Table Of ContentDidática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
APRENDIZ DE MIM MESMA: travessias de uma professora/pesquisadora
em Educação Especial
Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães1
Um preâmbulo
Revisitar aspectos de minha trajetória profissional não é algo que possa ser feito
impunemente. Trata-se de oportunidade de autoanálise dos processos formativos que
vivenciei - como defendem teóricos da pesquisa autobiográfica em educação – mas, de uma
formação pessoal/profissional que ultrapassa os limites do acadêmico. Para entender a
professora/pesquisadora que me tornei é necessário mostrar-me como a pessoa que sou/fui. A
tarefa é complexa e, repito, mais do que articulação teórica, expressa “o que sou, o que fui, o
que sei”, como afirmam os compositores mineiros Lô Borges e Ronaldo Bastos em “Canção
Postal”.
Minha história formativa com fulcro na educação especial tem duas vertentes: a de
aluna do curso de pedagogia, que integrou um núcleo de aprofundamento na graduação; a da
pesquisadora que se voltou para o estudo da educação especial desde a experiência como
bolsista de iniciação científica.
A professora universitária de educação especial que me tornei é feita dos desafios
enfrentados na construção de uma prática de ensino marcada pela tentativa cotidiana de
realização dapráxis. A reflexão sobre a ação,na ação e da ação docente no campo da educação
especial; o desafio de pensar o que, como e porque ensinar conteúdos de educação especial
para licenciandos. Analiso aqui minha formação acadêmica e seus reflexos em minha práxis
e afirmo que me encontro continuamente desafiada pela perspectiva da educação inclusiva.
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Falo do lugarde professora universitária,que ministra disciplinas de fundamentos de
educação especial, em cursos de licenciatura, notadamente, na Pedagogia e, também, de
pesquisadora do campo da educação especial.
O desafio do qual falo é o da minha docência universitária na busca por formar
estudantes que não se contentem apenas com informações sobre educação inclusiva e sobre a
condição social, escolar epessoal de indivíduoscom deficiência.Futuros professorescapazes
de reflitam sobre suas próprias concepções de deficiência e educação, de fazer a crítica de
uma sociedademarcada por formas precarizadas de inclusão.
Isto me coloca diante da desafio de pensar de que matéria é feito um professor. Para
Meurieu (2013, p. 12), o ato pedagógico consiste em tentativas constantes e renovadas de
encontrar/traçar/construircaminhos para interpelar a inteligência dos outros, em busca do que
chamade ato pedagógico. Para o autor:
[...]el hombrepolítico y el docente tienen que interpelar constantemente esa
capacidad de inteligencia, para que sea la capacidad de conmoverse que
tenemos los seres humanos. Creo realmente en ello y pienso que esto tiene
grandes consecuencias sobre el trabajo pedagógico que hacemos día a día.En
la clase, el docente no tiene razón porque es el docente y por-que posee un
diploma; el docente tiene razón porque sabe explicar, sabe hacer entender,
sabe interceptar la inteligencia del otro; y ve cuando el otro entende porque
en ese momento de comprensión del otro aparece en sus ojos y en su cerebro,
como una luz, un brillo
Nos tempos contemporâneos, este encontro professores-alunos ocorre em uma
sociedade marcada pela rapidez de produção e circulação do conhecimento e por complexos
contextos de “inclusões–exclusões”. Nela,o professor constrói gradativamente um “corpus”
teórico, um conjunto de saberes e de modos de fazer, de informações amalgamado
gradativamente,no processo de constituição de sua identidade docente.
A função do professor é socializar conhecimentos mediar o contato dos seus alunos
com os chamados conhecimentos curriculares passíveis de possibilitar o acesso ao
conhecimento socialmente produzido pela humanidade. A mediação é um processo de criar
pontes, pistas, trajetos, atalhos em parceria com o aluno para alcançar o conhecimento, com a
clareza de que a trajetória de aprendizagem do aluno é diversa da sua. Da mediação fazem
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parte a pesquisa, a adaptação e a elaboração de estratégias de ensino que permitam construir
as passarelas e possíveis rotas que permitem o acesso a uma leitura crítica do mundo .
A mediação simbólica colabora na transposição do plano interpsicológico para o
intrapsicológico. Assim, através das interações, os indivíduos apropriam-se dos signos e das
significações culturais e, em movimento dialético de superação, internalizam os aspectos
sociais, transformando-os em subjetivos, da mesma maneira que os sujeitos transformam a
natureza explicitando as dimensões subjetivas. Sujeito (aprendiz) e meio, em um jogo de
influências mútuas,interagem na construção de conhecimento (VYGOTSKY, 1998).
Asala de aula nos reservaaindaatarefa deestabelecervínculos de afetos.Adocência
implica em um exercício pleno da afetividade, que significa uma conquista da atenção e do
interesse dos estudantes ( CODO E GAZZZOTTI, 2002). A construção de um tipo de
cumplicidade, a conduziralunos a revelarem para a turma, por exemplo,que são irmãos, mães
de crianças com deficiência, a relatar vivências de preconceitos, a partilhar experiências
pessoais, que os levam ao autoconhecimento e à autocrítica. São estabelecidos, assim, novos
diálogos e possibilidades de construção coletiva de conhecimento
Além dessas dimensões do fazer profissional, ainda cabe ao professor a tarefa de
avaliar aprendizagens na tentativa tantas vezes vã de quantificar o inquantificável; na
perspectiva de apreender se ou como o aluno mudou, como alcançou seus próprios objetivos
de aprendizagem, uma tarefaque pode retroalimentar a prática, iluminada, desse modo, pelas
luzes da vida pessoal de seus alunos e de suas análises.
Um professor lida com o conhecimento, com a mediação pedagógica, com a criação
de vínculos com os alunos e com colegas de trabalho, com os processos de avaliação da
aprendizagem e com a instituição de ensino à qual se vincula. Como informam Tardif e
Lessard (2008),isso exige uma postura reflexiva, investigativa e interativa.
Com base nestas argumentações iniciais, o objetivo deste ensaio é analisar minha
trajetória formativa com vistas a revelarmeus desafios como docente universitária,em tempos
de inclusão escolar, como fui desenvolvendo a compreensão e avisãoda docência que assumo
atualmente, sempre na perspectiva de ser, cotidianamente, aprendiz de mim mesma.
Educação especial em minha formação e prática profissionais
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O estudo dos fundamentos da educação especial implica aprofundar discussões
introdutórias sobre temáticas que permitam aos estudantes de licenciatura conhecer um
panorama das condições de escolarização e inserção social das pessoas consideradas
deficientes. Um importante aspecto refere-se à condição social da pessoa com deficiência na
sua lutapor uma aceitação pautada na consideração de suas demandas e possibilidades.
A despeito dos discursos “inclusivistas” e da legislação em prol da educação
inclusiva2, preconceitos, estigmatizações e discriminações ainda assolam o cotidiano das
pessoas com deficiência. Nesta direção é que se apresenta muitas vezes o meu desafio como
docente e pesquisadora no campo da educação especial.
Como colaborar para os alunos refletirem sobre conceitos, preconceitos e estigmas?
Este desafio se impõe porque, geralmente, ignoramos nossa tendência a exigir determinados
padrões de comportamento cristalizados, exigir que pessoas assumam papéis segundo
modelos socialmente construídos:
[...] esta questão está sempre presente na vida social, fazendo-se sentir
unicamente quando encontramos indivíduos ou grupos que atuam de modo
diferente daquele esperado. Quando existe um indivíduo com quem nos
relacionamos, através das "possíveis" evidências, podemos categorizá-lo de
acordo com atributo(s) que o tornam diferente de outros da mesma categoria.
Portanto, alguém pode ser tido como menos desejável ou "desacreditável",
nos termos goffmanianos. Tal característica revela-se um estigma,
especialmente quando seu efeito de descrédito social sobre o status do
individuo é muito grande. (MAGALHÃES e RUIZ, 2011, p.130)
O papel reservado à pessoa com deficiência tem sido, ainda, marcado pelo modo
depreciativo de avaliar suas características, comparando-as com aquelas das pessoas ditas
normais. Omote (1994) adverte que é para os não-deficientes que devemos olhar para melhor
compreender a deficiência e não para os ditos deficientes. Defato, oatributo diferenciador (o
não ver, por exemplo) é menos importante do que as estigmatizações a circularem no meio
social sobre “ser cego”. Tais estigmas influenciam sobremodo atitudes, a constituir e
influenciaroportunidades sociais dadas aos sujeitos comdeficiência visual,de desenvolverem
suas habilidades.
O estigma, assim, tem um caráter perverso;explícita ou implicitamente ele pode fazer
de seu possuidor um ser humano “incompleto”, “inferiorizado”. Configura-se paraMagalhães
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e Ruiz (2011) um aspecto psicossocial ajustificara agressão, das maisvariadas ordens, contra
os estigmatizados, por agressores que podem chegar à extinção pura e simples da pessoa
estigmatizada. Isso já foi dolorosamente vivido pela humanidade no holocausto judeu na
segunda guerra mundial que atingiu, também, pessoas com as mais variadas deficiências.
Pensara diversidadena escola nos impõe conceber a amplitudedas formas comoesta
se apresenta no cotidiano escolar. Assim,não basta matricular alunos com deficiência e prover
o Atendimento Educacional Especializado. Esse atendimento pode, ainda, ressaltar um
modelo médico e clínico de deficiência, conquanto esta não seja a proposta do Ministério da
Educação.
Em Educação Especial ainda há hegemonia da abordagem clínico-médica da
deficiência, centrada na explicação a partir da base orgânica, limitada a diagnósticos
etiológicos, com vistas ao enquadramento e classificação dos sujeitos. Com efeito, tal
concepção implica em “individualizar” a deficiência centrando-a no sujeito. O olhar é
comparativo e rotulador, com previsões do que os deficientes chegarão a fazer, desde que
estimulados.
Padilha (2001, p. 30) afirma que o modelo médico nasce de uma ciência, da prática
social denominada medicina, mas:
[...] a incorporação do modelo médico pela psicologia e pela educação,
quando necessita discutir questões do desenvolvimento e da aprendizagem,
principalmente quando se fazem uso das palavras médicas que nomeiam,
que explicam, que afirmam, que valoram . . . palavras como ‘déficit’,
‘incapacidade’, ‘imaturidade’, ‘transtornos’, ‘portadores de deficiência’, ‘
anormais’, ‘carência’, ‘retardo’, ‘síndrome’, marcam o encaminhamento de
crianças e jovens para tratamentos especiais atribuindo-lhes problemas como
sendo somente individuais e de origem biológica. Os ‘desvios’ estão neles.
De fato,emumaperspectiva normalizadora,os “desvios” explicam-se e se encontram
nos comportamento e desempenho dos alunos, cabendo à educação propor formas de
minimizar a presença de tais desvios, com vistas a colaborar com a inserção social da pessoa
considerada deficiente.
A abordagem clínico-médica foi hegemônica em minha formação. Havia excessiva
preocupação com o estudo detalhado das “pessoas excepcionais” e o estudo das categorias
assim definidas por Mazzotta (1982) – excepcionais intelectuais, excepcionais por desvio
físico, excepcionais psicossociais e excepcionalidade múltipla.
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As pessoas com deficiência intelectual eram definidas como “deficientes mentais”,
podendo situar-senas categorias educável,treinável e dependente. Cada categoriaera descrita
portermos como “distúrbios”, “quocientes de inteligência”,com descrições do que cada grupo
conseguiria realizar. Não se trata aqui de criticar o conteúdo ensinado, mas de evidenciar o
viés classificatório em um livro que norteava muitas discussões sobre educação especial
levada para pedagogos em formação.
Contudo, Mazzotta (1982) ressaltava que o envio de um aluno para os atendimentos
em Educação Especial não estava atrelado à deficiência, mas a suposta impossibilidade deste
estudante em se beneficiar de processos comuns de ensino. Neste sentido a perspectiva de
interação entre o meio escolar e as possibilidades de adaptação do sujeito ao mesmo enfatiza,
também, que um viés educacional começa a se fortalecer.
Inegável, ainda, a influência da abordagem comportamental na educação especial
brasileira. Conforme Ainscow (2001), o modelo de currículo centrado na abordagem
comportamental ganhou força nas décadas de 1970 e 1980, porque havia insatisfação com os
fins e a qualidade da Educação Especial, isto é, os currículos de escolas especiais tendiam a
subestimar as capacidades dos alunos e lhes davam poucas oportunidades.
Mantuner (1995) caracteriza a abordagem comportamental de deficiência a partir de
três pontos chave: 1 - crítica às tradicionais classificações e rotulações da abordagem
biomédica que não conduziam a alternativas de intervenção; 2-qualquer deficiente é passível
de aprendizagem e 3-a deficiência é um estado no qual o indivíduo não tem um repertório de
condutas esperado para sua faixa etária, em seu ambiente social. No modelo explicativo, o
importante é acapacidade de professorese pais em modelar ambiente para fazer a pessoa com
deficiênciaalcançar determinados objetivos comportamentais, o que pode ser considerado um
avanço, se relacionado à mera rotulação e/ou classificação tão cara à abordagem clínico-
médica.
No Brasil, a abordagem comportamental se fez sentir na teoria e prática curriculares
da educação especial, no contexto da abordagem técnica, que enfatizava o planejamento
podendo ser observada, inclusive, nas propostas curriculares da área de Educação Especial
lançadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), na década de 1970, as primeiras na
visão nacionalizada da área na esfera pública ( MAGALHÃES, 2005).
Com efeito, tive a primeira experiência com a prática da educação especial pública
no final dos anos 1980, talvez o momento mais instigante de minha formação inicial: a
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participação, como bolsista, na pesquisa “Avaliação e Intervenção em Classes Especiais”,
parceria entre os cursos de pedagogia e psicologia da UFC. A referida pesquisa tinha por
objetivo analisar os processos de encaminhamento de alunos com deficiência intelectual para
classes especiais e intervir na mediação pedagógica nessas classes. Durante estes anos,estive
presente em classes especiais; inicialmente, como observadora das práticas pedagógicas;
depois, mediando -sob orientação -processos de ensino-aprendizagem.
Esta experiência levou-me questionar em que medida os modelos hegemônicos de
deficiênciaajudavama explicar porque oencaminhamento das crianças para classes especiais
estava profundamente associado a critérios de repetência e a informações subjetivas das
professoras. A classe especial, em tese criada para colaborar no acesso e democratização do
ensino básico para alunos com deficiência era utilizada para produzir/mascarar a evasão e
fracasso.
No final dos anos 1990 minha dissertação de mestrado se debruça sobre as classes
especiais existentes no âmbito de escolas em Fortaleza-CE, evidenciando seu duplo caráter:
de um lado, garantia atendimento educacional para estudantes com alguma deficiência e, por
outro lado, mascarava o fracasso escolar de alguns estudantes (MAGALHÃES, 1997)
Como docente – nos anos 1990 - quando as abordagens clínico-médica e
comportamental eram hegemônicas e a educação especial pública era discutida com base na
Filosofia da Integração, embora eu estudasse modelos psicossociais de deficiência, a ênfase
dos conteúdos trabalhados nas licenciaturas era classificatória e descritiva. Era outro tempo
histórico: sem internet, redes sociais... porque a revolução tecnológica ainda não chegara em
nossas casas. Um tempo de uma circulação mais lenta do conhecimento, no qual os desafios
profissionais eram outros.
Atualmente parece pertinente pensar a deficiência em outras bases nas quais a
compreensão de estigma colabora enormemente como informa Silveira (2007, p.4):
[...]nãose trata de distinguir um grupo de indivíduos estigmatizados de um
outro de indivíduos normais, mas de um processo social para o qual
concorrem ambos os papéis. Desta maneira, eles alcançam ao indivíduo em
alguma fase de sua vida posto que a abordagemsociológica do estigma não
trata de envolver diretamente a um indivíduo, mas de definir um tipo de
interação social que acaba por atingir a qualquer um”
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Goffman (1988, p. 13) quando se refere a estigma, referencia “[...] um atributo
profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações
e não de atributos”. Magalhães e Ruiz (2011) ressaltam que as características depreciativas
não podem ser qualificadas fora do contexto; neste sentido reafirmam o aspecto social e
relacional da existência da noção de deficiência e seu rebatimento para a vida escolar de
estudantes estigmatizados como deficientes.
Ressalto, ainda,queos caminhos teóricos e técnicosde construção da escola inclusiva
são múltiplos e vários porque no contexto da escola há a presença, participação e
aprendizagem por parte de todos(os) e suas diferenças têm ordens e matizes múltiplas,
elementos da diversidade do gênero humano. São formas de aprendizagens por outras
estratégias de ensino-aprendizagem, meios e caminhos; de fato, particularidades humanas
esquecidas na ânsia pela homogeneização e guiados, em parte, pela arte de Comênios de
“ensinar tudo a todos”.
Contudo,como postulaSacristán(2002, p. 18),a escolacontemporâneanão consegue
atender a todas as individualidades, mas não restringe a consideração das particularidades de
sujeitos e grupos, assim“o problema é de equilíbrio: mais ou menos uniformidade e comunhão
para alguns objetivos, mais ou menos contemplação possível da individualidade em outros”.
Para Magalhães (2005) tal afirmação evidencia a impossibilidade de simplificar a
questão da inclusão da diversidade dentro da escola, no contexto do capitalismo. Risco em
que se pode incorrer, quando a inclusão dealunos com deficiência na escola é limitada a mero
ato de solidariedade e tolerância ou à presença/ausência de aparatos de ordem técnica.
De fato, estamos no olho do furacão da coexistência de modelos clínico-médicos e
modelos piscossociais de deficiência. Consideramos que nossa prática na universidade deva
colaborar para que os estudantes reflitam sobre suas próprias concepções de ensino-
aprendizagem, diferença e sobre as concepções de deficiência, circulantes no seu cotidiano.
Como desenvolver estratégias de ensino que colaborem no acesso às informações
sobre deficiência e sua devida contextualização social e educacional? Como ampliar o senso-
crítico do alunopara questionamentodasformas estereotipadas e preconceituosas de conceber
a deficiência?
Respostas a estas questões podem nascer na sala de aula no processo de articular
conhecimento, estratégias de ensino e avaliação e redes de afeto. Um processo de planejar,
refletir e escrutinar sua prática. Ainscow (1995 , s.p.) auxilia na compreensão de que:
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Ensinar é uma tarefa complexa e imprevisível que requer um elevado grau
de improvisação. Na verdade, como já referi, pode ser sustentado que um
sinal determinante das escolas inclusivas consiste na capacidade dos
professores ajustarem suas práticas à luz do feedback que recebem de seus
alunos. Consequentemente, os professores devem ter autonomia suficiente
para tomar decisões imediatas que tenham em conta a individualidade dos
seus alunos e a singularidade de cada situação que ocorre. (...)
Atualmente, continuo envolta no desafio de discutir modelos psicossociais de
deficiência e desenvolver estratégias ativas de aprendizagem, que possibilitem a criação de
redes de afetos, a comporo tecido da aprendizagem e do ensino. Mas,a revolução tecnológica
invadiu as casas, a internet, as redes sociais, os sites e blogs, a educação àdistância. Os alunos
dos anos 2010/2014 são bombardeados por informações e precisam aprender a manter uma
postura ativana sualeitura de mundo, através das vivências e do uso dalíngua falada e escrita.
Como afirmei anteriormente (MAGALHÃES, 2005), a história das pessoas com
deficiência parece pouco divulgada e não suficientemente discutida nos conteúdos
curriculares, portanto, suas lutas ficam à margem do conhecimento curricular. Daí
perpetuarem-se perspectivas fantasiosas e preconceituosas sobre aqueles sobre quem pesa o
rótulo deficiente.
Levar os estudantes a situações mais concretas de vivência dos estigmas pode ser um
importante passo para a quebra de barreiras atitudinais. Tais barreiras podem levam a uma
“invisibilidade escolar” de estudantes com deficiência ou mesmo a preconceitos e a
cristalização de estigmas. É sempre importante lembrar que alguns estudantes nunca
conviveram com pessoas com deficiência e tendem a ficar “maravilhados” diante das
aprendizagens evidenciadas por estas pessoas. Um cego tocando violão parece quebrar a
expectativa normativa de que “deficientes não aprendem conteúdos complexos”, daí a
admiração exacerbada. Importante levar à reflexão tais aspectos que estão no cerne dos
preconceitos e estigmas circulando na escola.
Apresento a seguirduas experiências docentesnascidas do entrelaçamento da pesquisa
e do ensino, que rebatem na construção de minha identidade como professora/pesquisadora
do campo da educação especial. Reforço, assim a perspectiva de que o acesso a ferramentas
da pesquisa e as estratégias ativas de ensino podem revelar caminhos profícuos no fazer-se
professor.
Experiências docenteem Discussão
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
“Educação Especial: igualdade na diferença”: um blog diferente?
Desde o começo dos anos 2000 tenho utilizado portfólios como uma ferramenta de
apropriação de conhecimentos e avaliação da aprendizagem por parte dos estudantes. Em
2009, desafiada por encontrar formas mais participativas e reflexivas para as aulas optei por
criar um BlogColetivoda disciplina Fundamentos de Educação Especial, então ministradano
Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com as seguintes
características:
As produções inseridas neste blog são elaboradas pela turma da disciplina
Fundamentos de Educação Especial do Curso de Pedagogia da UECE. Cada
matéria postada foi elaborada por duplas ou trios de alunos (as) a partir de
sugestões do coletivo da turma. Tanto a professora, quanto a estagiária da
turma tambémpoderão postar produções. A ideia é tornar pública a produção
do grupo, bem como estabelecer interlocução com os(as) internautas que
visitarem este espaço virtual. Pretendemos, assim, divulgar informações,
conhecimentos de cunho científico, produções artísticas que envolvam direta
ou indiretamente as pessoas com deficiência e, inclusive, outros grupos que
compõem a tessitura da diversidade.( trecho da apresentação do Blog)
A experiência iniciada em 2009 e finalizada em 2010 foi desenvolvida com a
colaboração direta de estagiárias de docência universitária da UECE3. O blog “Educação
Especial: igualdade na diferença”. Contou com a participação de 175 pessoas, entre discentes
e interessados nas temáticas. A intenção do blog foi partilhar conhecimentos construídos e
socializar as experiências vivenciadas pela turma. A ideia estava associada à perspectiva de
estímulo à capacidade de produção dos alunos desenvolvida e tinha uma intenção formativa:
A formação de professores, especificamente, de pedagogos sensíveis aos
desafios e possibilidades peculiares à educação inclusiva torna-se premente.
Faz-se necessário, ainda, espaços para discussão e divulgação de
informações que colaborem no enfrentamento dos preconceitos e
estereótipos vinculados à socialização e educação escolar de pessoas com
deficiência.Com estas palavras convidamos os navegadores do mundo
contemporâneo (“os internautas”) a viajarem conosco nesta
empreitada.(trecho da apresentação do blog).
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EdUECE - Livro 4
00891
Description:pesquisadora que se voltou para o estudo da educação especial desde a experiência como bolsista de iniciação científica. A professora universitária