Table Of ContentAnais do VIII Encontro da ANDHEP ISSN: 2317-0255
VIII Encontro da ANDHEP
Políticas Públicas para a Segurança
“
Pública e Direitos Humanos
”
GT15
Violência, Segurança Pública
e Direitos Humanos
28 a 30 de abril de 2014
São Paulo – SP
Faculdade de Direito da USP
ISSN: 2317-0255
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Anais do VIII Encontro da ANDHEP ISSN: 2317-0255
Direitos Humanos, Gênero e Violência
Lorena Sales de Almeida
(UFBA)
RESUMO
Este trabalho é um estudo sobre violência doméstica contra as mulheres na cidade
de Feira de Santana/BA, busca analisar a relação entre os diferentes tipos de
violência doméstica e a denúncia. A pesquisa foi executada em três momentos
compostos por Pesquisa de Vitimização, investigação na DEAM (Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher) e entrevistas com mulheres em situação de
violência. Portanto, este trabalho buscou investigar a relação entre vítimas e
agressores, os motivos que desencadearam as agressões, as percepções das
mulheres sobre a violência vivida, bem como as ocorrências registradas na DEAM.
Palavras-Chave: Violência Doméstica; Violência Contra a Mulher; Gênero; Feira de
Santana; Lei Maria da Penha.
INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto do trabalho de conclusão de curso de Bacharelado em
Ciências Sociais, realizado na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Os
principais objetivos deste trabalho foram identificar o perfil dos agressores e vítimas
que utilizaram a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) para
resolver seus conflitos, tais como classe social, faixa etária e cor da pele; Investigar a
relação entre vítimas e agresores; Averiguar os motivos que desencadearam as
agressões e as percepções dessas mulheres sobre a violência experienciada. Este
estudo teve como locus a cidade de Feira de Santana/BA, Feira de Santana é um
município do estado da Bahia localizado na Mesorregião Centro Norte Baiano e na
Microrregião de Feira de Santana. Para realizar este trabalho delineou-se um estudo
que compreende três momentos distintos: I. .Pesquisa de Vitimização na cidade - esta
realizada através de um survey. A partir de uma amostragem domiciliar, com 615
questionários, envolvendo questões mais gerais sobre a segurança dos cidadãos
como relação com a polícia, violência e vitimização; II. Pesquisa na DEAM da cidade –
onde foram averiguados registros de violências domésticas por tipo e informações
sobre os envolvidos nos casos, além da realização de observações participantes na
instituição. III. Pesquisa em profundidade com mulheres que sofreram vitimização
direta – através de entrevistas semi-estruturadas, mulheres, que passaram por algum
tipo de violência doméstica e denunciaram, informaram sobre a dinâmica dos conflitos
vividos.
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As questões norteadoras deste trabalho foram investigadas neste conjunto que
envolve pesquisa quantitativa e qualitativa, porém as entrevistas em profundidade
tiveram papel incomparável para as análises sobre o fenômeno pesquisado. Neste
trabalho também foram levados em consideração as categorias raça e classe, visto
que as raízes do patriarcalismo oprimem sujeitos, que no contexto brasileiro e baiano,
se constituem de classificações múltiplas, por isso devem ser pensados em sua
interseccionalidade – neste caso – gênero, raça e classe.
UM TIPO PARTICULAR DE VIOLÊNCIA
A violência contra a mulher é todo ato de violência física, moral, sexual ou
psicológica praticado pelo homem, que de alguma forma prejudicam a mulher. Dentro
destas relações violentas pode-se categorizar diversos tipos de violência como a
doméstica, violência familiar, violência conjugal, o assédio e violência sexual que
podem se manifestar como violência física, violência moral, violência simbólica ou
violência psicológica. A violência doméstica é mais conhecida através dos casos que
ganham visibilidade na mídia, como os casos de abusos e maus-tratos contra
crianças, mulheres e idosos. Tais atitudes são reflexo remanescente de uma cultura
que entendeu os castigos, punições e humilhações como práticas educativas. A
violência doméstica pode ser entendida segundo Narvaz e Koller (2006) como “ todo o
tipo de violência que inclui membros do grupo, com ou sem função parental, que
convivam no espaço doméstico, incluindo pessoas que convivam esporadicamente
neste espaço.”
Até hoje o material sobre violência contra a mulher, produzido dentro do
campo da sociologia do crime é recente e compreende um número pequeno de
pesquisas. Tais produções procuram investigar principalmente os aspectos
crimininológicos, a relação com os aparelhos repressivos e de administração desses
conflitos, aprofundando pouco nas relações de gênero inseridas nesses conflitos. Os
trabalhos sobre este tipo de violência, que penetram nas raízes históricas e nas
questões de gênero pertencem à Sociologia e Antropologia do Gênero, as quais
abrangem um número maior de trabalhos sobre a temática e uma quantidade
significativas de intelectuais que estudam o tema. Com a intensificação dos debates
sobre os Direitos Humanos e conbate à violência de gênero, surgiram as tentativas
de pensar a violência levando em consideração seus aspectos subjetivos, este
trabalho é resultado desta tentativa.
É certo que os padrões de comportamento e as consequências geradas pelos
conflitos são diferentes na violência de gênero e na violência urbana contemporânea,
a violência urbana desperta questões que envolvem desigualdade econômica,
consumo, pobreza e outros fatores que
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dizem respeito ao espaço público da cidade. A violência dita de gênero tem relação
com questões mais subjetivas e difíceis de se identificar, problemas de ordem cultural,
que moldam desde comportamentos cotidianos aos conflitos pessoais. A violência de
gênero também tem relação com a violência urbana, ao passo que a ocorrência de
algum tipo de violência urbana pode manifestar ou intensificar a violência de gênero,
concomitantemente. A violência contra a mulher, constitui um tipo de violência de
gênero.
Entende-se aqui por violência de gênero “ações ou circunstâncias que
submetem unidirecionalmente, física e/ou emocionalmente, visível e/ou invisivelmente
as pessoas em função de seu sexo” (Werba e Strey, 2001). A violência de gênero não
compreende apenas violência contra mulheres, mas a violência sofrida por indivíduos
que independente do sexo pertencem ao gênero feminino, historicamente subalterno
ao masculino. A violência doméstica é o ato efetivado dentro do ambiente privado,
dentro do domicílio da vítima. Já a violência familiar é toda ação que prejudique o
bem-estar, a integridade física, psicológica bem como a liberdade e direito causada
por um membro da família. A violência familiar pode ocorrer dentro ou fora do espaço
doméstico e pode ser exercida por um membro da família mesmo que sem laços de
consanguinidade.
A categoria gênero é central neste trabalho, pois o processo que reproduz a
violência contra a mulher tem suas bases nesta categoria social/sociológica e nas
implicações geradas pelas sua incorporação nas práticas sociais patriarcais. Como
referencial adota- se Joan Scott que, introduz a dimensão histórica nos estudos de
gênero a partir do seu famoso trabalho “Gender a Useful Category of Historical
Analysis”. Sobre a definição de Gênero afirma a autora:
O coração da definição reside numa ligação
integral entre duas proposições: gênero é um elemento
constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos [...] Entretanto,minha
teorização de gênero está na segunda parte: Gênero
como uma forma primária de significação de relações de
poder. Talvez fosse melhor dizer que gênero é um
campo primário no qual ou através do qual o poder é
articulado. (Joan Scott , 1992, p. 42-44)
Para Scott (1992), gênero é uma percepção sobre as diferenças sexuais,
hierarquizando essas diferenças dentro de uma maneira de pensar engessada e dual.
Tendo em vista que gênero é um saber sobre as diferenças sexuais, Scott associa
este saber a uma forma de poder polarizado pelo gênero masculino sobre o feminino.
Convencionou-se associar sexo (natural) a gênero (social) e relacionar a figura
feminina características como passividade, dependência e determinação “natural” à
maternidade. O gênero sublinhava também o aspecto relacional das definições
normativas das feminilidades. As que estavam mais preocupadas com o fato de que a
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produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito
estreita e isolada, utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional no
nosso vocabulário analítico. As pesquisadoras feministas assinalaram muito cedo que
o estudo das mulheres acrescentaria não só novos temas como também iria impor
uma reavaliação crítica das premissas e critérios do trabalho científico existente Scott
(1992) conceitua gênero como elemento constitutivo das relações sociais, com base
nas diferenças compreendida entre os sexos e como uma forma inicial de confirmar as
relações de poder.
Este poder está relacionado com o controle sobre a mulher e no Ocidente
surge uma forma de controle social da intimidade que permite a ampliação da
abrangência da vigilância (Foucault, 1977) sobre as relações familiares,
principalmente os serviços públicos estatais de justiça e saúde, que tem assumido
papel relevante nos casos de violência familiar, assim o Estado passa a apropriar-se,
a regular e a normalizar a intimidade dos sujeitos (Foucault, 1979; Giddens, 1993).
Esta modernidade (Giddens, 1993) levou para a esfera pública temas (sexo, amor,
casamento, família, filhos etc.) até então restritos à esfera privada. Isso contribuiu para
transformar a intimidade, a identidade e as relações sociais entre os sexos. Muitas
transformações sociais geraram mudanças significativas no papel da mulher na
sociedade, conquistas foram alcançadas no âmbito sexual, econômico e político
somadas ao surgimento da sexualidade plástica – a sexualidade desvinculada da
reprodução - implicaram em mudanças nas relações íntimas entre homens e
mulheres.
Apesar de cada contexto íntimo requerer negociações específicas, os homens
continuaram presos a laços de dominação masculina. Para Bourdieu (2005), esta
dominação masculina segue uma lógica de naturalização das desigualdades, este
arranjo parece natural e inevitável, como se estivesse na ordem das coisas,
incorporada nos corpos e nos habitus dos agentes e funcionando como esquemas de
percepção, de pensamento e de ação, nos quais o princípio masculino é tomado como
“medida de todas as coisas”. A ideia de patriarcado, cunhada por Saffioti, diz respeito
necessariamente a uma relação de opressão, de desigualdade, é uma possibilidade
dentro das relações de gênero. Para Saffioti (2004) pensar nesta realidade apenas em
termos de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/
marido, ‘neutralizando’ a exploração- dominação masculina. Essa noção de
Patriarcado é muito importante para compreensão das violências estudadas neste
trabalho. Assim, se gênero é um conceito útil, rico e vasto, sua ambiguidade deveria
ser entendida como uma ferramenta para maquiar exatamente aquilo que realmente
interessa ao feminismo: o patriarcado, como um fato inegável para o qual não cabem
as imensas críticas que surgiram (Saffioti, 2004).
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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL
Na América do Sul, a partir de meados dos anos 60 países como Brasil, Chile,
Uruguai e Argentina passaram por anos de ditadura militar, onde muitos direitos
básicos dos cidadãos foram negados. Durante as duas décadas em que o Brasil
esteve sob o regime militar, as mulheres participaram de movimentos de mulheres
lutando por direitos sociais e transcendendo o cotidiano da vida doméstica, essas
mulheres reivindicavam por espaço próprio, por anistia política, por creches, por mais
participação política. Este movimento de mulheres no Brasil foi, segundo algumas
autoras, “o mais amplo, maior, mais diverso, mais radical e o movimento de maior
influência dos movimentos de mulheres da América Latina” (STERNBACH,1992, p.
414).
Em 1975 a ONU criou o primeiro Dia Internacional da Mulher, despertando
reflexões sobre desigualdades de gênero na comunidade internacional. Em 1979 foi
ratificada pela Assembléia das Nações Unidas a “Convenção de eliminação de todas
as formas de discriminação contra a mulher” também conhecida como “Lei
Internacional dos Direitos da Mulher”, que passa a reconhecer a discriminação sofrida
por mulheres, impondo aos Estados obrigação de criar meios de combate a estas
práticas. Mas foi apenas em 1993 que a Comissão de Direitos Humanos, reunida em
Viena, incluiu um capítulo que trata da violência de gênero. A Declaração sobre a
Eliminação da Violência contra as Mulheres foi um passo para tornar esta questão
caso de violação dos Direitos Humanos em todo o mundo. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos adotada em 1948 diz que “ todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos” e “todo ser humano tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja raça , cor, sexo, religião...ou qualquer outra condição”. Baseada na
Declaração, movimentos de proteção aos direitos humanos passaram a pensar
maneiras de diminuir a desigualdade e dar visibilidade às minorias.
Foi na década de 70 durante a ditadura militar que o feminismo se
desenvolveu no brasil e produziu argumentos contrários a violência contra a pessoa e
contra as mulheres no espaço doméstico, surgindo como um movimento
anticonservador. O desenvolvimento do feminismo neste período se deu em meio aos
partidos de esquerda engajados na conquista da democracia, criando assim um
feminismo brasileiro politizado. Em 1975 as Nações Unidas declararam a Década da
Mulher em prol da igualdade entre homens e mulheres, neste ano os grupos
feministas surgiram no espaço urbano e organizaram diversas reuniões, encontros,
seminários e passeatas.
Foi a partir da década de 90 que o movimento feminista brasileiro começou a
participar mais ativamente de reuniões internacionais e conferências, atuando em
consonância com movimentos de mulheres de outros países. Esta internacionalização
do debate “traz também a urgência das práticas e discursos transnacionalizados e em
rede como uma forma de resistência e também como forma propositiva de novo
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modelo de desenvolvimento”(Matos ,2010,p.75). Mas foi antes, nos anos 80, que a
violência doméstica começou a se tornar tema de discussões nos movimentos
feministas. O episódio do assassinato de Ângela Diniz, em 1976, e a absolvição do
agressor que usou o argumento de tê-la matado em legítima defesa da honra foi um
dos fatores importantes que impulsionaram as primeiras grandes campanhas públicas
das feministas no Brasil.
Surgiram no Brasil várias organizações, cujo principal objetivo era o
atendimento à mulher vítima de violência, estas foram criados no final da década de
70 no processo de luta pela redemocratização no Brasil. A primeira delas foi o SOS-
Mulher que procurava se constituir como “um espaço de atendimento de mulheres
vítimas de violência e também um espaço de reflexão e de mudança das condições de
vida dessas mulheres” (Pinto, 2003, p. 81). A criação dos SOS-Mulher constitui um
marco no atendimento direto às mulheres vítimas de violência no Brasil. Neste período
quem tratava dos problemas relativos à violência sofrida por mulheres eram as ONGs,
pois o sistema judicial que existia até então não estava preparado para lhe dar com a
complexidade dos problemas que emergiam do ambiente privado, reproduzindo uma
dominação masculina e institucional sobre a mulher.
Como resultado de lutas pelos direitos das mulheres, foi criada em 1985 em
São Paulo a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), uma experiência
pioneira no mundo. As DDMs deram maior visibilidade ao problema de violência
contra mulheres e possibilitou conhecer melhor suas vítimas, os agressores, os crimes
mais freqüentes e os contextos de agressão. As Delegacias passam depois a serem
chamadas de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e
surgem como novo modelo de polícia e de administração de conflitos, como uma
experiência de práticas de aproximação da polícia com os grupos vulneráveis e com
os movimentos sociais como. Nos anos 2000 as DEAMs passam a atuar na aplicação
da lei 11.340. A violência sofrida por mulheres no Brasil passa a ser assunto não mais
estritamente privado, mas policial-judicial com a aprovação em 2006 da Lei
11.340/2006 , a Lei Maria da Penha.
Pode-se considerar três eixos na Lei Maria da Penha, o primeiro contempla
medidas criminais visando punir a violência; o segundo diz respeito as medidas
assistenciais de caráter urgente oferecidas as mulheres, protegendo a integridade
física e os direitos da mulher; no terceiro eixo estão as medidas educativas de caráter
preventivas que buscam estratégias possíveis para coibir a reprodução da
desigualdade e violência de gênero. Apesar da Lei 11.340 e das Delegacias
Especializadas no Atendimento à Mulher constituírem grandes avanços no campo
institucional, a violência contra a mulher ainda é um problema que atinge muitas
mulheres, pondo em questão o modelo repressivo do direito penal aplicado à este tipo
de violência e a inoperabilidade desses novos mecanismos. É importante salientar
que nesta perspectiva, redimensionar um problema privado como um problema
público, não significa que o melhor meio de responder a este
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problema seja convertê-lo, quase que automaticamente, em um problema penal. A
articulação dos três eixos depende, em grande medida, da criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que devem se organizar para que
ações e medidas previstas na lei sejam operacionalizadas de forma articulada,
proporcionando às mulheres acesso aos direitos e autonomia para superar a situação
de violência em que se encontram.
A promulgação da igualdade de direitos entre os gêneros, a condenação de
qualquer forma de violência de gênero através da Declaração dos Direitos Humanos,
o reconhecimento da violência contra a mulher como crime que precisa ser
investigado e a criação das delegacias especializadas marcam um período de
grandes avanços sociais no Brasil. A subnotificação das violências sofridas por
mulheres no país ainda é grande, muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha
ou até falta de informação sobre os seus direitos, o que torna mais difícil o combate a
esse tipo de agressão.
MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A DENÚNCIA
A pesquisa de vitimização realizada no ano de 2012 na cidade de Feira de
Santana, fez parte do projeto de pesquisa Feira Viva-Comunidade Segura. Projeto
realizado pelo Grupo de Pesquisa em Conflito e Segurança Social (GPECS), que tem
por objetivo identificar os padrões de vitimização direta e indireta na cidade. O survey
realizado teve o número de questionários definidos por amostragem probabilística. A
margem de erro foi de 4% com 95% de confiança. O calculo amostral foi de 601
questionários, porém foram sorteados 625 domicíclios e aplicados 615 ao fim da
pesquisa. Neste trabalho não há a utilização de todas as entrevistas realizadas , o
recorte é apenas o sexo feminino, que correspondem a 410 questionários aplicados
na cidade.
Os dados da Pesquisa de Vitimização foram utilizados aqui para indicar um
padrão de vitimização feminino na cidade em questão, expressando dados sobre a
segurança das mulheres feirenses. Este estudo de caráter macrossociológico aponta
imformações importantes que refletem as peculiaridades da vitimização feminina. Do
perfil das mulheres em Feira de Santana, pode-se constatar que 81,6% se declararam
negras. Quanto ao estado civil: 52,2% das mulheres são casadas ou vivem em
relacionamento estável, 37,3% são solteiras, 7,6% viúvas e 2,7% são desquitadas.
Castro (2013) classifica o município de Feira de Santana em 4 regiões, os bairros
foram agrupados em regiões que possuem em comum habitantes com renda
domiciliar semelhante. Sendo o 1 o grupo com maior renda econômica e o grupo 4,
aqueles bairros mais vulneráveis social e economicamente. Com relação a questão :
A.1) Viu ou teve informação no seu bairro de mulheres que residem na sua
vizinhança, sendo agredidas por seus maridos ou companheiros ou por parentes?
Das mulheres que responderam este quesito, pode-se inferir que, de acordo com
Castro (2013), 16,1% das mulheres residentes nos bairros com maior renda
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domiciliar, responderam que sim. 27,1 % pertencentes ao grupo 2 responderam que
sim. 34,1% das entrevistadas que residem nos bairros do grupo 3 deram uma
resposta positiva e 34,9% das mulheres do grupo mais vulnerável economicamente,
responderam que viram ou tiveram informação de mulheres na vizinhança, que foram
agredidas por seus companheiros. A medida que a renda diminui, há uma maior
tendência a resposta ser positiva, porém não se pode dizer que o número de
ocorrências de violência conjugal nos bairros de classe média sejam menores do que
naqueles menos favorecidos economicamente. O que muda é a relação com que cada
mulher, inserida em determinada classe socioeconômica, tem com o conflito e com a
preservação da intimidade.
É sabido que a relação de vizinhança é menos intensa nos bairros de classe
média e classe média alta. Desta forma, o fato de valorizarem uma maior preservação
dos valores da família burguesa e manterem suas relações pessoais íntimas no
espaço privado, pode ser um dos motivos que levam as mulheres de bairros pobres a
passarem por mais experiências indiretas de violência feminina. Silva (2007) já
apontou, em seu estudo com mulheres de classe média que passaram por situações
de violência, que “ os valores da família burguesa podem ser explicados a partir da
influência da ideologia da família burguesa sobre as pessoas, ou seja, ainda se
acredita no ideal da família nuclear...Essses valores também prezam o isolamento e a
privacidade, deste o tipo de família, além do amor romântico como base do
casamento.” (p. 108). No que diz respeito à vitimização direta, as questões sobre
agressão e ameaça - A.2) Nos últimos 12 meses foi vítima de espancamento ou
tentativa de estrangulamento? ; A.3) Nos últimos 12 meses foi vítima de ameaça com
faca ou arma de fogo? e a questão sobre ofensa sexual – A.4) Sobre ofensa sexual,
nos últimos 12 meses, alguém fez ou tentou fazer isto com a senhora? Apesar de não
ter número expressivo de respostas positivas, em termos relativos, em valores
absolutos representam uma parcela significativa das mulheres. Com relação as
perguntas anteriores, 1% das mulheres entrevistadas foi vítima de espancamento,
2,5% sofreram ameaça com faca ou arma de fogo e 2,5% foi vítima de ofensa sexual.
Como a pesquisa é representativa da população de mulheres de Feira de Santana,
visto que a cidade possui 237.000 mulheres que residem na área urbana, pode- se
afirmar que aproximadamente 2.4000 mulheres foram vítimas de espancamento ou
tentativa de estrangulamento, 6.000 foram ameaçadas com faca ou arma de fogo e
6.000 foram vítimas de ofensa sexual, no ano de 2012.
A pesquisa de vitimização revela ainda, alguns dados importantes sobre a
segurança das mulheres, confirmando o ambiente doméstico como lócus de violência
contra a mulher. Das mulheres que afirmaram ter sofrido algum tipo de violência nos
últimos dois anos, 62% sofreu insulto,humilhação ou xingamento, seguido de ameaça
com faça ou arma de fogo e ameaça de bater,empurrar ou chutar. Com relação ao
sexo dos agressores, 64% dos agressores são do sexo masculino e conhecidos da
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vítima, quanto ao local de ocorrência, o ambiente privado, a casa , é o local que a
maioria das mulheres sofreu algum tipo de violência.
Enquanto os padrões de criminalidade urbana afetam mais pessoas do sexo
masculino, morrem mais homens em função disso, para as mulheres a casa acaba se
tornando um local pouco seguro. Os dados da pesquisa confirmam os mesmo
padrões nacionais. Os agressores geralmente moram no mesmo domicílio da vítima, o
local de ocorrência das agressões é o domicílio da própria mulher e há um alto índice
de violência não física, como a violência verbal, moral e psicológica. A pesquisa
demonstra também que o agressor é, predominantemente, do sexo masculino.
Num segundo momento da pesquisa, a intenção foi estar mais próximo dos
casos de violência e a pesquisa se estendeu à Delegacia Especializada. As
delegacias especializadas surgem para suprir uma demanda de administração de
conflitos que envolvem grupos vulneráveis. Depois da criação da Lei Maria da Penha,
a DEAM funciona para vigorar esta lei. A cidade de Feira de Santana tem uma
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher que trabalha em conjunto com os
juizados especializados e o Centro de Referência da Mulher. Também estabelece uma
estreita relação com uma Organização Não Governamental, o Coletivo de Mulheres,
que encaminha mulheres para o Centro de referência ou à DEAM. As Delegacias
Especializadas no Atendimento à Mulher ( DEAMs) surgem como uma nova proposta
de administração de conflitos, como um espaço de representação dos direitos
femininos e acesso à justiça. Para Debert (2006) as DEAMs representam a mulher
como uma totalidade, como um grupo oprimido, e atendem majoritariamente mulheres
de classes populares, com um nível relativamente baixo de escolaridade que recorrem
as delegacias para dar queixa da violência cometida por maridos ou companheiros
Apesar da DEAM de Feira de Santana ter sido uma grande conquita para as
mulheres da cidade há na DEAM , assim como nas delegacias de outras cidades, uma
insuficiência de profissionais especializados, falta de infra-estrutura para atuar de
forma mais eficaz ,a inexistência de políticas preventivas de combate à violência e de
empoderamento da mulher são problemas simples, mas persistentes. Investigou-se
aqui os crimes de violência doméstica contra a mulher registrados no ano de 2012 e a
eficiência da nova instituição e sua organização. A pesquisa foi realizada através de
observação participante e levantamento de dados junto ao setor de estatística da
DEAM. A estrutura da DEAM é composta por um quadro de funcionários em sua
maioria do sexo feminino e a sobrecarga de atividades por cargo é comum. Há falta
de profissionais especializados na delegacia, como assistentes sociais, psicólogas e
advogadas. O apoio psicosocial é encontrado no Centro de Referência da Mulher,
onde as vítimas podem encontrar Assistência psicológica, financeira, jurídica, além de
um abrigo caso seja necessário que a mulher
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Description:tentativa de estrangulamento? ; A.3) Nos últimos 12 meses foi vítima de ameaça com faca ou arma de 4 Amilcar Cabral nasceu em 12 de Setembro de 1924 e foi assassinado antes da proclamação em Acesso em.