Table Of ContentCoordenação e tradução:
Vítor Moura
Revisão da tradução:
Helena Ruão Lima
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ARTE EM TEORIA
Uma antologia de estética
Coordenação e tradução: Vítor Moura
Revisão da tradução: Helena Ruão Lima
Capa: Gonçalo Gomes
Edição: Centro de Estudos Humanístcos da
Universidade do Minho (CEHUM)
http://ceh.ilch.uminho.pt
E-mail: [email protected]
© EDIÇÕES HÚMUS, 2009
End. Postal: Apartado 7097 – 4764 -908 Ribeirão
Tel. 252 301 382 / Fax 252 317 555
E -mail: [email protected]
Impressão: Papelmunde, SMG, Lda. – V. N. Famalicão
1.ª edição: Dezembro de 2009
Depósito legal: 303752/09
ISBN 978 -989 -8139 -28 -3
Colecção: Antologias – 1
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Índice
07 Introdução
Vítor Moura
25 Como os edifícios representam
Nelson Goodman
39 A arte autêntica como expressão
R. G. Collingwood
59 Um ensaio de estética
Roger Fry
75 A “Distância Psíquica” como um factor na arte e um princípio estético
Edward Bullough
111 A teoria institucional da arte
George Dickie
167 Re(cid:240) nando historicamente a arte
Jerrold Levinson
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Vítor Moura
Introdução
O conceito de “arte” é, tradicionalmente, muito difícil de classifi car. Ao
longo de séculos de refl exão sobre a grande variedade de matérias que
habitualmente designamos através desse termo, a sua compreensão foi
sofrendo oscilações muito signifi cativas. Tal foi motivado, desde logo, pela
própria mutação do fenómeno artístico, impulsionado frequentemente
pelo desejo de se emancipar das etiquetas que lhe eram fi losofi camente
atribuídas. A tal ponto que, se não fosse por auto -contradição, poderia
defender -se que a prática artística é sempre, por defi nição, contrária à
sua própria defi nição.
Esta antologia apresenta alguns textos emblemáticos das mais con-
sequentes e relevantes tentativas de explicação do fenómeno artístico.
Compõe -se, em primeiro lugar, de um conjunto de três textos oriundos,
respectivamente, de cada uma das três variantes das teorias baseadas
sobre o objecto de arte, a saber, as teorias essencialistas do representa-
cionalismo (Nelson Goodman), expressionismo (R.G. Collingwood) e
formalismo (Roger Fry). Um segundo núcleo, composto pelo texto de
Edward Bullough, exemplifi ca o tipo de explicação psicológica centrada
sobre o sujeito. O último grupo é dedicado às teorias da identifi cação da
arte e é composto pelo texto de George Dickie sobre a teoria institucio-
nal e o texto em que Jerrold Levinson descreve a sua teoria da defi nição
histórica da arte.
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8 Introdução
Como tentativa de, pelo menos, acompanhar a extraordinária volati-
lidade e dinâmica da actividade artística, os fi lósofos da arte começaram
por concentrar a sua atenção sobre o próprio objecto de arte, com a pre-
tensão de fi xar as condições necessárias e em conjunto sufi cientes que o
distinguem do objecto comum. Este é o objectivo das chamadas teorias
essencialistas da arte, as quais acreditam poder fi xar a essência deste
fenómeno, compendiando as condições a que o objecto deverá obedecer
para poder ser arte e que, em conjunto, chegam para o classifi car como
tal. Podemos agrupar estas teorias em três grandes conjuntos: as teorias
da arte como representação, da arte como expressão e da arte como
forma. Tradicionalmente, foi sendo apontado a todas elas um problema
de extensão e que consistia no seguinte: na sua tentativa de impor condi-
ções a que os objectos teriam de obedecer para poderem ser classifi cados
como obras de arte e, ao mesmo tempo, pretender que a reunião de tais
condições bastaria para transformar um objecto numa obra de arte, todas
as teorias essencialistas da arte tendiam a ser ou demasiado exclusivistas
ou demasiado tolerantes. Ou deixavam de fora do universo das obras de
arte objectos universalmente reconhecidos como tais, ou aceitavam incluir
nesse mesmo universo objectos incompatíveis com a concepção de arte
geralmente assumida. Robin Collingwood, por exemplo, defendia que
os grandes discursos políticos podiam ser perfeitamente integrados no
domínio das obras de arte, uma vez que respeitavam todas as condições
por ele estipuladas.
Os representacionalismos, desde a teoria grega da imitação até ao
neo -representacionalismo de Arthur Danto ou Nelson Goodman, defen-
dem que a arte é sempre, embora de diversas maneiras, uma forma de
conhecimento do mundo, e que a narração, a descrição, a denotação ou
qualquer outro tipo de funcionamento simbólico é, no fundo, algo a que
sempre recorreremos para explicar a essência das obras que admiramos e
que estão na base da importância de que se revestem para nós. A música
não programática e a arquitectura estiveram quase sempre na origem das
reservas e objecções dirigidas contra este modelo de explicação da arte.
Não será forçado acreditar que A Arte da Fuga, de Johann Sebastian Bach,
ou que o Centro Carpenter para as Artes Visuais, de Le Corbusier, são arte
estritamente na medida em que representam? E se a resposta do represen-
tacionalista for afi rmativa, então representam exactamente o quê? E não
será também verdade que aquilo que muitas obras de arte supostamente
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Introdução 9
representam é desconsoladamente banal quando comparado com o valor
transcendente que tais obras acabam por ocupar nas nossas vidas? Muitas
canções de Schubert baseiam -se em poemas medíocres e os sonetos de
Mathilde Wesendonck, de que Wagner partiu para criar as suas Wesen-
donck Lieder, não são capazes de resistir a uma leitura isolada.
Como representante do neo -representacionalismo, escolhemos o
texto de Nelson Goodman, “Como os edifícios representam”, capítulo
do livro Reconceptions in Philosophy & Other Arts and Sciences1, que o
autor escreveu em conjunto com Catherine Elgin. Trata -se de uma das
mais importantes abordagens fi losófi cas ao tema da representação em
arquitectura, a forma de arte tradicionalmente mais avessa à própria
ideia de representação. Neste capítulo, Goodman propõe uma tipologia
da representação em arquitectura, possível a partir de quatro estratégias
que podemos encontrar isoladas ou combinadas em qualquer edifício:
denotação, exemplifi cação, expressão e alusão ou referência mediata. A
tese de Goodman é clara e muito exigente, “um edifício é uma obra de
arte apenas na medida em que signifi ca, representa, refere, ou simboliza
de alguma forma”, e este artigo pretende demonstrar como isso pode ser
conseguido, mesmo no caso difícil das obras da arquitectura formalista,
mais empenhada em demonstrar que “a virtude suprema de (…) uma
obra de arquitectura que seja puramente formal assenta na sua liber-
dade face a qualquer tipo de referência seja ao que for”. Num segundo
momento, Goodman tenta demonstrar como só a partir da noção de
representação em arquitectura é possível escapar aos problemas e aporias
levantados quer pelo tipo de interpretação ou crítica de arte “absolutista”,
segundo o qual só é aceitável a interpretação que remete para as inten-
ções do artista, quer pela corrente desconstrucionista, que defende que
toda a interpretação é válida qualquer que seja a sua leitura do objecto.
Em contraposição, Goodman propõe a via intermédia do relativismo
construtivo, servindo -se da função da representação (e, em particular,
da exemplifi cação) como critério que permite distinguir entre a boa e a
má interpretação crítica.
O romantismo e o advento da fotografi a impulsionaram o desen-
volvimento de um segundo grupo de teorias a que poderemos chamar
emotivistas, expressionistas ou expressivistas. A arte deveria ser vivida
1 Nelson Goodman e Catherine Elgin, Reconceptions in Philosophy & Other Arts and Sciences,
Indianapolis: Hackett Publ. Co., 1988.
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10 Introdução
como uma espécie de exercício de alfabetização emocional. Antes do
advento de disciplinas como a psicologia, a neurologia ou a psiquiatria,
que outra actividade humana poderia penetrar mais profundamente na
intimidade psíquica do homem, revelando toda a sua intrincada arqui-
tectura? Se, para o representacionalista, o valor da arte assentava no
conhecimento especial do mundo exterior que ela proporcionava, para
o expressionista esse valor decorria de algo ainda mais importante para o
homem: a sondagem da psique humana e o mapeamento do universo dos
sentimentos e das emoções. O problema extensional que se colocava aos
adeptos da representação acabaria, no entanto, por assombrar também as
perspectivas do expressionismo, que não está preparado para sancionar
como arte objectos vastamente reconhecidos como tal. Há arte que se
assume, estritamente, como proposta de conceitos e que dispensa qual-
quer saturação emocional. Fará sentido, de algum modo, emocionarmo-
-nos (como pretende o expressionista) ou reconhecer emoções (como
pretende, mais modestamente, o expressivista), e fazê -lo de uma forma
que não seja adventícia, quando observamos um desenho de M. C. Escher,
uma produção conceptualista de Joseph Kosuth, ou qualquer peça oriunda
de movimentos como o Dadaísmo ou o Simbolismo? Por outro lado, se o
trabalho de expressão emocional ou a intensidade das emoções propostas
forem tidos como critérios sufi cientes para classifi car um objecto como
arte, que dizer da estranha inclusão no universo das obras de arte de
coisas como cartões de condolências, montanhas russas ou um discurso
político particularmente empolgante? O caso parece agravar -se ainda mais
quando somos tentados a utilizar a ordem das emoções para avaliar os
objectos de arte. Parece sensato admitir que boa parte da força da Sexta
Sinfonia de Mahler advém da intensidade das emoções reproduzidas,
expressas por alguém que acabara de perder uma fi lha e o emprego, e a
quem tinha sido diagnosticada uma doença coronária fatal. Mas se assim
é, e se estamos a assumir a premissa de que o valor da arte progride com
a intensidade das emoções, então não seremos levados a concluir que
qualquer fi lme de terror minimamente competente é um candidato à
entrada directa na liga das grandes obras de arte, e numa posição bem
superior à da sinfonia de Mahler?
O expressionismo encontra -se representado nesta antologia pelo
texto de R.G. Collingwood, “A arte autêntica como expressão”. Trata -se
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Introdução 11
do sexto capítulo de Th e principles of art2, obra originalmente publicada
em 1938 e que, juntamente com L’Estetica come scienza dell’espressione
e linguistica generale (1902), de Benetto Croce, constitui o núcleo da
chamada Teoria Ideal da arte, também conhecida como Teoria de Croce-
-Collingwood. A tese de Collingwood é sustentada pela ideia de que a
arte é uma forma particularmente sofi sticada da necessidade humana de
encontrar uma expressão para as emoções que sofremos. Sem expressão
adequada, as emoções tornam -se um factor de perturbação pelo que a arte
cumpre um papel essencial entre todas as actividades humanas: o de con-
tribuir para o auto -conhecimento ao proporcionar um contacto especial
com a ordem dos sentimentos e das emoções. É este papel de descoberta e
esclarecimento que distingue a verdadeira arte daquilo que Collingwood
denomina como “ofício”. O ofício sabe à partida qual o efeito emocional
que pretende despertar no seu público; a arte descobre o sentimento que
está a exprimir no decurso do próprio processo de expressão. O ofício
sabe medir exactamente os meios de que vai necessitar para atingir esse
fi m; na arte não há lugar a esse cálculo. O ofício visa o entretenimento
das massas; a arte, porque não assenta no estereótipo, é frequentemente
uma actividade solitária e com produtos que esperam por vezes muito
tempo até encontrarem um público signifi cativo.
A terceira grande teoria essencialista, o formalismo, pretendia supe-
rar as objecções levantadas contra o representacionalismo e contra o
expressionismo. Se, por uma espécie de reductio cartesiana, retirarmos da
nossa compreensão do que é um objecto de arte todas as características
que se podem encontrar, igualmente, nos objectos prosaicos, seremos
obrigados a descartar, como essencial à arte, tudo o que seja semelhante
a um conteúdo semântico (a representação) ou à articulação de senti-
mentos, que não são, de todo, exclusivos do fenómeno artístico. Como
Jack Warner, o célebre produtor de Hollywood, gostava de dizer aos
seus realizadores, “se quer fazer um fi lme com mensagem, porque não
envia antes um telegrama?” A última coisa com que fi caremos após esta
fi ltragem sucessiva será a forma, uma particular atenção à forma e uma
capacidade mais ou menos invulgar de a tratar e apresentar, e que não
se encontra nos objectos triviais. A forma torna -se, portanto, no único
denominador comum que encontraremos entre objectos tão díspares
2 R.G. Collingwood, The Principles of Art, Oxford: Oxford University Press, 1958
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