Table Of ContentMuitos são, hoje, da opinião de que não existem duas
coisas mais dissonantes e incongruentes que a vida
civil e a militar. Pois, vemos diariamente que, quando
um homem ingressa no exército, ele imediatamente
muda não apenas sua indumentária, mas seu compor-
tamento, suas companhias, sua tez, sua maneira de
falar, e este se investe para despojar-se de tudo aquilo
que possa parecer da vida ou das conversas comuns.
Pois o homem almejando estar pronto para qualquer
sorte de violência despreza a indumentária padrão
do civil, e crê que nenhum traje serve ao seu propósito
que não a farda-armadura. E quanto a civilidade e
polidez, como se pode esperar encontrá-las em alguém
que imagina que tais coisas o fariam parecer afemi-
nado e que tais coisas seriam um obstáculo ao seu
serviço, especialmente quando tal sujeito pensa que é
seu dever, ao invés de conversar e comportar-se como
os outros homens, ameaçar qualquer um que encontre
com uma saraivada de pragas e um temível par de
bigodes?
Maquiavel – A arte da guerra
Caetano e Viegas
(organizadores)
Uma Avaliação Crítica das Escolas Militarizadas
2016
Projeto editorial, Preparação dos originais e Revisão Sumário
Ian Caetano de Oliveira & Victor Hugo Viegas de Freitas Silva
Agradecimentos …………………………………………….……..….. 9
Capa
Ian Caetano de Oliveira
(sobre desenho de Heitor Aquino Vilela) Introdução
Ian Caetano de Oliveira & Victor Hugo Viegas de Freitas Silva….........… 11
Diagramação
Ian Caetano de Oliveira Sobre o livro …………………………………………………….…..….. 17
Coleção Piquete (coordenadores Ian Caetano & Victor Viegas) - Volume I
Os dilemas de estudar no regime militar: relatos de
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) uma estudante em uma escola militarizada .............. 21
Dados fornecidos pelos organizadores
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e
E79
da violência
Estado de Exceção Escolar: uma avaliação crítica das escolas militarizadas / Ian Dijaci David de Oliveira ............................................................... 41
Caetano de Oliveira, Victor Hugo Viegas de Freitas Silva, organizadores.
Aparecida de Goiânia: Escultura produções editoriais, 2016. -(Piquete) Quem quer manter a ordem? A ilegalidade da
militarização das escolas em Goiás
ISBN 978-85-5896-000-7
Francisco Mata Machado Tavares .................................................. 53
1. Escola pública. 2. Militarização. 3. Doutrina Militar. 4. Políticas Públicas para
a Educação. 5. Polícia Militar. I. Oliveira, Ian Caetano de, org. II. Silva, Victor Hugo A exclusão dos alunos mais pobres nos Colégios
Viegas de Freitas, org. III. Título
Militares
Rafael Saddi Teixeira .................................................................. 67
CDU 37.01 Nós perdemos a consciência?: apontamentos sobre a
militarização de escola públicas estaduais de ensino
médio no estado de Goiás
Ellen Ribeiro Veloso & Natália Pereira de Oliveira ............................. 71
Copyleft
Militarização de escolas públicas: avanços ou
Esse livro é publicado em regime copyleft. Pode ser reproduzido para fins retrocessos?
não comerciais no todo ou em parte, além de ser liberada sua distribuição, Joab Júnio Dias Gregório da Silva .................................................. 87
sendo mencionada a fonte
Sobre os autores .............................................................. 99
Escultura produções editoriais
Rua 13 de Maio, Quadra 148, Lote 10 - Setor Garavelo
Aparecida de Goiânia - Goiás
CEP: 74.930-570 / e-mail: [email protected]
2016
Agradecimentos
Agradecemos enormemente os autores, que
gentilmente aceitaram o pedido de escrever os textos
contidos nessa obra, todos de grande valia e que expõem
grande conhecimento sobre o tema.
Agradecemos especialmente também o artista e
jornalista Heitor Vilela, que produziu todas as ilustrações
contidas nesta obra, as de capa, 4ª capa e do interior do
livro.
Agradecemos ainda o Programa de Pesquisa
sobre Ativismo em Perspectiva Comparada (PROLUTA)
da UFG; e o Núcleo de Estudos sobre Violência e
Criminalidade (NECRIVI), também da UFG, pelo apoio
à produção e difusão da obra.
Agradecimentos também, e principalmente, aos
pais e mães, estudantes e trabalhadores da educação que
resistiram e continuam resistindo bravamente contra
a militarização e privatização das escolas públicas – e
cuja luta urgiu para que terminássemos esse livro o mais
rápido possível.
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Introdução
Ian Caetano de Oliveira
Victor Hugo Viegas de Freitas Silva
A educação pública – resguardadas algumas
exceções que são tidas como instituições de “excelência
educacional” – é marcada por uma patente má avaliação,
tanto dos exames oficiais que periodicamente avaliam
a qualidade desta educação, quanto, de maneira mais
genérica, por familiares e estudantes que estão nestas
mesmas escolas. Se pegarmos o IDEB, por exemplo,
como indicador, perceberemos que a disparidade em
relação à escola privada é acentuada.
No IDEB de 2013, vejamos, a avaliação do 3º ano
do ensino médio nas escolas públicas teve média de 3,8;
enquanto as particulares fecharam com 5,5.
São diversas as preocupações de estudantes
e familiares quanto ao futuro, uma vez que, sem as
adequadas melhorias na educação, estes estudantes terão
dificuldade de ascender a boas instituições de ensino
superior. Tendo dificuldades de ascender a carreiras
profissionais tidas como “melhores”, o que, na grande
gama dos casos, significa apenas “melhor remuneradas”.
O critério dessa avaliação tem sua base nas notas do
ENEM e do IDEB. Se o colégio vai bem nestes índices,
isso implica que será preferido por pais e estudantes.
De fato, o futuro a todos assombra e não é difícil
se preocupar, quando as “boas oportunidades” parecem
estar distantes. Muitas famílias não têm condição de
arcar com os custos de uma educação em escolas privadas
(que são, supostamente, melhores), então confiam
na educação pública para que esta seja suficiente para
encucar nas crianças e jovens bons valores sociais e éticos
e, também, boa instrução que lhes capacite bons lugares
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Estado de Exceção Escolar Introdução
e possibilidades no mercado de trabalho. escolar” e sim “o repasse das escolas”. O governo pode
Mesmo escolas particulares tremem ante o ENEM, nomear a medida da maneira que quiser, mas a verdade
já que esta nota consolidou-se como o índice definitivo de é que estas escolas não são apenas “administradas” por
predileção. Então se os alunos de uma escola privada vão quadros da polícia militar, mas são, de fato, remodelas na
mal nessa prova, ocorre o risco de queda na procura. A imagem e semelhança de um quartel militar, com todas
escola, desta feita, arrisca reduzir seus lucros. Algumas, as imposições, doutrinações e abusos que tal regime
com trapaças, ainda tentam mascarar a nota com práticas implica.
diversas, como pedir a alunos tidos como “bons” que Não queremos apontar que o problema da escola
façam o cadastro na prova com um documento escolar pública é simplesmente o fato desta não poder mascarar,
e alunos tidos como “ruins” com outro. Este é só um como as escolas particulares, sua nota no ENEM, há
exemplo, existem vários. Há ainda casos extremos em problemas de toda ordem, e graves: falta de investimento,
que o aluno é simplesmente expulso de escolas por não desestímulo à capacitação de professores, problemas de
atingir os “padrões” exigidos. Quem vai se preocupar com estrutura física, problemas na relação entre a comunidade
“educação de qualidade” quando o que vale é o ENEM? circundante e a escola… uma gama de problemas a serem
Nas escolas públicas a situação devia ser um pouco resolvidos para que possamos avançar rumo a uma
diferente. O aluno não pode ser simplesmente excluído educação mais digna e igualitária. A pergunta que este
do processo, pois ali, como assegura a constituição, ele livro tenta responder é se: “militarização seria de fato
tem direito a educação. Então a situação tem de ser a escolha mais eficiente e viável”? Seria esse o caminho
tratada com outras soluções. para reduzir a disparidade no ensino?
Compete ao governo do estado cuidar das escolas Não iremos falar, neste livro, sobre as Organizações
estaduais. Compete a ele, portanto, ouvir a população, Sociais. Por quê?
entender as demandas e carências gerais e demandas Falar das Organizações Sociais e da Militarização
particulares de cada colégio e região. Depois deste Escolar em um único livro seria algo demasiado extenso,
processo de estudo, cabe ao estado propor melhorias e esta é uma das razões; e a outra é que são temas que,
debatê-las com a população interessada, para que estas embora tenham convergências, devem ser analisados
medidas possam ser revisadas, melhoradas, e para que a e criticados por caminhos diferentes, de modo que
população veja se condizem com suas demandas. pretendemos abordar as Organizações Sociais,
No caso específico de Goiás, a resposta do governo eventualmente, em outro livro. Nesta obra trataremos
para a questão da educação tem sido dividida em apenas da militarização escolar.
basicamente dois blocos: de um lado, o repasse da gestão Em certas escolas, oficialmente, o governo tem
escolar para as chamadas Organizações Sociais (OS), e, apontado a militarização como uma saída viável para:
por outro, a Militarização Escolar, o repasse de escolas I) a melhoria da qualidade do ensino; II) a melhoria da
públicas para a Polícia Militar do Estado de Goiás. noção disciplinar de alunos e; III) também – em alguns
Notem que não falamos “o repasse da administração colégios onde o convívio com a sensação de insegurança
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Estado de Exceção Escolar Introdução
é mais alarmante – para a maior segurança de alunos consideramos que a crítica a um modelo com claras
em colégios de regiões mais “inseguras” e, também, mostras de equívoco e de ineficiência – tal qual é o
para a maior segurança do bairro/região que abriga a da Militarização Escolar – seja ilegítima pela falta
escola, uma vez que esta região agora contaria com um da apresentação de um modelo pronto e acabado de
“quartel” dentro de si. Porém, como temos visto, a coisa melhoria. Como dissemos anteriormente, tal modelo,
não corresponde, na realidade, ao discurso oficial. como fórmula última, inexiste, e um bom caminho para
Em uma fala em um evento, quando da intervenção começar a melhoria da educação é a ampliação do debate
de alguns professores protestando por melhorias de democrático e aberto sobre o papel da escola, a estrutura
suas condições de trabalho, o governador afirmou que escolar, os objetivos do ensino, etc.
onde houver baderneiros ele implantará militarização.
É curioso ouvir um governador chamar de baderneiros
não pessoas que estivessem a cometer qualquer tipo de
delito, mas que estavam ali explicitando legitimamente
sua indignação com a patente calamidade que é a atual
situação da educação em Goiás. Mais espantoso ainda
é que o governador passe a impressão que motivos
tão circunstanciais motivam-no a implantar políticas
públicas de tamanho impacto, com o agravante de serem
postas em execução da noite para o dia, sem consulta
com interessados (estudantes, familiares, professores,
etc.)
E nesta toada tem funcionado a implantação da
militarização escolar em Goiás: I) sem consulta prévia
com estudantes, professores, familiares e pessoas da
região da escola; II) sem respeito (como demonstraremos
com os artigos que compõem este livro) tanto às leis que
dispõem sobre educação quanto às leis que dispõem
sobre segurança pública e; III) sem qualquer avaliação
dos impactos psicológicos e sociais de longo e médio
prazo que a militarização pode imputar a crianças e
jovens em estágios de formação.
Embora seja possível pensar em algumas
possibilidade e caminhos para a melhoria do ensino
público, não o faremos neste livro. Mas também não
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Sobre o Livro
Discorrer mais sobre o tema seria repetir o que já
está tão bem escrito nos artigos que compõem esta obra,
de modo que vamos apenas resumir os temas que cada
um dos artigos expõe. Pois, embora uma ordem tenha
sido pensada para compor este livro, tentamos elaborá-lo
de modo que os artigos possam ser lidos individualmente
e na ordem que o leitor achar mais interessante, segundo
os temas que mais o interessem.
O livro conta com uma entrevista exclusiva os
dilemas de estudar no regime militar, com uma ex-
estudante de colégio militar, dando um panorama geral
do expediente vivido por estudantes e docentes nos
colégios militares, as questões hierárquicas, pedagógicas,
as restrições com relação a aparência, além de diversas
outras questões, muitas vezes desconhecidas por aqueles
que nunca frequentaram um colégio militar.
No artigo As escolas militares: o controle, a
cultura do medo e da violência, as pessoas interessadas
terão acesso a uma análise sobre os argumentos gerais
que, supostamente, legitimam a militarização e uma
réplica a estes argumentos. Tratando da visão social
que paira sobre os jovens, da legitimação cultural da
“sensação de insegurança”, e dos aspectos políticos
implícitos na implantação da militarização escolar.
No artigo Quem quer manter a ordem? A
ilegalidade da militarização das escolas em Goiás,
leitoras e leitores terão acesso a uma robusta, mas
acessível, avaliação da ilegalidade jurídica ocorrente na
Militarização Escolar, tanto no que se refere às leis que
dispõem sobre educação, quanto no que se refere às leis
sobre segurança pública e também leis fiscais (e ainda no
que se refere a leis de direito internacional).
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