Table Of ContentAscensão e queda do
Terceiro Reich
Triunfo e consolidação
(1933-1939)
William L. Shirer
TRADUÇÃO
Pedro Pomar
Volume I
Ia reimpressão
A
A gir
Sumário
9 Nota do editor
11 Prefácio
I. A ASCENSÃO DE AüOLF HlTLER
19 capítulo 1. O nascimento do Terceiro Reich
54 capítulo 2. O nascimento do Partido Nazista
84 capítulo 3. Versalhes, Weimar e o Putsch da cervejaria
120 capítulo 4. As teorias de Hitler e as raízes do Terceiro Reich
II. Triunfo e consolidação
167 capítulo 1. O caminho para o poder: 1925-1931
209 capítulo 2. Os últimos dias da república: 1931-1933
258 capítulo 3. A nazificação da Alemanha: 1933-1934
314 capítulo 4. A vida no Terceiro Reich: 1933-1937
III. O CAMINHO PARA A GUERRA
375 capítulo 1. Os primeiros passos: 1934-1937
414 capítulo 2. O estranho e fatídico interlúdio: a queda de
Blomberg, Fritsch, Neurath e Schacht
430 capítulo 3. Anschluss: a violação da Áustria
474 capítulo 4. A estrada para Munique
565 capítulo 5. A Tchecoslováquia deixa de existir
600 capítulo 6. A vez da Polônia
674 capítulo 7. O pacto nazi-soviético
715 capítulo 8. Os últimos dias de paz
781 capítulo 9. O início da Segunda Guerra Mundial
815 Notas
833 Bibliografia
847 Agradecimentos
851 índice
877 Sobre o autor
Sinto, não raro, profunda tristeza ao pensar no povo alemão, íão estimável
como indivíduo e tão infortunado na generalidade...
Goethe
Hitlerfoi o destino da Alemanha, e esse destino não podia ser evitado.
W alter von Brauchitsch
Marechal-de-campo
Comandante-em-chefe do exército alemão
Mil anos passarão, e a culpa da Alemanha não será apagada.
Hans Frank
Governador-geral da Polônia,
pouco antes de ser enforcado em Nuremberg
Os que não se lembram do passado estão condenados a revivê-lo.
Santayana
Nota do editor
Publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1960, Ascensão e queda
do Terceiro Reich contava mais de mil páginas em volume único. Dois anos de
pois, ganhou edição brasileira, reorganizada em quatro tomos. Para esta nova
versão, a Agir optou por dividir a obra em dois volumes, delimitados por um
corte cronológico.
Nesta lógica, Triunfo e consolidação (1933-1939) registra as origens históricas
e sociais do nazismo, a tomada de poder na Alemanha por Adolf Hitler e as ante-
vésperas da Segunda Guerra Mundial. O começo do fim (1939-1945) narra, por
sua vez, o conflito bélico mundial desde o avanço inicial do nazismo sobre a Eu
ropa até o fracasso e o conseqüente colapso do Terceiro Reich. As seis seções que
Shirer designou originalmente como “livros” tiveram estrutura e título mantidos
e foram renumeradas dentro da lógica de cada volume.
Preserva-se assim o conteúdo integral do clássico de Shirer, dividido em dois
volumes que, apesar de evidentemente complementares, podem ser lidos de for
ma autônoma.
Prefácio
Embora eu tenha vivido e trabalhado no Terceiro Reich durante a primeira
metade de sua breve existência, observando diretamente Adolf Hitler consolidar
seu poder ditatorial sobre a grande mas desconcertante nação, e depois conduzi-
la à guerra e à conquista, esta experiência pessoal não me levaria a escrever o
presente livro, se não ocorresse, no fim da Segunda Guerra Mundial, um aconte
cimento único na História.
Esse acontecimento foi a captura de quase todos os arquivos confidenciais
do governo alemão e de todos os seus departamentos, incluindo os do Ministério do
Exterior, do exército e da marinha, do Partido Nacional-Socialista e da polícia
secreta de Himmler. Antes, creio eu, jamais tão vasto tesouro caiu nas mãos de
historiadores contemporâneos. Até então, os arquivos de um grande Estado, mes
mo quando era derrotado na guerra e seu governo deposto por uma revolução,
como ocorreu na Alemanha e na Rússia, em 1918, eram preservados, e somente
os documentos que serviam aos interesses do regime dominante subseqüente
eram posteriormente publicados.
O rápido colapso do Terceiro Reich, na primavera de 1945, resultou na captu
ra não apenas de enorme quantidade de documentos secretos mas também de
outros materiais de inestimável valor, tais como diários íntimos, discursos al
tamente secretos, relatórios de conferências, correspondência, e até mesmo re
produções de conversas telefônicas entre os chefes nazistas, registradas por um
corpo especial de funcionários criados por Hermann Gõring no Ministério da
Aeronáutica.
O general Franz Halder, por exemplo, conservava um volumoso diário, em que
anotava, em taquigrafia Gabelsberger, não somente o que ocorria dia a dia mas o
que se verificava de hora em hora. Constitui esse diário uma fonte concisa de in
formações referentes ao período que vai de 14 de agosto de 1939 a 24 de setembro
12 ASCENSÃO E QUEDA DO TERCEIRO REICH: TRIUNFO E CONSOLIDAÇÃO (l933-1939)
de 1942, quando ele era chefe do Estado-maior do exército e mantinha contatos
diários com Hitler e outros líderes da Alemanha nazista. É o mais revelador dos diá
rios alemães; mas há ainda outros de grande valor, entre os quais o do dr. Joseph
Goebbels, ministro da Propaganda e íntimo colaborador de Hitler, e o do general
Alfred Jodl, chefe de operações do Alto-Comando das Forças Armadas (OKW).
Há diários do próprio OKW e do Alto-Comando Naval. Com efeito, as sessenta
mil pastas de documentos dos arquivos da marinha alemã, capturadas em Schloss
Tambach, perto de Coburg, contêm, praticamente, todos os sinais convenciona
dos, anotações, diários de bordo, memorandos, etc., desde abril de 1945, quando
foram encontradas, até, reversivamente, 1868, quando foi fundada a moderna
marinha germânica.
As 485 toneladas de documentos do Ministério do Exterior alemão, captura
das pelo 1- Exército americano em vários castelos e minas das montanhas Harz,
justamente quando estavam prestes a ser queimadas por ordem de Berlim, abran
gem não apenas o período do Terceiro Reich, mas recuam, passando pela Repú
blica de Weimar, até o início do Segundo Reich de Bismarck. Durante muitos
anos, após a Segunda Guerra Mundial, toneladas de documentos nazistas per
maneceram selados num depósito do exército norte-americano situado em Ale
xandria, Virgínia, sem que nosso governo demonstrasse sequer interesse em
abrir tais pacotes, a fim de ver que espécie de documentos de valor histórico po
deriam conter. Finalmente, em 1955, dez anos depois de sua captura, graças à
iniciativa da American Historical Association e à generosidade de duas institui
ções particulares, os documentos de Alexandria foram abertos, e um grupo la
mentavelmente pequeno de eruditos, auxiliado por pessoal e equipamento ina
dequados, entregou-se à tarefa de selecioná-los e fotografá-los, antes que o
governo, muito apressado em relação ao assunto, os restituísse à Alemanha. Tais
documentos constituíram rico achado.
O mesmo se pode dizer de documentos como o registro taquigráfico parcial de
51 “Conferências do Führer” sobre a situação militar diária, tal como era vista e
discutida no quartel-general de Hitler, e o texto completo das discussões dos gran
des comandantes nazistas com seus antigos camaradas de partido e secretários,
durante a guerra. Os primeiros desses documentos foram salvos em meio aos res
tos carbonizados de outros papéis de Hitler, em Berchtesgaden, por um oficial do
serviço secreto pertencente à 101â Divisão Aérea dos Estados Unidos, e os segun
dos, encontrados entre os papéis de Martin Bormann.
PREFÁCIO 13
Centenas de milhares de documentos nazistas apreendidos foram apressada
mente reunidos em Nuremberg, como provas, durante o julgamento dos princi
pais criminosos de guerra nazistas. Enquanto fazia a cobertura jornalística da pri
meira parte do julgamento, reuni montes de folhas mimeografadas e, mais tarde,
os 42 volumes de depoimentos e documentos publicados, acrescidos de dez volu
mes de documentos importantes vertidos para o inglês. O texto de outros docu
mentos, publicados numa série de 15 volumes, acerca dos 12 julgamentos efetua
dos em Nuremberg, foi-me valioso, embora muitos papéis e depoimentos tenham
sido omitidos.
Finalmente, além desse acúmulo sem precedente de documentos, há os regis
tros dos exaustivos interrogatórios a que foram submetidos os oficiais alemães, os
membros do Partido Nazista e os altos funcionários do governo, e depoimentos
subseqüentes, feitos sob juramento, em vários julgamentos do pós-guerra, pro
porcionando uma quantidade de material como ninguém, creio eu, teve antes à
sua disposição, proveniente de tais fontes, depois das guerras anteriores.
Não li, por certo, toda essa atordoante quantidade de documentos, pois isso
estaria muito além da capacidade de um só indivíduo. Mas examinei parte consi
derável desse material, retardando-me nessa pesquisa, como ocorre a todos os
que esquadrinham tão rico manancial, pela absoluta falta de índices adequados.
É realmente extraordinário que nenhum de nós, jornalistas e diplomatas que
nos encontrávamos na Alemanha durante o nazismo, soubesse o que estava efeti
vamente ocorrendo atrás da fachada do Terceiro Reich. Uma ditadura totalitária,
pela sua própria natureza, age com grande sigilo, e sabe como manter esse sigilo
longe dos olhares perscrutadores dos estranhos. Era bastante fácil registrar e es
crever os simples, excitantes e, não raro, revoltantes acontecimentos que se verifi
cavam no Terceiro Reich: a ascensão de Hitler ao poder; o incêndio do Reichstag;
o expurgo sangrento de Rohm; o Anschluss (anexação) da Áustria; a capitulação
de Chamberlain e Daladier em Munique; a ocupação da Tchecoslováquia; os ata
ques contra a Polônia, a Escandinávia, o Ocidente, os Bálcãs e a Rússia; os horro
res da ocupação nazista e dos campos de concentração; e a liquidação dos judeus.
Mas as decisões fatais tomadas secretamente, as intrigas, as traições, os motivos e
as aberrações que conduziam a tais decisões, os papéis desempenhados pelos ato
res principais nos bastidores, a extensão do terror que exerciam e a técnica de que
se valiam para implantá-lo — tudo isso e muito mais permaneceu, em grande
parte, oculto, até surgirem os documentos secretos alemães.
14 ASCENSÃO E QUEDA DO TERCEIRO REICH: TRIUNFO E CONSOLIDAÇÃO (l933"1939)
Talvez se possa pensar que ainda é muito cedo para alguém tentar escrever
uma história do Terceiro Reich; que tal tarefa deveria ser deixada para uma gera
ção posterior de escritores, a quem o tempo proporcionasse melhor perspectiva
dos acontecimentos. Constatei que essa opinião prevalecia particularmente na
França, quando para lá me dirigi, a fim de fazer algumas pesquisas. Os historiado
res não deviam abordar nada que fosse mais recente do que a era napoleônica,
disseram-me.
Essa opinião é bastante ponderável. A maioria dos historiadores aguardou
cinqüenta, cem anos, ou mais, antes de tentar escrever uma narração da vida de
um país, de um império, de uma época. Mas não seria isso devido, principalmen
te, ao fato de levarem mais tempo a vir à luz os documentos pertinentes que lhes
fornecessem o material autêntico de que necessitavam? E, embora ganhassem
perspectiva, acaso não se perdia alguma coisa, devido ao fato de faltar aos autores,
necessariamente, um conhecimento pessoal da vida e dos ambientes em que vive
ram as figuras históricas sobre as quais escreviam?
No caso do Terceiro Reich, que é caso único, quase todo o material documen
tal se tornou disponível quando de sua queda, sendo enriquecido pelo testemu
nho de todos os líderes, militares e civis, sobreviventes, alguns dos quais foram
posteriormente executados. Dispondo de fontes incomparáveis de pesquisa e ten
do ainda vivos na memória não só a lembrança da vida na Alemanha nazista, mas
também o aspecto físico, a conduta e a natureza dos homens que a governavam,
sobretudo Adolf Hitler, decidi tentar escrever a história da ascensão e queda do
Terceiro Reich.
“Vivi durante toda a guerra”, observa Tucídides em sua História da guerra do
Pelopottesoy um dos maiores livros de história já escritos, “numa idade em que me
era dado compreender os acontecimentos, e dedicava-lhes atenção, a fim de co
nhecer a verdade exata a respeito deles”.
Pareceu-me extremamente difícil e nem sempre possível conhecer a verdade
exata acerca da Alemanha de Hitler. A avalanche de material documental nos
impelia pelo caminho da verdade até um ponto que, vinte anos atrás, seria impos
sível atingir; por outro lado, a própria vastidão desse material nos deixava, não
raro, confusos, sobretudo quando se sabe que em todos os registros e depoimen
tos humanos costuma haver contradições embaraçosas.
Sem dúvida, meus próprios preconceitos, que surgem inevitavelmente de mi
nha experiência e formação pessoal, insinuam-se, de quando em quando, nas
PREFÁCIO 15
páginas do livro. Detesto, em princípio, as ditaduras totalitárias e passei a odiá-las
mais ainda ao viver em uma delas e ao presenciar seus ataques revoltantes contra
o espírito humano. No entanto, procurei ser, neste livro, rigorosamente objetivo,
deixando que os fatos falassem por si próprios e anotando a fonte de cada um de
les. Nenhum incidente, nenhum episódio ou citação provém de minha imagina
ção: baseiam-se todos em documentos, em depoimentos de testemunhas oculares
e em minha própria observação pessoal. Em algumas passagens, há certa especu
lação, devido à ausência de fatos positivos, mas ela está claramente rotulada.
Minhas interpretações, não tenho dúvida, serão contestadas por muitos. Coisa
inevitável, já que nenhum homem é infalível em suas opiniões. Aquelas que, aqui e
ali, me aventurei a dar, a fim de esclarecer o leitor e aprofundar a narrativa, foi o que
de melhor pude deduzir dos fatos evidentes e de meu conhecimento e experiência.
Adolf Hitler talvez seja o último dos grandes conquistadores aventureiros,
dentro da tradição de Alexandre, César e Napoleão, e o Terceiro Reich o último
dos impérios a seguir o caminho percorrido anteriormente pela Macedônia,
Roma e França. A cortina desceu, afinal, sobre essa fase da História, devido à in
venção da bomba de hidrogênio, dos mísseis balísticos e de foguetes que podem
ser dirigidos à Lua.
Em nossa época de inventos letais, aterrorizadores, que tão rapidamente su
plantaram os antigos meios de destruição, a primeira grande guerra agressiva, se
agora vier, será deflagrada por homúnculos suicidas que apertam um botão ele
trônico. Não haverá vencedores nem vencidos, mas apenas os ossos carbonizados
dos mortos sobre a crosta de um planeta desabitado.