As Origens Da Gramaticografia E Da Lexicografia Latino Portuguesas. Telmo Verdelho

36.9 MB·Portuguese

by  Alvaro Cesar Pereira de Souza

Linguística 18
As Origens da Gramaticografia
e da Lexicografia
Latino-Portuguesas
Teimo Verdelho
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As Origens da Gramaticografia
e da Lexicografia
Latino-Portuguesas
Teimo Verdelho
Instituto Nacional de Investigação Científica
Aveiro
1995
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As Origens da Gramaticografia
e da Lexicografia
Latino-Portuguesas
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As Origens da Gramaticografia e da Lexicografia Latino-Portuguesas
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Série — Linguística — 18
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I. edição: Março de 1995
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ISBN 972-9493-17-0
limam appdlare et-indignam: cuius !tini augufte no;
AUTOR
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Teimo Verdelho
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Tiragem: 1 000 exemplares
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Instituto Nacional de Investigação Científica
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CAPA De rebue fcripta reliquilTe.
Desenho de A. Nunes Pereira
António Nebrija, Grammatica, Sevilha, 1553 "Prologua" fo. iij
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
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Largo de S. Salvador, 1-3 — 3000 Coimbra
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Copyright TELMO VERDELHO
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SUMÁRIO 9
IN LIMINE 15
INTRODUÇÃO 17
I - GRAMATICOGRAFIA 23
1.G RAMATICOGRAFIA MEDIEVAL 25
1.1. Introdução 25
1.1.1. A gramática latina e a língua portuguesa 25
1.1.2. Gramaticografia e lexicografia 26
1.2. A gramaticografia medieval europeia 27
13. Gramaticografia medieval portuguesa, breve documentação histórica 30
1.4. Gramaticografia medieval portuguesa, fundo bibliográfico documentado 38
13. Gramaticografia medieval portuguesa, fundo bibliográfico conhecido 41
Notas-I-1. 47
2. GRAMATICOGRAFIA DO RENASCIMENTO 55
2.1. Teorização e prática linguística, no início do séc. XVI, em Portugal 55
2.1.1. A iniciação humanista 55
2.1.2. A resistência ao ensino e à renovação do latim 56
2.2. A gramaticografia humanista europeia 59
2.2.1. O ponto de vista português 59
2.2.2. Índice cronológico da gramaticografia europeia 59
2.23. O ensino trilingue 61
2.2.4. A divulgação e crítica dos manuais medievais 65
2.2.5. Os gramáticos da renovação humanista 66
2.2.5.a) Lourenço Valia 66
2.23.b) Nicolau Perotto 69
2.23.c) António de Nebrija 70
2.2.6. Aspectos inovadores da gramaticografia renascentista 72
Notas - I - 2. 80
3. GRAMATICOGRAFIA LATINO-PORTUGUESA 89
3.1. O século áureo da gramaticografia portuguesa 89
3.2. Período pastrano 90
33. Período vernáculo 98
3.4. Textos gramaticais de autores portugueses 102
3.4.1. D. Máximo de Sousa 102
3.4.2. João de Barros 105
3.43. André de Resende 108
3.4.4. Duarte Pinhel 114
3.43. Jerónimo Cardoso 116
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3.4.6. Fernando Soares Homem 117 1.13. A inovação renascentista 219
3.4.7. Manuel Álvares 121 1.2.0 'Dicionário' novo manual escolar, nova disciplina linguística 220
33. Conclusão 122 13. Teorização lexical 223
Notas - I - 3. 124 13.1. Classificação normativa do léxico 223
II - LEXICOGRAFIA MEDIEVAL 135 13.2. Informação paralexicográfica: a ortografia e a prosódia 225
1.1. INTRODUÇÃO 137 133.0 abandono da etimologia 226
1.2. Lexicografia medieval na Europa 139 1.4.0 ideal da exaustividade dos dicionários - actualização permanente 227
1.2.1.0 sincretismo lexicográfico das origens 139 Notas III - 1. 229
1.2.2. As enciclopédias 140 2. AS ORIGENS E O PROCESSO DE TRANSMISSÃO
1.2.3. Os glossários 143 DA LEXICOGRAFIA MODERNA 233
1.2.4. Os dicionários 146 2.1. A génese da lexicografia moderna 234
13. Os arquétipos do dicionário 148 2.1.1. A tríade original 234
13.1.0 dicionário de Papias 150 2.1.2. Uma intertextualidade complexa 235
13.2.0 "Catholicon" de João Balbo de Génova 156
2.13. A internacionalização dos modelos 236
Notas-U-1. 160
2.2. A tradição textual lexicográfica 236
2.1. LEXICOGRAFIA E LÍNGUA PORTUGUESA NA IDADE MÉDIA 167
23. Parâmetros materiais da produção lexicográfica 240
2.2. A lexicografia implícita no texto medieval português 169
23. A exercitação metalinguística 174 Notas - Hl 2. 242
Notas - 11 - 2. 177 3. DICIONÁRIOS DE LÍNGUA 245
3. LEXICOGRAFIA DO LATIM EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA 181 3.1. Dicionários de língua e dicionários de coisas 245
3.1. Inventário e periodização lexicográfica, em Portugal, na Idade Média 182 3.2. Dicionários plurilingues 247
3.1.1. Período isidoriano 182 33. Dicionários contextualizados 248
3.1.2. Início do uso de Papias 183 33.1. Dicionários fraseológicos 248
3.13. Uso geral de textos de tipo lexicográfico 184 33.2. Dicionários autorizados 250
3.1.4. Lexicografia medieval impressa 184 33.2.a) A selecção e recolha dos textos 252
3.2. Manuscritos lexicográficos medievais inventariados 185 33.2.b) A referência purista 253
3.2.1. Inventário Alcobacense 186 33.2.c) O ciceronianismo, epifenómeno lexicográfico 253
3.2.2. Outros inventários 189 33.2.d) A inovação lexical 254
33. Lexicógrafos medievais portugueses 190 333. Pequenos dicionários escolares temáticos 255
Notas - - 3. 192 Notas - DI - 3. 259
4. LEXICOGRAFIA LATINO-PORTUGUESA NA IDADE MÉDIA. 195 4. DICIONÁRIOS DE INFORMAÇÃO NÃO ESPECIFICAMENTE LINGUÍSTICA ..265
4.1.0 dicionário de verbos latim-português 196 4.1. Lexicografia da informação de âmbito religioso 266
4.2. A edição de Carter 196 4.1.1. Interpretação bíblica 266
43. A configuração lexicográfica 197 4.1.2. Concordâncias bíblicas 267
4.4.0 dicionário escolar 199 4.1.3. Dicionários eclesiásticos 268
43. A técnica lexicográfica 200 4.2. Lexicografia das ciências e das técnicas 268
43.1. O "corpus" lexical 201 4.2.1.0 "Onomasticon" de Julius Pollux 269
43.2. A alfabetação 201 4.2.2. Outros textos de tipo enciclopédico 271
433. A estruturação dos artigos 202 4.23. Terminologias especializadas 273
43.4. A descrição lexical 203 4.23.a) Vocabulários de direito 274
4.5.5. A informação normativa 205 4.23.b) Vocabulários das actividades económicas 274
4.6. 0 "corpus" lexical português 206 4.23.c) Vocabulários médicos e botânicos 276
4.6.1.0 confronto bilingue 207 4.23.d) Outros vocabulários 278
4.6.2. Perspectiva diacronica: involução e criatividade lexical 209 43. Lexicografia histórico-literária 279
Notas - 11 - 4. 212 43.1. Principais dicionários de nomes próprios 280
III - LEXICOGRAFIA DO RENASCIMENTO 215 43.2.0 "Elucidário" de Torrentino 280
1. DESENVOLVIMENTO DA LEXICOGRAFIA 433.0 dicionário histórico e poético de Robert Estienne 281
E DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS 217 43.4. Os dicionários de nomes próprios de Nebrija/13ellere 282
1.1.1. Os dicionários do Renascimento 218 433. Os dicionários de nomes próprios em Portugal 284
1.1.2. As Raizes medievais 219 43.6. Percurso da lexicografia onomástica quinhentista 284
10 11
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4.4. Lexicografia poético-literária 286
4.4.1. "Epithetorum opus" de Textor 287 133. O vocabulário galego-castelhano de Olea 387
4.4.2. Outros textos da lexicografia poética 289 Notas IV 1. 389
4.4.2.a) A terminologia poética de Escalígem 290 2. LÉXICOS PARCELARES, ÍNDICES E NOMENCLATURAS 393
4.4.21) A lexicografia poética de Sabino e de Fabrício 290 2.1. As "Adnotationes" ao "Vmcentius" de André de Resende 394
4.4.2.c) Os "Epitheta" de Nunes de Valência 291 2.2. Dois índices latinos de Stockammer 398
4.43. Dicionários de Rimas 291 23. A 'Taboada" do "Colóquio dos Simples" de Garcia da Orta 399
4.4.4. Colectâneas de lugares predicáveis 292 2.4. Outras recolhas terminológicas 400
4.43. Outros textos paralexicográficos de poética e de retórica 293 Notas IV 2. 404
4.4.6. Adagiários 296 3. SENTENCAS E ÍNDICES IDEOLÓGICOS 409
4.4.7. Duas observações finais 297 3.1. Os "Loci communes" de André Eborense 409
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5.23. A configuração de manual escolar 320 Notas IV 4. 427
5.2.4. O "corpus" lexical 321 5. LEXICOGRAFIA PÓS-CARDOSIANA, EM PORTUGAL NO SÉCULO XVI 431
5.2.5. O primeiro dicionário escolar usado em Portugal 322 5.1. O dicionário de Stockammer 431
5.2.6. A origem dos dicionários vernáculos 323 5.2. O "Lexicon ecclesiasticum latinohispanicum" de Ximenez Arias 435
53.0 dicionário de Calepino 326 53.0 "Dictionarium Latino Lusitanicum ac Iaponicum" 450
53.1. Dicionário monolingue textualizado 328 5.4.0 "Index totius anis" de António Velez 458
53.2. Informação normativa 332 Notas IV 5. 465
533. Informação metalinguística 336 CONCLUSÃO 475
53.4.0 "corpus" lexical 337
53.4.a) Os nomes próprios 339 APÊNDICE 485
53.4.12) O fundo grego 339 1 - LINGUISTICOGRAFIA MEDIEVAL 487
53.4.c) Vocabulário da poética e da retórica 340 1.1. Iventário 487
5533.54..0d )" AC aclreipatiinvoid"a pdoe lliegxlioctaal 334411 113.2.. IFnovnentetsá rdieo rdeefe irnêcnucniaábulos 449956
55.34..6 O. 0"T "hCeaslaeupriunso"" dee a R leoxbiecrot gErsatfiiean pnoertuguesa 334436 22. 1- .L ÍInNdGicUe IaSlfTaIbCétOicGo RdeA aFuItAo rDesO SÉCULO XVI 550000
5.4.1. Aspectos lexicográficos do `Thesaurus" 346 2.2. Índice de títulos 507
5.4.2. O "Thesaurus" como fonte lexicográfica e literária 347 23. Índice cronológico 510
5.43.0 "Thesaurus" na lexicografia portuguesa 348 2.4. Fontes de referência 513
IN55V3.o4. t .-N4a Ps.e RO-brÉ tiíj-taLu- /lE5 oC.X "aITlCehpOeisnGaouR /r uAEssF"tIieAn nPeO /R CTaUrdGosUoE - SaAmostra comparativa 333374653419 3333..3 12-. .. D ÍFLnIriCdseitIqcaOue d êNdeneÁ cv icReaorsInbOco osD rcEdoâ oVncEcoirRarsBe nOteSs 555511125562
11.. 1R.0E cFoEnRfrÊoNnCtoI Aco DmO nCoUvaMs ElíNngTuAaLs E MANUSCRITOS 337755 ÍNDICE ONOMÁSTICO 581
1.2. Breve panorama documental 377
1.2.1. Manuscritos latino-portugueses e vice-versa, perdidos 377
1.2.2.0 "Lexicon" de Heliodoro de Paiva 379
1.23. Outros manuscritos 380
13. Manuscritos remanescentes 382
13.1. O "Thesaurus" de Fernando Pires 382
1.3.2. O "Vocabullario de nomes antiguos" da Bibl. da Ajuda 385
12
13
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IN LIMINE
Este trabalho foi inicialmente projectado como breve introdução ao estudo da
obra lexicográfica de Jerónimo Cardoso, dentro de um plano de pesquisa concebido e
orientado pelo Professor Paul Teyssier, que deveria dar lugar a um "doctorat d'état",
inscrito em Novembro de 1982, na Sorbonne - Paris IV. Alargou-se depois, em busca
de coerência, e com o assentimento do referido Mestre, até às raizes da linguistico-
grafia portuguesa. Destacou-se então do projecto inicial (que prossegue e que será
essencialmente preenchido pelo estudo do "corpus" lexical de Cardoso), e reorga-
nizou-se como um estudo geral das origens da historiografia linguística portuguesa.
A investigação teve que ser baseada na leitura de uma bibliografia que se encontra
apenas no fundo antigo das bibliotecas. O nosso trabalho é fruto de uma ampla e
assídua peregrinação por essa reserva preciosa do património textual. Começou pela
Biblioteca da Sorbonne, e depois pela Biblioteca Nacional de Paris, logo em Outubro
de 1981, e foi em seguida continuada nas principais bibliotecas portuguesas: a Biblioteca
Nacional de Lisboa, as bibliotecas da Universidade e Municipal de Coimbra, a biblioteca
da Ajuda, as bibliotecas públicas do Porto, e de Évora, e várias outras bibliotecas
municipais como a de Leiria, de Viseu, de Aveiro, de Bragança, e outras. Lemos, em
geral com grande prazer, muitos livros que, provavelmente, não tinham sido manuseados
desde há mais de duzentos ou trezentos anos. Do eventual bom proveito, serão
testemunho as páginas deste volume e a continuação dos estudos de gramaticografia e
de lexicografia.
Fizemos um levantamento consciencioso dessa zona de penumbra da história da
nossa cultura, que inclui a história do pensamento linguístico e da elaboração
metalinguística. Sondámos as fontes pacientemente e procurámos encontrar os fios
condutores desta importante corrente da ciência das palavras, e perscrutar os sentidos
de herança e de inovação, e equacionar a sua interferência na história da língua
portuguesa. Não nos decepcionam os resultados, mas devemos confessar que encaramos
este estudo como um contributo introdutório e inacabado.
O presente trabalho foi uma oportunidade de encontro, de convívio intelectual, e
de aprendizagem com mestres ilustres que nos indicaram as vias da ciência, e nos
deram lição de humanidade, aos quais não podemos deixar de manifestar a nossa
15
( C ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
gratidão. Por um imperativo de elementar justiça, um especial agradecimento é devido
ao Senhor Professor Paul Teyssier, Mestre internacionalmente prestigiado, estudioso
incansável da língua e da cultura portuguesa em geral. Dele veio a iniciativa deste
projecto de investigação, e o que de bom se puder encontrar nas páginas do nosso
trabalho. A ele nos prende uma particular veneração feita de respeito intelectual e de
muita estima. Desejamos e esperamos que continue a dar-nos a orientação e os
ensinamentos necessários para a prossecução de todo o plano delineado para o nosso
estudo.
Nomearemos também o Senhor Professor Albino de Matos de quem recebemos
um incondicional auxílio em todo o nosso percurso universitário, de um modo especial INTRODUÇÃO
durante a elaboração deste trabalho, que aceitou acompanhar com dedicada solicitude
e elevado espírito científico.
Não podemos deixar de referir também o Senhor Professor Pina Martins que, 1. Apresentação
além das lições de saber, nos proporcionou, com exemplar sentido humanista, as
melhores condições para a nossa investigação, enquanto Director do Centro Cultural
Apresenta-se neste estudo uma perspectiva ampla da exercitação metalinguística,
Português, em Paris.
da elaboração gramaticográfica e lexicográfica, desde as origens da história da língua
Queremos igualmente agradecer ao Senhor Professor Aires do Nascimento a
portuguesa, até aos forais do século XVI.
longanimidade com que acedeu à leitura de uma boa parte do texto e bem assim a
A historiografia linguística referente a este período é essencialmente latino-
informação bibliográfica e as observações eruditas que nos propiciou.
-portuguesa. Este facto não pode deixar de condicionar o alcance deste estudo, mas
Muitos foram ainda os apoios e os gestos de solidariedade e de estímulo que
não invalida o seu interesse, mesmo sob o ponto de vista da história da língua portuguesa,
tornaram possível a realização deste trabalho, e longa seria a citação gratulatória
que é a área em que pretende mais especificamente situar-se.
(se aqui coubera) de todos os mestres, colegas e amigos, que nos deram ajuda. A todos
Este trabalho vai compor-se, no seu conjunto, de quatro partes, assim distribuídas:
recordamos comovidamente agradecidos.
À Evelina, à Rita e ao Luís é devida menção especial, a colaboração deles foi I - gramaticografia;
próxima da coautoria. II - lexicografia medieval;
III - lexicografia do Renascimento;
IV - pré-lexicografia portuguesa.
1.1. Na primeira parte, dá-se uma informação panorâmica sobre a gramaticografia
que serviu de base à escolarização do latim e à produção escriturai latina e portuguesa.
Recenseiam-se todos os textos gramaticais (latino-portugueses) conhecidos, e
acrescenta-se um apontamento de leitura suficiente, para os reconhecer e integrar numa
visão de conjunto.da exercitação linguística em Portugal.
A exposição segue o percurso diacrónico da teorização linguística europeia,
começando pela exercitação gramatical da Idade Média, e continuando depois pela
gramaticografia pré-humanista e humanista. Acompanha-se sistematicamente esta
periodização com a perspectiva portuguesa, salientando os vínculos de ligação e de
interferência.
1.2. Nas duas partes seguintes documentam-se e esclarecem-se as referências
lexicográficas europeias que se repercutem no espaço linguístico português, até ao fim
do século XVI, seguindo a mesma diacronia, e salientando igualmente os vínculos de
interacção.
16 17
( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
Em primeiro lugar trataremos da lexicografia medieval. Perscruta-se o A tipografia portuguesa deve ter tido uma certa dificuldade em reunir os meios
aparecimento do fenómeno lexicográfico na Europa, e a sua divulgação no território técnicos suficientes para a produção de dicionários. Eram textos muito condicionados
da língua portuguesa. Observa-se a sua emergência de modo mais ou menos explícito, por uma exigente configuração gráfica. Além disso, solicitavam, de modo inteiramente
na escrita vemacular. Haverá ainda lugar para dedicar uma especial atenção ao Dicio- inesperado, as caixas de caracteres (sobretudo as maiúsculas) dos compositores.
nário de verbos de Alcobaça, único documento dicionarístico conhecido, legado pelos Esta e outras razões poderão esclarecer o espaço quase vazio, ou tardiamente
nossos "scriptoria" medievais. pontuado, da lexicografia portuguesa.
Os nossos primeiros dicionários e a restante produção para-lexicográfica que os
1.3. A lexicografia do Renascimento deve ser objecto de uma alargada pesquisa acompanha (não podem desmerecer-nos, nem devem ignorar-se, não obstante a modéstia
transnacional. Procura-se esclarecer a génese, a fundamentação teórica, e as soluções das suas proporções) ficam assim integrados num processo histórico que nos parece
técnicas da lexicografia moderna. inteligível, e que implica, em grande medida, a história da própria língua portuguesa,
Trata-se de uma disciplina nova que, na primeira metade do século XVI, define o na sua vagarosa mas firme instituição como grande língua de cultura, produtora de
seu objecto próprio, e que, muito condicionada pela passagem da letra de mão para a texto patrimonial, texto artístico e texto memória de civilização. Apoiada, como as
letra de forma, com o advento da imprensa, vai estruturar nesta época, os métodos de outras grandes línguas europeias, numa operosa elaboração teórica, e num esforço de
elaboração e a própria configuração gráfica. ensino e de transmissão bem radicados na herança latina, e que justificam o actual
Distingue-se, neste período, de maneira definitiva, a lexicografia linguística, ou espaço da língua portuguesa no mundo, onde começou a expandir-se (primeira entre
metalinguística, e a lexicografia referencial. Cada uma a seu modo, e sempre com al- as restantes línguas europeias), com textos gramaticais e dicionários bilingues.
guma intercomunicação de recíprocas vantagens, ambas vão constituir parâmetros
essenciais da história da cultura, como apoio elementar à utilização das línguas escritas,
e como instrumentos para a criação e acumulação de conhecimentos científicos e • 2. Os dicionários de J. Cardoso como referência motivadora
técnicos.
A par dos textos propriamente dicionarísticos, utilizaram-se, na Europa, e
em Portugal também, muitas e volumosas produções para-lexicográficas que com- Foi a partir do estudo dos dicionários de Jerónimo Cardoso que pareceu conve-
pletam o quadro da informação lexical, tão assiduamente procurada, no século XVI. niente alargar a pesquisa, às origens da historiografia linguística portuguesa. Por dois
Especial destaque merecem, neste âmbito, os manuais de uso escolar, que ofereciam principais motivos.
fácil socorro para a exercitação retórica e literária, indexando séries de epítetos e de lu- Primeiro, a obra inicial da nossa lexicografia aparece-nos, na segunda metade do
gares poéticos, e de referências eruditas da antiguidade clássica. No que respeita à século XVI, tardiamente (sobretudo quando a comparamos com a produção análoga
lexicografia mais especificamente linguística, na base da sua história moderna, é forçoso para outras línguas europeias), e inexplicavelmente única, entre a produção metalin-
salientar os nomes de três grandes autores, s. António de Nebrija, Ambrósio Calepino • guística portuguesa.
e Robert Estienne. As suas obras, para além do seu extensíssimo alcance editorial, Segundo, os dicionários de Jerónimo Cardoso surgem, depois de três séculos e
foram os grandes modelos de referência para a subsequente produção de dicionários, meio de escrita vemacular, como o primeiro texto sistemático de intercomunicação e
quer como fontes e critérios para a selecção do "corpus", quer no concernente à técnica de confronto entre o latim estudado e teorizado, e uma língua portuguesa, aparentemente
de estruturação lexical. sem trânsito escolar.
No que respeita aos nossos primeiros dicionários, tornou-se necessário, por um
1.4. A vivência linguística e cultural portuguesa está intrinsecamente ligada a lado, compreender as razões e o condicionamento da sua emergência, verificadamente
toda esta conjuntura lexicográfica europeia, e o desconhecimento deste facto pode tardia, e por outro lado, dilucidar as bases de referência para a sua elaboração, as fon-
levar a extrapolações graves, na interpretação do nosso património literário. tes do seu "corpus" lexical, e das suas motivações teóricas, e ainda das soluções práticas
À luz destes dados será possível enquadrar o aparecimento tardio dos primeiros adoptadas na sua organização. No que respeita ao espaço linguístico português, julgámos
dicionários portugueses e caracterizar e compreender a lexicografia portuguesa e indispensável aprofundar alguns aspectos do convívio entre a língua vulgar e o latim,
nomeadamente a obra de Jerónimo Cardoso. e sobretudo, tentar esclarecer o longo processo de interacção entre as duas línguas,
entre o património teórico do latim (gramáticas, ortografias, prosódias, dicionários),
Na parte quarta do presente trabalho, conclui-se a investigação, coligindo um ajudado ainda por um sistemático esforço de escolarização que apoiava o seu abundante
conjunto de informações respeitantes a várias formas textuais próximas da exercitação consumo textual, e a paulatina, mas firme progressão do português, no acesso à escrita
lexicográfica, produzidas em Portugal até ao fim do século XVI. e na sua formulação teórica.
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