Table Of ContentUniversidade de Lisboa
Faculdade de Letras
The Search for Identity and the Construction of an Idea of India in the novels
The God of Small Things by Arundhati Roy and The Inheritance of Loss by Kiran Desai
Margarida Pereira Martins
Orientadora: Profª Doutora Luísa Maria Rodrigues Flora
Tese especialmente elaborada para a obtenção de grau de doutor em Estudos de Literatura e
Cultura, especialidade em Literatura e Cultura de Expressão Inglesa.
2016
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
The Search for Identity and the Construction of an Idea of India in the novels
The God of Small Things by Arundhati Roy and The Inheritance of Loss by Kiran Desai
Margarida Pereira Martins
Orientadora: Profª. Doutora Luísa Maria Rodrigues Flora
Tese especialmente elaborada para a obtenção de grau de doutor em Estudos de Literatura
e Cultura, especialidade em Literatura e Cultura de Expressão Inglesa.
Júri:
Presidente: Professor Doutor José Viriato Soromenho Marques, Professor Catedrático e
Membro do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Vogais: Doutora Jacinta Maria Cunha da Rosa Matos, Professora Associada
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra;
Doutora Ana Paula Ribeiro Menino Avelar, Professora Associada com Agregação
Departamento das Ciências Sociais e Gestão da Universidade Aberta;
Doutora Luísa Maria Rodrigues Flora, Professora Associada
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, orientadora;
Doutora Maria Teresa Barbieri de Ataíde Malafaia Lopes dos Santos, Professora Associada
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Doutora Maria Teresa Correia Casal, Professora Auxiliar
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Doutora Ana Cristina Ferreira Mendes, Investigadora Convidada
Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
2016
English Abstract
The main objective of this research project is to analyse how the novels The God of
Small Things (1997) by Arundhati Roy and The Inheritance of Loss (2006) by Kiran Desai can
help readers and scholars construct an idea of India and of the Indian cultural identity.
In order to develop this theory it is necessary to look into three aspects which are crucial
to the building of knowledge on a nation, its culture and people and these are, national history,
identity and cultural representation through different artistic production, including fictional
narratives. Historical processes are the key to the unfolding of present circumstances and
fundamental to the construction of a national identity that makes sense collectively. However,
the perceptions of the past change according to philosophical and ideological trends, placing
historical objectivity in the hands of its subjective counterpart. It is cultural theory and how it
evolves in simultaneity with the world and its social, political, economic and technological
development that in effect dictates the forms and expressions that give shape to societies,
nations and identities.
The function of narrative whether as text, visual arts, film, architecture, dance and other
creative expressions of the self, is to tell a story. And every moment of every living being can
be told in a story. History too is a story and though in the past it focused mostly on the grand
deeds of the European nations, with postcolonialism new stories began to emerge, revealing a
world of diversity and deconstructing traditional views of the shaping of the past and the power
relations involved. However, this new approach to the historical, cultural and political dialectic
was achieved through the effect of the postcolonial narrative which used Western forms and
structures, such as the novel and the English language, to achieve its aim. This appropriation
of language and form resulted in an inversion of power relations as a cultural metaphor.
For the purpose of such a debate, the present dissertation focuses on the two novels by
Roy and Desai and is divided into three main sections each of which deals with one approach
to the thesis. The first chapter contains the historical approach, in the second I discuss
postcolonial theory and the third analyses the relation between anthropology and fiction.
Keywords: India, postcolonialism, cultural studies, identity, literature.
i
Portuguese Abstract
O objectivo principal deste projecto é de analisar como através dos romances The God
of Small Things (1997) de Arundhati Roy e The Inheritance of Loss (2006) de Kiran Desai é
possível construir uma ideia da Índia e da identidade cultural Indiana.
O desenvolvimento desta teoria implica a análise e o estudo de três aspectos
fundamentais para o conhecimento mais aprofundado de uma nação, a sua cultura, e as suas
pessoas. São estes a história nacional, a identidade e a sua representação cultural através da
produção artística, da qual as narrativas fazem parte. Os processos históricos são primordiais
como chave para o desenrolar das circunstâncias presentes e fundamentais para a construção
de uma identidade nacional com um sentido do colectivo. No entanto, percepções do passado
mudam consoante as tendências filosóficas e ideológicas que as nações atravessam, colocando
a objetividade histórica à mercê da sua contraparte subjectiva. Portanto, é a evolução da teoria
cultural em sintonia com o desenvolvimento social, político, económico e tecnológico do
mundo que determina as formas e expressões que definem as sociedades, as nações e as
identidades.
A função da narrativa enquanto texto, artes visuais, filme, arquitectura, dança ou outra
manifestação cultural criativa, é o contar de uma história. A disciplina de história também conta
uma história. E embora no passado a história ocidental focasse principalmente os grandes
acontecimentos das nações Europeias, com o pós-colonialismo novas histórias surgiram
revelando a importância de um mundo de diversidade, servindo para desconstruir visões
estáticas da história e das relações de poder. Esta nova abordagem à dialética histórica, cultural
e política foi conseguida através do efeito das narrativas pós-coloniais que fizeram uso de
formas e estruturas ocidentais como o romance e a língua inglesa para atingir os seus objectivos
e alcançar um público mais amplo. A apropriação da língua e da forma resultou numa inversão
de poderes transformando-a em metáfora cultural.
Este debate foca-se nos dois romances de Roy e Desai e está repartido por três secções
principais, onde em cada uma é desenvolvido um dos ângulos de abordagem desta tese. O
primeiro capítulo contém uma abordagem histórica, o segundo é uma discussão da teoria pós-
colonial e no terceiro é analisada a relação entre a antropologia e a ficção.
Palavras-chave: Índia, pós-colonialismo, estudos de cultura, identidade, literatura.
ii
Resumo alargado em português
Esta tese tem como ponto de partida investigar como uma ideia da Índia poderia ser
construída e compreendida através da ficção pós-colonial indiana escrita em inglês, utilizando
como textos base The God of Small Things (1997), romance da escritora indiana Arundhati
Roy, com qual ganhou o Man Booker Prize em 1997, e The Inheritance of Loss (2006), segundo
romance de Kiran Desai, que também venceu o Booker Prize em 2006.
Em 2010, quando iniciei a pesquisa para este doutoramento, a investigação sobre o
romance indiano escrito em inglês era uma área já existente em Portugal na área dos estudos
pós-coloniais e de identidade embora não tão desenvolvida como em países anglófonos. Desde
o século XVIII que escritores indianos escrevem e publicam em inglês tanto na Índia, como
fora dela. Após a independência, em 1947, e especialmente depois dos anos 80, um grupo de
escritores começou a produzir um corpus de textos que poderia considerar-se como um “guia”
para a Índia e ser reconhecido pelo mundo como tal. Esta tendência ganhou força em 1981 com
a publicação de Midnight’s Children de Salman Rushdie.
A minha investigação na área dos estudos pós-coloniais assim como a leitura mais
aprofundada dos romances que se enquadram nesta categoria foi principalmente influenciada
pelo trabalho teórico de Elleke Boehmer (2005), Bruce King (1996 and 2004) Homi Bhabha
(1990 e 1991), Lisa Lau e Ana Mendes (2011) e pelos ensaios de Salman Rushdie (1991). A
análise desenvolveu-se através da interpretação de pontos de interesse nos romances de Roy e
Desai e dos debates que daí surgiram. A presente tese baseia-se em ideias sobre o que constitui
a identidade, sobre como a nação Indiana, as suas pessoas e cultura têm sido concebidas ao
longo dos séculos e como o fim da era colonial, a globalização e as ideologias têm afectado as
culturas e narrativas que as representam e que têm vindo a ganhar ímpeto nos meios literários
e académicos.
O conteúdo temático dos dois romances, embora diferente em muitos dos aspectos
ficcionais, trata da Índia do ponto de vista histórico, das realidades políticas, da língua, da
religião, das classes sociais e castas, da diáspora, do género, do casamento e das relações
amorosas. Aborda a família, as diferenças geracionais, e ainda os efeitos da globalização e
ocidentalização na sociedade indiana.
É a forma como nestes livros as realidades históricas e culturais são apresentadas, assim
como no romance Midnight’s Children, que os torna objectos de estudo particularmente
interessantes. Há um desafio implícito e explícito à institucionalização da forma romanesca e
à estrutura das convenções culturais e narrativas, desafio esse percetível pela não temporalidade
iii
e não linearidade, pela manipulação da língua, e através do retrato de grupos e minorias sociais
da Índia, uma forma de denúncia social e política dessas realidades, através da escolha das
personagens. São estes aspectos dos romances: o desafio da autoridade, das leis e das
expectativas, articuladas pela poética pós-colonial que me levam a fazer uma leitura
direcionada às transformações na cultura e sociedade indiana.
A acção de The God of Small Things decorre em Kerala no sul da Índia, na pequena
cidade de Ayemenem onde grande parte da população é Síria Cristã, o primeiro estado da Índia,
e do mundo, a eleger um partido comunista para o governo. A história abrange três gerações
da família Ipe, ao longo de 23 anos, e descreve os acontecimentos na experiência dos gémeos,
Estha e Rahel. A acção desenvolve-se no curto espaço de tempo associado ao afogamento de
Sophie Mol, prima, e à morte de Velutha, um intocável, com quem Ammu, a mãe, se envolvera
amorosamente. A acção de The Inheritance of Loss decorre em Kalimpong no norte da Índia
perto da fronteira com o Nepal, no sopé dos Himalaias. As personagens principais são Jemmu
Patel, um velho juiz reformado e amargurado, a sua neta, Sai, o cozinheiro e o filho, Biju. Os
acontecimentos desenrolam-se durante uma revolta do grupo étnico e politico Ghorka, de
Nepaleses Indianos nos anos 80s que exigiam autonomia da Índia. A acção decorre
alternadamente entre a Índia e os Estados Unidos, onde o leitor vai seguindo a experiência de
Biju como imigrante.
Os dois romances desconstroem a língua e a forma, recorrendo a técnicas diferentes,
embora partilhando semelhanças para retratar a ideia das autoras respectiva às questões e à
temática de que as narrativas se ocupam. A não linearidade, o cíclico regresso a momentos e
temas específicos, o ‘code-switching’ e a sensação de desconforto induzida por estas estratégias
são recursos estilísticos utilizados em ambos os romances. Os efeitos narrativos destas histórias
servem tanto a função estética como uma função sociopolítica e ideológica que se enquadram
na forma base do romance pós-colonial de apropriação da história, inversão de poder e
denúncia de injustiças sociais.
Na sua qualidade de expor a história, a cultura e identidade, pode afirmar-se, portanto,
que o romance pós-colonial tem uma forma e papel tridimensional. É uma obra de ficção, uma
etnografia e um documento histórico. Para conseguir esses três objectivos, o romance pós-
colonial deve situar-se na experiência e perspectiva do autor, manifestar-se como objecto de
arte, ser reconhecido como produto cultural e revelar os sinais requeridos para cada uma destas
funções/categorias.
Esta capacidade de levantar debates sobre a natureza e representação da cultura, arte e
teoria assim como a importância da objectividade e subjectividade na interpretação da história
iv
e da cultura, e de como estes aspectos têm evoluído ao longo dos tempos torna o romance pós-
colonial numa ferramenta útil para a construção de uma ideia sobre a Índia.
A presente tese está repartida por três capítulos e em cada um é desenvolvido um
aspecto teórico relacionado com a Índia através dos dois textos de ficção escolhidos. O
objectivo destas três abordagens é de analisar como é possível, através da ficção em inglês de
escritores Indianos, residentes na Índia, ou na diáspora, construir ou reconstruir a história,
desenvolver teoria e uma etnografia da Índia.
No primeiro capítulo é analisada a forma como a Índia foi concebida ao longo da história,
de acordo com o desenvolvimento da ciência da história e algumas questões filosóficas em
volta da temática. O debate culmina na ideia de que a história é construída pelos vários
elementos que compõem a sociedade, mesmo os que foram silenciados pelo passado. As
perspectivas mudam de acordo com as circunstâncias actuais políticas, sociais e económicas e
as transformações que ocorrem no pensamento filosófico. Neste capítulo também é abordada a
ideia da memória na construção da história.
O segundo capítulo é uma abordagem teórica, tendo com suporte alguns dos nomes mais
influentes da teória pós-colonial como Edward Said, Homi Bhabha, Gayatri Spivak, Elleke
Boehmer e Bruce King na leitura e contextualização dos romances de Roy e Desai. Também
são desenvolvidos outros aspectos que considero importantes como a apropriação da língua
inglesa e a sua fusão com o Hindi, sobretudo, a diáspora, a representação de ‘home’ e
‘homeland’ nos romances, a deslocação e o trauma, entre outros aspectos relativos a este género
literário.
No terceiro e último capítulo da tese é analisada a relação entre a ficção e a etnografia. Esta
ligação baseia-se nos objectivos e processos de ambas as práticas narrativas. Na ficção, assim
como na etnografia, é possível retratar grupos e práticas sociais, interações, leis, rituais,
tradições, assim como o tempo e o espaço onde estes decorrem. Neste capítulo tento construir
uma etnografia observando diferentes elementos sociais e como eles vão sendo mostrados nos
romances: a mulher, a representação de castas, a da diáspora, a relação com os espaços, a
religião, as minorias étnicas e outras metáforas culturais.
É também neste capítulo que é iniciado o processo de desconstrução de conceitos
institucionalizados que têm sido utilizados na discussão teórica da literatura pós-colonial, assim
como na presente tese. No final desta investigação, da leitura, da pesquisa, da escrita, da
interpretação e de toda a reflexão sobre este tema com toda a informação reunida, o meu
objectivo é concluir com a ideia de que estes romances revelam-se muito mais como uma
‘evocação’ da realidade indiana do que uma sua representação. Cada experiência é uma história
v
por contar e um ponto de partida para a construção da história e da identidade nacional e
cultural. É nesse mesmo sentido que os conceitos tradicionais da história, da objectividade e
do pós-colonial, perdem força e coerência à medida que as leituras mais subjectivas, a narrativa
enquanto desafio à forma, aos estereótipos e às estruturas institucionalizadas, ganham
relevância no contexto do pós-modernismo.
vi
Acknowledgements
I would like to first and foremost express my gratitude to my supervisor, Professor Luísa Maria
Rodrigues Flora for her exceptional guidance, for all her teaching and sound advice, for all her
support and patience without which this academic achievement would never have been
possible. I have learnt so much from you over these years.
My sincere gratitude to the teaching staff at the Departamento de Estudos Anglísticos whose
classes I had the privilege of attending and who motivated me in my course of study.
Thank you to my fellow researchers and colleagues for all the encouragement and joy.
And last but not least, a warm thank you to my friends and family for always being there for
me when I needed them.
vii
Table of Contents
English Abstract …………………………………………………………....i
Portuguese Abstract ………………………………………………………..ii
Extended Portuguese Abstract ………………………………………...…..iii
Acknowledgements……………………..…………………………….…...vii
Introduction………………………………………………..…..….….....3
1. On historical constructions and the power of narratives…..……….23
The 19th Century in India………………………………………………23
The voiceless subjects of history…………………………………..…..49
The colonized subject as agent of change………………………….….. 60
Transformations and shifts in philosophical perspectives on history
and culture………..……...……………………………………...….… 70
The English language as a new narrative space……………….……… 84
From the postcolonial to the postmodern …………………….………..88
2. Situating the novels in postcolonial critical theory and its
ongoing discussion…….……………………………………………...107
Decolonization, postcolonialism and the narratives of
identity…………………………………………………………….....107
Searching for a definition of postcolonial Indian
Literature……………………………………………………….…....118
Reinterpreting national identity…………………...…………………144
The postmodern effect……………...………………………………..154
Language politics and the postcolonial novel……..…………………159
A multiplicity of voices in Indian identity……………………………164
Postcolonialism: the democratization of literature……………..……170
What is Indian identity, after all?.........................................................177
1
Description:Faculdade de Letras. The Search for Identity and the Construction of an Idea of India in the novels. The God of Small Things by Arundhati Roy and The