Table Of ContentF.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
Uso e ocupação dos manguezais da área urbana de Paranaguá-PR:
uma abordagem histórica e socioambiental
Fernanda Ribeiro de Freitas1; Karina Gonçalves Capeti; Cristiane Ramon Sampaio
1 Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e
marinhos/Universidade Santa Cecília (UNISANTA).
Resumo: Paranaguá é a cidade mais antiga do Paraná, localizada na planície litorânea,
onde cresceu entre dois rios, o Itiberê e o Emboguaçu, ambos margeados por
manguezais, os quais foram sendo desmatados para dar lugar a residências, até certo
ponto de baixo padrão, se caracterizando como áreas de ocupação irregular. A ocupação
dessas áreas é realizada mediante ao desmatamento, seguida de aterramento com lixo ou
restos de construção, para após serem construídos os barracos ou casas. Os manguezais
são considerados um local insalubre para residir e a população de baixa renda recorre a
isso. Muitas dessas áreas observamos habitações precárias e total falta de infraestrutura,
moradias desumanas e principalmente a falta do saneamento básico, ocorrendo então a
degradação de ecossistemas naturais. A invasão de terras é uma regra, e não uma
exceção. Porém, ela não é determinada pelo desapego à lei ou por lideranças que
querem afrontá-la. Ela é definida por falta de alternativas, e é o que vamos ver por meio
de dados empíricos. A metodologia aplicada se fundamenta em levantamentos
bibliográficos e de campo, bem como pesquisas em órgãos públicos tal como o IBAMA
de Paranaguá.
Palavras-chave: Ocupação irregular, Complexo Estuarino de Paranaguá, Litoral
paranaense.
Use and occupation of the mangroves forest of the urban area of Paranaguá: a
historical and socio-environmental approach.
Abstract: Paranaguá is the oldest city in Paraná, located in the coastal plain, where it
grew between two rivers, Itiberê and Emboguaçu, both bordered by mangroves, which
were deforested to give rise to residences, to a certain low standard, if Characterizing as
areas of irregular occupation. The occupation of these areas is accomplished through
deforestation, followed by landfill with garbage or construction debris, after the shacks
or houses are built. Mangroves are considered an unhealthy place to live and the low-
income population uses them. Many of these areas include poor housing and a complete
lack of infrastructure, inhumane housing, and especially the lack of basic sanitation,
resulting in the degradation of natural ecosystems. Land invasion is a rule, not an
exception. However, it is not determined by detachment from the law or by leaders who
want to confront it. It is defined by the lack of alternatives, and this is what we will see
through empirical data. The applied methodology is based on bibliographical and field
surveys, as well as researches in public agencies such as IBAMA of Paranaguá.
Keywords: Irregular occupation, Paranaguá Estuary Complex, Parana Coast
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 93
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
Introdução falta de infraestrutura. No meio urbano,
o investimento público orientado pelos
O direito à moradia está incorporado no
lobbies bem organizados alimenta a
direito brasileiro de acordo com os
relação legislação mercado imobiliário
tratados internacionais de direitos
restrito exclusão social. E nas áreas
humanos do qual o Estado Brasileiro é
desprezadas pelo mercado imobiliário,
parte. Assim, obriga o Brasil (União,
nas áreas ambientalmente frágeis, cuja
Estados e Municípios) a proteger e fazer
ocupação é vetada pela legislação e nas
valer esse direito.
áreas públicas, que a população pobre
A expansão de áreas urbanas para
vai se instalar: encostas dos morros,
habitação, indústria, portos e
beira dos córregos, áreas de mangue,
desenvolvimento turístico representam
áreas de proteção aos mananciais
as atividades antrópicas que mais
(MARICATO, 2003).
destroem os manguezais (KJERFVE &
Apesar de toda importância do
LACERDA, 1993). Estes habitantes são
ecossistema manguezal para o equilíbrio
marginalizados para as periferias, onde
ecológico e consequentemente para o
invadem ambientes frágeis, como os
homem, ele continua sofrendo
mangues e outras áreas de preservação,
destruição total ou parcial por meio de
podendo ocasionar danos irreversíveis
processos urbano-industriais de
como a descaracterização da paisagem e
ocupação do litoral, com a exploração
perda da beleza cênica. As edificações
predatória de sua fauna e flora, poluição
em locais impróprios trazem outros
de suas águas, além de sua
problemas como a inadequação de
transformação em aterros e depósitos de
esgoto sanitário e abastecimento de
lixo.
água (IBGE,1998).
Atualmente a ocupação do mangue
As cidades brasileiras cresceram
passou a se diferenciar em muito
vertiginosamente nas últimas décadas a
daquela dos tempos tradicionais. Isso
partir de uma forte migração da
ocorre porque o aumento da população
população da zona rural para a zona
e da urbanização contribuiu para que as
urbana, provocando um “inchaço” das
terras das cidades litorâneas se
cidades. Este fato, aliado a outros, tem
valorizassem e aumentassem
provocado muitos problemas ligados à
exponencialmente seu preço. Tal
moradia, tais como: coabitações,
situação converge para um quadro de
habitações precárias, autoconstrução e
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 94
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
segregação social e espacial levando energia elétrica, algumas torneiras de
parte da população de baixa renda a água potável, pontos de coleta de lixo,
ocupar áreas como os manguezais, que não havendo uma rede de coleta de
passam a integrar-se a análise fundiária esgotos e nem de água.
revertendo em valores mais baixos O problema maior é que esse tipo de
quanto ao uso estando dispostos a esta ocupação é de alto risco uma vez que
população segregada pelo sistema de inundações periódicas são passíveis de
construção urbana. Dessa forma o ocorrer, além de desmoronamentos e
mangue passa a ser habitado por proliferações de doenças com maior
pessoas de hábitos urbanos, que não facilidade por conta da alta umidade.
dependem desse ecossistema para Todos esses fatores contribuem para
sobrevivência, mas que acabaram por que a população do mangue sobreviva
morar nele pelo fácil acesso ao trabalho em condições de extrema
e o baixo preço da terra (Lima & vulnerabilidade e muitas vezes de
Oliveira, 2003). insalubridade (Lima & Oliveira, 2003).
No município de Paranaguá constata-se Apesar das preocupações instituídas,
a existência da referida irregularidade, pouco se tem visto em relação às ações
porém, esta é agravada pela ocupação mitigadora para melhoria da qualidade
de terrenos legalmente não passíveis de de vida da população de baixa renda
regularização fundiária (terrenos de que ocupa irregularmente as áreas de
marinha e ilhas fluviais e oceânicas), manguezal, nem tão pouco tem havido
bem como, pelo déficit de projetos de esforços para recuperar e preservar o
loteamentos regulares. ambiente ocupado por tais.
As ocupações irregulares no município
de Paranaguá são resultados do Área de estudo
crescimento natural e desordenado da
A Baía de Paranaguá, situada no litoral
população, das migrações e dos ciclos
do Paraná e no sul do Brasil (48º 25'W,
econômicos nacionais e estaduais que se
25° 30'S), faz parte de um grande
reflete na economia do município,
sistema estuarino subtropical
prioritariamente regulada pelo Porto.
interconectado que inclui o sistema da
A população residente geralmente é de
Baía de Cananéia-Iguape, no litoral sul
baixa renda que busca essas áreas como
do estado de São Paulo. Ao invés de ser
opção mais barata de moradia. Nesses
um estuário, a Baía de Paranaguá (612
locais existe uma precária rede de
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 95
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
Km²) é melhor definida como um Paranaguá e Antonina (260 km ²) e as
sistema estuarino composto de duas baías de Laranjeiras e Pinheiros (200
massas de água principal, as baías de km²) (LANA, 2000).
Figura 1: Localização da área de estudo
Paranaguá está localizada em três ecossistemas particulares: o manguezal
ambientes de fragilidade ambiental e a restinga.
extrema, ou seja, áreas frágeis como Paranaguá teve seu crescimento espacial
aqueles que, por suas características, sobre um sítio particular, ou seja, entre
são particularmente sensíveis aos dois rios, o Itiberê e o Emboguaçú,
impactos ambientais adversos, de baixa ambos margeados por manguezais, os
resiliência e pouca capacidade de quais foram sendo desmatados para dar
recuperação. Por exemplo, Serra do lugar a residências, até certo ponto de
Mar, Planície de Restinga e baixo padrão. A partir da década de
Manguezais. As diferenciações de 1960, o crescimento espacial ocorreu
ordem topográfica, climática e para a região situada entre os rios
pedológica, trazem à paisagem dois Itiberê e Emboguaçú e na Ilha dos
Valadares (CANEPARO, 1999).
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 96
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
Figura 2: Município de Paranaguá (Fonte: Google Eart)
Resultados e discussão pessoais, sendo grande parte do bairro
Beira Rio em relação ao Jardim Iguaçú,
As ocupações irregulares no município porém ambos moradores acham o
de Paranaguá são resultados do ecossistema importante para o meio
crescimento natural e desordenado da ambiente, mas metade destes
população, das migrações e dos ciclos desconhece essa importância.
econômicos nacionais e estaduais que se Autoridades locais também foram
reflete na economia do município, ouvidas, como o biólogo do IBAMA de
prioritariamente regulada pelo Porto. Paranaguá, onde relatou a importância
As residências localizadas nos desse estudo e principalmente dos
manguezais são feitas de madeira e manguezais que são áreas mais
sustentadas sobre pilares feitos com invadidas devido a falta de opção de
troncos de árvores resistentes à moradia.
umidade, chamadas palafitas. Essas O Biólogo do Ibama de Paranaguá
palafitas são propriamente adaptadas relata que: “Não há monitoramento
para suportar principalmente a quanto ao número de invasores, pois
amplitude de variação das marés. com a Lei complementar algumas
A maioria dos ribeirinhos estão situações mudaram e quem possui estes
localizados nessas áreas por motivos dados é o ministério público. O
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 97
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
manguezal é um ecossistema pioneiro e Segundo o biólogo o manguezal não
qualquer intervenção pode ser corre risco de extinção, apesar da área
autorizada desde que seja de baixo que abrange ele consegue se revitalizar.
impacto ambiental e social, porém é Para ocorrer uma fiscalização de
protegido por Lei. Desta forma, o estado invasão irregular, primeiramente deve
e município devem tomar as medidas de haver uma denúncia para averiguação,
reparação do dano, com identificação do após é lavrado em ata no ministério
autor. Após alterado o ecossistema público e então inicia-se a recuperação
consegue se recuperar sozinho (o do dano. As punições para quem invade
mangue rebrota), contudo depende do essas áreas são realizadas pelo
nível e o tipo de poluição afetada, ministério público, podendo ocorrer
poluição aguda por petróleo e agentes prisão e multa.
químicos por exemplo necessitam de
projeto de intervenção”.
FIGURA 3: Residências irregulares e em situações precárias no Bairro Beira Rio
(Autor: Freitas, F. R)
Os manguezais são considerados um população de baixa renda recorre a isso.
local insalubre para residir e a Em muitas dessas áreas observamos
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 98
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
habitações precárias e total falta de fato de não haver meios e condições
infraestrutura, moradias desumanas e para se obter uma vida decente.
principalmente a falta do saneamento Portanto a falta de um lugar digno para
básico, ocorrendo então a degradação de morar e as precárias condições de
ecossistemas naturais. A população moradia exigem que o município
local reclama da falta de estrutura da desenvolva ações imediatas para
prefeitura para averiguar suas situações, solucionar este problema que afeta
reclamam também que moradores de centenas de Parnanguaras. Com a
outros bairros despejam lixos, entulhos realização da pesquisa constatamos que
e animais mortos próximos a suas a região costeira de Paranaguá é um
residências. verdadeiro cenário de dicotomias na
O processo de uso e ocupação distribuição socioambientais
desordenado do solo nas margens do principalmente relacionados ao
rio, a ausência de infraestrutura e de saneamento. A ausência de um
saneamento básico adequados, e a planejamento urbano transformou a
invasão do manguezal vem região de manguezais em um
descaracterizando a paisagem natural da aglomerado “subnormal”, caracterizado
área paulatinamente. por residências localizadas em áreas
inadequadas e carentes de serviços
Conclusão públicos, organizadas de forma
desordenada, onde acaba se
A proteção do meio ambiente transformando em uma realidade
juntamente com a qualidade de vida são incompatível com o contexto de vida
valores que devem ser justificados e digna.
entendidos por todos os ramos do
Direito. Desta forma, a qualidade de Referências
vida é escassa onde existe pobreza, pois BARBOSA, T. S; Ocupações
irregulares e impactos sócio-
a pobreza reflete na falta de condições
ambientais às margens do Rio
dignas de moradias, nas favelas, nas Sanhauá, Paraíba / Brasil. Revista
Percurso – NEMO. Maringá, v. 5, n. 2 ,
invasões e nos cortiços – afeta também
p. 91- 107, 2013.
o meio ambiente, a saúde e a qualidade
BORGES, G.F; A problemática que
de vida da população, impossibilitando
envolve a questão do manguezal.
a vivência da dignidade humana, pelo Porto
Alegre, RS. 2010.
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 99
F.R. de Freitas; K.G. Capeti; C. R. Sampaio
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dht
CANEPARO, S.C. Manguezais de /br/rs/terra_trab/dh_moradia.html
Paranaguá: uma análise da dinâmica Acesso: 01 de fevereiro de 2015
espacial da ocupação antrópica -1952
– 1996. Tese de doutorado em Meio LIMA, Cibele Oliveira.; OLIVEIRA,
Ambiente e Desenvolvimento - Regina Célia de. Análise Ambiental de
Universidade Federal do Paraná ocupação nas áreas de manguezal no
Curitiba, 1999.238p. município de Santos – SP. Revista
Geográfica de América Central Número
CANEPARO, Sony Cortese. Análise da Especial EGAL, Costa Rica. II
dinâmica espacial da ocupação Semestre, 2011 pp. 1-13.
antrópica em Paranaguá/PR (1952-
1996), através do uso de sistema de MARICATO, Ermínia. CONHECER
informações geográficas. Editora da PARA RESOLVER A CIDADE
Universidade Federal do Paraná ILEGAL.
(UFPR), Curitiba, n.4, p.111-130. 2000. In: Leonardo Basci Castriota (org.).
Urbanização Brasileira – Redescobertas.
CANEPARO, Sony Cortese. Análise da Belo Horizonte: Ed. C/Arte, 2003, p.
Dinâmica Espacial e dos impactos 78-96
ambientais causados pela ocupação
antrópica em áreas de manguezais MARINHO, Jefferson Luiz Alves.
de Paranaguá - Paraná, através de MORADIA DIGNA: UM DIREITO
técnicas de geoprocessamento. X DE TODOS,
Simpósio Brasileiro de Sensoriamento UM DEVER DO ESTADO, UMA
Remoto. Foz do Iguaçu, 2001 REALIDADE DE POUCOS.
Disponível em:
CANEPARO, Sony Cortese. http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/
SD3_files/Jefferson_MARINHO.pdf
Identificação das Problemáticas sob o
Acesso: 01 de fevereiro de 2015.
ponto de vista ambiental no
ecossistema manguezal localizado na
SILVA, José Afonso da. Curso de
cidade de
Direito Constitucional Positivo. 6. ed.
Paranaguá – Paraná- Brasil.
1990.
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Departamento de Geografia. 2014.
SILVA, José Afonso da. Direito
Ambiental Constitucional. 2. ed. São
Dias, Daniella; O DIREITO À
Paulo:
MORADIA DIGNA E A EFICÁCIA
Malheiros, 1998.
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
SOCIAIS. Revista Eletrônica do
SILVA, Robson; Silva. Fundação
CEAF. Porto
Guará-Vermelho - Relatório Técnico.
Alegre - RS. Ministério Público do
Estado do RS. Vol. 1, n.1, out. 2011/jan.
2012. Disponível em:
http://www.mprs.mp.br/areas/biblioteca/arq
uivos/revista/edicao_01/vol1no1art1.pdf
Acesso: 30 de janeiro de 2015
O QUE É O DIREITO HUMANO A
MORADIA DIGNA?
Disponível em:
UNISANTA Bioscience Vol. 6 nº 2 (2017) p. 93-100 pág. 100