O movimento latino-americano de história das ideias

18 Pages·2015·0.32 MB·Portuguese

Anais do XI Encontro Internacional da
ANPHLAC

2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3

O movimento latino-americano de história das ideias:
discursos nacionais, rede continental

Luciano dos Santos*

Entre meados da década de 1940 e final da década de 1980, se
desenvolveu na América Latina uma prática historiográfica que aglutinou
diversos intelectuais preocupados em desenvolver reflexões e estudos sobre a
história do pensamento latino-americano. Paulatinamente, as várias iniciativas
nacionais foram se conectando e acabaram formando um movimento
intelectual de proporção continental.
Esta vertente teve suas especificidades e uma delas se refere a seus
membros, cuja maioria era do campo da filosofia. Contudo, isso não quer dizer
que, em função de sua formação, estes intelectuais compreendessem as ideias
como entes abstratos. De modo que, torna-se difícil enquadrá-la na tipologia
proposta por Robert Darton1. Ou seja, suas analises não se limitavam ao
pensamento sistemático contidos em tratados filosóficos, não buscavam
construir uma História da Filosofia em seu sentido clássico. Na verdade, tendeu
mais a ser uma história das formas de apropriação das ideias filosóficas nos
contextos nacionais e/ou regional latino-americano.
Outra peculiaridade desse movimento foi o fato de a proposição de uma
história das ideias ter se desenvolvido, sobretudo a partir da Segunda Grande
Guerra, como uma forma de compreensão do exercício filosófico que propunha
fomentar a construção de uma filosofia com bases nacionais e/ou latino-
americana. Alguns intelectuais dessa vertente de história das ideias
questionavam a proposição de uma filosofia universal, afirmando que, na
verdade, esta era nada mais que a filosofia da Europa, que negava a
capacidade de produção de pensamento a qualquer outra cultura. De tal modo,
realizar uma história das ideias de caráter nacional e/ou latino-americano era
uma forma de alicerçar a perspectiva de filosofia que defendiam.
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Assim, sob uma “simbiose” entre história e filosofia, estes intelectuais
começaram a construir um projeto que buscava não só conhecer o passado da
América Ibérica, mas, sobretudo, segundo eles, para desalienar. Para estes
pensadores e, principalmente, para o dirigente desse projeto, Leopoldo Zea, só
assim essa parte da América lograria a sua descolonização. E, para tanto, não
só colocaram sua verve como mecanismos de libertação como também criaram
várias instituições, revistas e atividades acadêmicas para disseminar este
modelo de história das ideias e filosofia por toda a América Latina.
No entanto, no texto que agora apresentamos não analisaremos toda a
trajetória do movimento latino-americano de história das idéias. Limitaremos
nossa análise a seu período de formação, isto é: às iniciativas das primeiras
décadas do século XX até a formação da rede de intelectuais que se formou
em torno da prática de história das ideias entre as décadas de 1940 e 1950.

Iniciadores e difusores da história das ideias na América Latina

Com o desenvolvimento da pesquisa2 e com as leituras dos textos de
Jean-François Sirinelli3, foi nos parecendo importante retornar aos anos de
formação da prática de historiar ideias na América Latina no início do século
XX, para identificar quem eram os homens de letras que iniciaram tal prática e
como estas estavam ligadas aos intelectuais (Leopoldo Zea, Arturo Ardao e
João Cruz Costa) que as transformariam em um movimento de proporção
continental.
A pesquisa das fontes4 foi demonstrando que os dois principais focos de
produção de história das ideias se desenvolveram no México e na Argentina e
que a circulação das ideias de José Ortega y Gasset (1883-1955), como
também do pensamento historicista, sobretudo de matriz alemã5, tiveram um
grande papel na formação da história das ideias na América Latina.
No México, os dois principais responsáveis pela circulação das ideias de
Ortega, e também pela criação das bases do que seria a história das ideias,
foram Samuel Ramos (1897-1959) e o espanhol José Gaos (1900-1969). Tanto
um quanto o outro defendiam uma perspectiva historicista da filosofia.
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O primeiro, em 1934, publicou El perfil del hombre y la cultura en
México, obra em que não só colocava em circulação as ideias de Ortega, como
também as usava para interpretar o que ele entendia como realidade
mexicana6. Depois, em 1941, fundou uma cátedra de Historia de la filosofia en
México na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) em que
ensinava a necessidade de investigar a forma peculiar de como as ideias
europeias eram absorvidas na vida intelectual mexicana7.
Já José Gaos, que chegou ao México como exilado da Guerra Civil
Espanhola em 1939 e era ex-discípulo de Ortega, não só se empenhou em
divulgar as ideias do mestre, como também colocou em marcha um verdadeiro
projeto de história das ideias do pensamento em língua espanhola. Criou no
Colégio de México um Seminário de história das ideias em que ensinava que
embora pela perspectiva de clássicos da filosofia, como Platão, as ideias
fossem entendidas como entes abstratos, imutáveis, eternos e atemporais,
seria possível perfeitamente a realização de uma história das ideias, na medida
em que a concepção platônica não é a única sobre o assunto, e mesmo que o
fosse, a historicidade das ideias estaria não nelas mesmas, mas nas formas
pelas quais eram pensadas e utilizadas8.
Não demorou muito para que Leopoldo Zea (1912-2004) entrasse em
contato com essas ideias. O primeiro contato que ele teve com as ideias
historicistas foi nos cursos de Samuel Ramos na UNAM, em 1939. Mas, logo
depois, se aproximou de Gaos no Colégio de México. Com o pensador
espanhol, Zea aprofundou o estudo sobre as ideias de Ortega, como também o
historicismo de Dilthey, a fenomenologia de Husserl, a sociologia do saber de
Max Scheler, a sociologia do conhecimento de Karl Mannheim.
Nesses anos, Zea aprendeu que os estudos filosóficos poderiam partir
de uma perspectiva histórica, que as ideias filosóficas não viajavam incólumes
pelo tempo e que havia certo peso das relações sociais e políticas nessas
construções. Segundo ele, este foi o maior ensinamento de Gaos: penetrar na
historicidade dos protagonistas da história da filosofia 9.
No início da década de 1940 publicou vários artigos em revistas
mexicanas – as Cuadernos Americanos e Filosofia y Letras-Revista de la
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Faculdad – em que manifestava as opções teóricas que estava fazendo ao se
aproximar de Samuel Ramos e, sobretudo, de José Gaos. Em 1942, publicou
La filosofia como historicismo10 e, no mesmo ano, En torno a una filosofia
americana11; em 1943, La historia en la filosofia de Max Scheler12, e, em 1944,
dois artigos no mesmo número de Cuadernos Americanos, o primeiro com o
título de América como problema, e o segundo chamado Las dos Américas13.
Ainda sob a orientação do filósofo espanhol, desenvolveu sua
dissertação de mestrado e tese de doutorado, publicada, em 1944, com o título
de Apogeo y decadencia del positivismo en México. Nesse livro Zea fazia uma
profunda análise de como a filosofia positivista estava relacionada com a vida
política e educacional mexicana. Fundamentando-se no historicismo de Ortega
e na sociologia do conhecimento de Mannheim, ele defendia a tese de que as
ideias positivistas no México haviam sido absorvidas “para servir de
instrumento a un determinado grupo social en pugna con otros grupos” e que
nesse sentido, “más bien que tratarse de una doctrina filosófica, se tratava de
una doctrina política puesta al servicio de una facción política”14.
Do outro lado da América, mais especificamente no Cone Sul, se
desenvolvia outro foco de produção de História das ideias, nessa região à
Argentina teve papel destacado. Assim como no México, as ideias de Ortega
cedo passaram a circular nesse país – a primeira vez que Ortega esteve na
Argentina foi em 1916 –, elas parecem ter reforçado a transição do positivismo
para outras formas de pensamento filosófico. Concomitantemente a isto, as
iniciativas de Alejandro Korn (1860-1936) e José Ingenieros (1877-1925),
contribuíam para que a história das ideias ganhasse impulso. Em 1912, Korn
publicou seu texto Influencias filosoficas en la evolucion nacional; dois anos
depois, José Ingenieros lançou Las direriones filosóficas en la cultura
argentina. Esses trabalhos se transformaram em livros, em 1918 no caso do
segundo, e em 1936, no caso do primeiro.
Korn e Ingenieros, ambos professores tanto na Universidad de Buenos
Aires quanto na de La Plata, se tornaram, gradualmente, fortes críticos do
positivismo – que assumiram em sua juventude15 – além de defensores da
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unidade hispano-americana16 e da construção do que eles entendiam como
sendo um pensamento filosófico com bases nacionais17.
Esse dois pensadores marcariam várias gerações de intelectuais, um
desses foi Francisco Romero (1891-1962), que em função da publicação de
pequenos textos na revista Nosotros, sobre o historicismo de Dilthey, a filosofia
de Husserl, a fenomenologia de Bergson, levou a se aproximar de Korn.
Depois de uma longa convivência intelectual com Korn, em setembro de
1931, Romero assumiu a função de professor do mestre na Universidade de
Buenos Aires e passou a ditar diversos cursos no Colegio Libre de Estudios
Superiores18. Além do meio universitário (Buenos Aires, La Plata e Tucumán),
ele também integrava o círculo de amizade de Victoria Ocampo (1890-1979) e
fazia parte do Conselho editorial da revista Sur. Logo depois foi convidado pela
editora Losada para dirigir a coleção Biblioteca Filosófica. A circulação por
esses espaços intelectuais lhe possibilitou dar início a um ousado projeto de
difusão do pensamento hispano-americano. O primeiro passo foi dado na
criação, em 1940, no Colegio Libre de Estudios Superiores, da chamada
Cátedra Alejandro Korn – uma homenagem ao amigo e mestre19.
Para tal projeto de investigação e divulgação dos estudos sobre o
passado do pensamento hispano-americano, contribuiu também o convite do
editor espanhol Ángel Losada para que Romero dirigisse, a partir de 1939, a
coleção Biblioteca Filosófica. Nessa coleção, que segundo Enrique Dussel, “se
proponía continuar a la Biblioteca de Occidente de Ortega y Gasset”20, além de
divulgar a produção intelectual européia, Romero também colocou em
circulação vários autores e estudos de intelectuais latino-americano21. Essa
iniciativa logo chamaria a atenção de outros intelectuais que estavam iniciando
as investigações no campo da história das ideias na América Latina; um destes
era o uruguaio Arturo Ardao.
Embora Ardao não tivesse contato direto com pensadores historicistas,
como foi o caso de Zea, a leitura que fez das obras de Korn, as trocas de
cartas que manteve com Francisco Romero, além do contato com as ideias de
José Enrique Rodó e Carlos Vaz Ferreira, o levaram a se interessar pela
história das ideias no Uruguai. Como ele mesmo dizia em carta enviada a
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Romero em 1941:

Quedo muy interesado en la labor americanista de que son Vd.
centro coordinador, compartiendo decididamente la
preocupación histórica que la preside. Especialmente aquí en
el Uruguay la ausencia de sentido histórico en todos los
órdenes de la vida nacional es alarmante. Desde que leí,
tiempo atrás, la obra de Korn Inf.[uencias] Filosóficas en la
Ev.[olución] Nacional, me seduce la idea de trabajos análogos
sobre nuestro país22.

Fruto dessas leituras e diálogos vai se gestando em Ardao a
preocupação de produzir uma história das ideias no Uruguai. No início da
década de 1940, ele publicou vários artigos sobre a história do ensino de
filosofia em seu país, e três anos depois, em 1945, lançou seu primeiro livro
efetivamente de história das ideias: Filosofía pre-universitaria en el Uruguay.
No decorrer dessa obra, Ardao busca demonstrar que o ensino de filosofia no
Uruguai do século XIX esteve em estreita relação com o que era ensinado na
Argentina, sobretudo em Buenos Aires e Córdoba. Em sua perspectiva, isto se
deu em função da ida de intelectuais argentinos – como Alberdi, Echeverría e
Miguel Cané –, para Montevidéu.
No decorrer de sua trajetória acadêmica, além do contato com os textos
e intelectuais argentinos, Ardao também passou a estudar os teóricos do
romantismo e do historicismo europeu, tais como Heder, Hegel e,
principalmente, Dilthey. Em 1946, publicou um artigo com o título de El
historicismo en Hispanoamerica. Passados alguns anos, em seu livro
Espiritualismo y Posisitivismo en el Uruguay (1950), Ardao também faz
referência a quem ele considera ser “un maestro del historicismo,
Groethuysen”23
No mesmo ano em que Ardao publicou Filosofía pre-universitaria en el
Uruguay, em 1945, o brasileiro João Cruz Costa (1904-1975), também publicou
A Filosofia no Brasil. Embora não se conhecessem, os livros tinham uma
preocupação muito parecida de investigar de forma historicizada a penetração
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das ideias filosóficas na cultura nacional de seus respectivos países.
Assim como Ardao, e diferente de Zea, Cruz Costa não teve contato
direto com as ideias de Ramos, Gaos ou mesmo Ortega y Gasset, mas outras
leituras e contatos o levaram a trilhar o caminho da história das ideias. Para
isto foi muito importante a vinda dos professores da Missão Francesa para a
criação da USP em 1934. Embora tivesse contato com Borne, Braudel, Lévi-
Strauss, Bastide e Gueroult, foi Jean Maugüé (1904-1990) que mais peso teve
em sua formação intelectual.
Maugüé deixou seus pressupostos para o ensino de filosofia expressos
em um documento intitulado O ensino da Filosofia: suas diretrizes – que,
segundo Paulo Arantes, era o alicerce do programa crítico de filosofia na USP
nos anos 193024. Nesse documento, ficava claro seu interesse em promover
um ensino de filosofia primordialmente em uma perspectiva historicizada que,
segundo ele, era para o Brasil a melhor forma de “filtrar a sua imigração
espiritual” 25.
Cruz Costa seguia à risca o ensinamento de Maugüé, ele dizia que:

Desde 1937, quando assumi o cargo de assistente da cadeira
de filosofia, ocupada então pelo meu prezado amigo, Prof.
Jean Maugüé, julguei que devia chamar a atenção dos nossos
estudantes para as vicissitudes pelas quais passaram, em
nossa terra, as correntes filosóficas estrangeiras e, sobretudo,
para a curiosa significação que elas têm apresentado no
envolver de nossa história26.

Em 1938, Cruz Costa publicou um artigo na revista de Filosofia e Letras
da USP em que fazia um resumo histórico de como as correntes filosóficas
europeias foram absorvidas no Brasil, de como a elite intelectual brasileira, aos
seus olhos, “imitava” os filósofos europeus. E, depois reconsiderava que esta
imitação “não se dá sem uma certa deformação do modelo, o que já constitui,
de certo modo, uma originalidade” 27. A mesma ideia foi repetida em
sucessivos artigos publicados no início da década de 1940, e depois reunidos
no livro A Filosofia no Brasil e publicado em 1945.
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Além de Maugüé, Cruz Costa dialogou com Sérgio Buarque de Holanda,
Gilberto Freyre e outros autores “menores”, como o jurista cearense Clovis
Bevilacqua (1859-1944). Essa vontade de pensar a filosofia a partir de uma
perspectiva histórica, ainda levou Cruz Costa a se aproximar de autores
espanhóis e os hispano-americanos que defendiam perspectivas parecidas
com a sua. Em 1943 ele publicou vários textos em que apareciam referências a
Miguel de Unamuno e a Azorin, como também os nomes dos argentinos José
Ingenieros e Alejandro Korn.
A partir de meados da década 1940 ele passou a trocar várias cartas
com Francisco Romero. Em uma delas, em 23 de julho de 1945, Romero
assinalava ao intelectual brasileiro a possibilidade de traduzir para o espanhol
seu trabalho sobre o positivismo no Brasil e dizia que havia chegado à
Argentina um importante estudioso do positivismo mexicano, ele se referia a
Leopoldo Zea28.
Assim, a parir de 1945 as produções nacionais de história das ideias
começavam a se conectar por meio da teia de intelectuais que Leopoldo Zea
começava a tecer.

Leopoldo Zea e a tessitura de uma teia de intelectuais em torno da
história das ideias

No decorrer do trabalho falamos algumas vezes sobre rede de
intelectuais, mas não explicitamos de forma clara o que compreendemos por tal
noção. Embora não se tenha uma teoria das redes de intelectuais seria
perfeitamente possível compreendê-las, a partir do que a professora da
Universidade do Porto, Maria Teresa Patrício, vem chamando em suas últimas
pesquisas de redes de conhecimento29. Como também é aceitável aproximar
essa noção ao que o professor da Universidade da Califórnia, o antropólogo
Étienne Wenger, conceitua como comunidade de práticas30. Assim,
poderíamos dizer que uma rede de intelectuais seria um agrupamento de
pessoas letradas que estabelecem relações de colaboração e compartilha
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conhecimentos e experiências como mecanismo de promover uma
determinada forma de produção do saber.
No entanto, a nosso ver, mais importante do que dizer o que é uma rede
de intelectuais é compreender como elas se configuram e se estabelecem.
Comecemos por pensar a própria imagem de uma rede, ela inevitavelmente se
configura pela ligação entre fios e nós, entre elementos que estão conectados
entre si por algum tipo de ligação. A forma dessa rede pode então assumir a
imagem de uma malha ou de uma teia. É possível, por exemplo, que ela seja
articulada por fios e nós exatamente iguais, como pressupõem a imagem de
uma malha, mas também, por outro lado, pode ser criada a partir de um ponto
central, de uma fonte geradora da própria rede, que a faz ter a forma de uma
teia. Então embora as duas formas representem uma rede, a articulação se dá
de forma diferente uma da outra; pois na primeira há certa simetria entre os
membros que compõem a rede (a imagem de uma malha), enquanto que, na
segunda os elementos estão ligados e articulados por um membro que assume
uma função mais central (o que melhor se traduz pela ideia de teia). Tal
diferença ajuda a compreender as conexões entre os intelectuais em que há
um membro que assume maior liderança e outras em que há mais simetria
entre os pares31.
É importante ressaltar ainda que falar de teia de intelectuais não significa
frisar apenas o poder e o interesse de um único membro. Na verdade, a
conexão só existe quando reúne membros com interesses similares, visões
razoavelmente compartilhadas e desejos de crescimento de uma área do
conhecimento. Por mais que possa haver conflitos, divergências e até
interesses individuais em seu interior, esses elementos não são, normalmente,
os que dão ligação entre os nós que constituem essa sociabilidade intelectual:
esse tipo de agrupamento se forma e se consolida quando as afinidades
intelectuais são maiores que as divergências. De todo o modo, a diferenciação
da conexão entre malha e teia é mais um recurso de explicação de como
ocorre às ligações entre os intelectuais – se é em uma forma mais simétrica
entre os pares ou na forma de liderança de um dos membros. É nesse sentido
que utilizaremos mais a noção de teia como forma de explicitar a liderança que
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Leopoldo Zea exerceu no processo de configuração da rede de intelectuais
praticantes de história das ideias na América Latina.
Há vários elementos que funcionam como suporte e meios para a
ligação entre os intelectuais: viagens, cartas, troca de livros e artigos,
intercâmbios de pesquisadores, entre outros elementos que garantem o fluxo
da informação e logo a constituição de uma conexão. No caso da que ocorreu
entre os intelectuais que produziam história das ideias, em meados da década
de 1940, houve a utilização de quase todos esses elementos de ligação, mas
um dos que tiveram maior peso na configuração da teia que se formou em
torno da história das ideias foi a viagem que Leopoldo Zea realizou pela
América e Caribe entre 1945-194632. Por meio dessa viagem, o filósofo
mexicano se tornou uma espécie de elo entre os intelectuais que já vinham
realizando pesquisas e estudos nesse tipo de historiografia em seus
respectivos países.
Assim que concluiu sua pesquisa nos arquivos da Biblioteca
Washington, Zea seguiu, em 1945, para a Argentina, lá conheceu
pessoalmente Romero – que já havia preparado os contatos de Zea com outros
investigadores, em função de sua enorme rede epistolar33 – e seu irmão, o
historiador José Luis Romero (1909-1977); depois, foi para o Uruguai e
estabeleceu contato com Vaz Ferreira e Arturo Ardao, em setembro do mesmo
ano chegou a São Paulo e fez amizade com João Cruz Costa, logo depois,
seguiu para o Chile, onde conheceu Enrique Molina. Semanas depois, seguiu
para o Peru e estabeleceu contato com o filósofo Francisco Miró Quesada
(1918-), com quem estabeleceu uma polêmica, mas também uma forte
amizade. Continuando sua empreitada de coleta de documentos e de
estreitamento de laços de sociabilidade, Zea ainda conheceu na Bolívia o
professor e embaixador Guillermo Francovich (1901-1990); na Colômbia,
Danilo Cruz Vélez (1920-2008); no Equador , Benjamin Carrión (1897- 1979);
na Venezuela, Mariano Picón Salas (1901-1965); e em Cuba, Raúl Roa (1907-
1982), entre outros.
A cada intelectual que conhecia e lugar que chegava, Zea colocava os
demais colegas em contato, estimulava a troca de livros e artigos, convidava-os
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