciam  tanto  que o  con- 
,  ceito  de  Holanda  Cavalcanti  era  verdadeiro:  "Não  há  nada 
|  mais  parecido  com  um  saquarema  (conservador)  do  que  um 
[  luzia (liberal) no poder.”
Procurei contar em Conciliação  e  Reforma:  Um  Desafio 
Histórico-Político  (Rio,  1965),  onde  também  defendi  o  voto 
do analfabeto,  a história  da política de conciliação,  que  exis
tiu sempre no nosso processo político em fase de arbítrio,  da 
tutela  da  maioria  pela  minoria  e  da  crueza  com  que  esta 
tratou  aquela.  Na  verdade,  o  Brasil  desconhece  problemas 
agudos de minorias,  mas sempre conheceu  um  outro,  crônico 
e  grave,  que  é  o  abandono,  a  marginalização  de  seu  povo 
pela minoria dominadora.  A  história cruenta,  a existência  de 
dois partidos, um gozando de  todas as graças pelo seu incon- 
dicionalismo  total  ao  Poder  e ao  statu  quo  —  o  Conserva
dor — e outro bastante igual, que chegou ao cúmulo de con
ciliar  escravidão  e  liberalismo  —  o  Liberal,  alternam-se  no 
Poder, com prevalência do primeiro, e que não fizeram o que 
deveriam fazer. Resistiram sempre às mudanças, mesmo quan
do  necessárias;  criaram  uma  política  de  inércia,  o  que  era 
impossível  deixar  de  fazer,  fazia-se,  o  mais  lenta  e  gradual-
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