Table Of ContentSonia Regina
de Mendonça
A
industrialização
brasileira
11!!impressão
Sumário
INTRODUÇÃO 6
1.A EraColonial 8
É proibido instalar manufaturas 8
A indústria está a caminho 15
2. Construindo a grande indústria 19
Do café nasce a indústria 19
E surge a classe operária 26
Superexploração , miséria e doença 30
A classe operária organiza-se 35
A reação empresarial 40
3. Entraem cena o Estado 44
o
Brasil e o mundo nos anos de 1930 44
Nacionalismo e desenvolvimento 49
Sociedade de massas: controle redobrado 54
Empresário e Estado na Era Vargas 59
4. Desenvolvimentismo e internacionalização 62
Aindustrialização na gangorra 62
A civilização do automóvel 67
Quem são as classes produtoras? 74
Indústria moderna, país dependente 76
5. Um modelo perverso 80
Os anos críticos 80
Depois da tempestade, vem o "milagre" 84
As classes trabalhadoras "pagam o pato" 94
O "milagre" se desfez " 97
6.Desnacionalização e desindustrialização 10S
Neoliberalismo eglobalização avançam lOS
Adesindustrialização brasileira............................................... 110
Desnacionalizando aeconomia....... .. 114
Desemprego epobreza no Brasildo Real 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS 127
GLOSSÁRIO 129
CRONOLOGIA 132
BIBLIOGRAFIA 135
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POLÊMICA
Introdução
Ninguém melhor do que nós, brasileiros do século XXI, sabe 6 que
é sentir na pele a vida confusa e agitada que marca o nosso dia-a-dia e o
das nossas famílias. Quem não vive a realidade do país, a cada início de
mês, fazendo contas e mais contas, apertando daqui e cortando dali,
para ver se areceita vai bastar para todas asnecessidades, até mesmo em
conjunturas de inflação controlada?
Claro que a indignação com esse estado de coisas é geral e procura-
mos sempre o "bode expiatório" mais próximo para desabafar as nossas
insatisfações. Ora é esse ou aquele governante o escolhido como ojudas
da situação; ora culpamos as várias greves que pipocam aqui e acolá; ora
ouvimos alguém dizer que a tal "campanha de privatização" das empresas
estatais é a causadora desse caos econômico que o país atravessa.
Asituação é sombria. Assim é que, no "calor dahora" em que recebe-
mos cada nova conta de luz ou de telefone, sóhá espaço, dentro dasnossas
casas, para um sentimento de revolta, ou mesmo de desesperança.
Mas o que poucas pessoas procuram fazer, em meio a essa confu-
são, é refletir sobre as razões do que está acontecendo. E não se trata
aqui apenas das razões recentes. Trata-se daquelas causas mais profun-
das, com origens mais distantes no tempo, e que podem nos ajudar a
entender o que está se passando no momento atual.
Uma dessas razões é, sem dúvida, a forma como se processou a in-
dustrialização brasileira e os rumos por ela tomados nos diferentes mo-
mentos da nossa história. Somente mergulhando nesse passado é que
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poderemos compreender alguns dos motivos de um presente tão difícil
como o nosso.
Éahistória dessa industrialização - as suas origens, fases e carac-
terísticas - que este livro conta. Mas não se tem aqui uma daquelas
histórias cheias de heróis e datas importantes. O que vamos descrever é
um longo processo, em que a ação dos grupos sociais - com as suas dis-
putas, as suas lutas e os seus acordos - foi determinante para definir os
passos dessa indústria, que só deslanchou em pleno século XX, com mais
de cem anos de atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos.
Para se chegar até esse ponto, no entanto, é preciso "passear" pelo
túnel do tempo, passando pelo século XIX, quando no Brasil ainda havia
escravidão e monarquia, e recuando até o século XVI, quando começou
a exploração colonial.
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1. A EraColonial
As
LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA METRÓPOLE NOS PRIMÓRDIOS
DA AGROINDÚSTRIA AÇUCAREIRA NO NORDESTE RETARDARAM
O SURGIMENTO DAS MANUFATURAS, CONSOLIDANDO A COLÔNIA
BRASIL APENAS COMO FORNECEDORA DE MATÉRIAS-PRIMAS.
É proibido instalar manufaturas
Para se conhecer ahistória da industrialização brasileira, épreciso vol-
tar ao tempo da não-industrialização, por mais estranho que possa pare-
cer. E o tempo da não-industrialização foi aquele em que o Brasil ainda
era uma colônia de Portugal, presa a este país pelo pacto colonial.
De acordo com o pacto colonial, ametrópole portuguesa tinha to-
tal exclusividade para comercializar os poucos gêneros tropicais, de alto
valor no mercado europeu, que daqui eram extraídos, ou produzidos
em larga escala, tais como pau-brasil, açúcar, ouro ou drogas do sertão
(especiarias). A produção extensiva, no caso particular do açúcar, justi-
ficava-se pela necessidade de lucros cada vez maiores por parte da Co-
roa, que comandava os destinos do "país". O Brasil era, assim, uma colô-
nia de exploração.
Pelalógica do sistema colonial, todos osrecursos disponíveis na colô-
nia, desde terras e dinheiro até mão-de-obra - africana, de preferência,
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A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Pequena moendo portátil.
por ser ela também uma mercadoria comercializável-, deveriam ser ca-
nalizados para aprodução extensiva, daqual achamada agroindústria açuca-
reira nordestina dos séculos XVIe XVIIfoi oprincipal exemplo.
Logo, todos os grandes senhores de engenho da colônia subme-
tiam-se ao monopólio exercido por Portugal, tal como acontecia com
os demais colonos ligados a outras atividades. O açúcar produzido só
podia ser vendido a comerciantes portugueses - ou outros autorizados
pela Coroa - pelo preço que lhes era imposto.
O outro lado do pacto colonial consistia no igual exclusivismo dos
negociantes lusitanos em venderem à colônia tudo aquilo de que os seus
habitantes necessitassem. E, conseqüentemente, esse "tudo" consistia em
artigos manufaturados que Portugal, sem condições de produzir, adqui-
ria de fornecedores europeus.
Assim, como colônia de exploração, o Brasil representava para a
Coroa portuguesa uma dupla fonte de lucros: os que ganhava, ao reven-
der na Europa toda aprodução aqui comprada abaixos preços; e os que
obtinha, com a venda aos colonos, a preços altos, dos manufaturados
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POL~MICA
utilizados no seu dia-a-dia - ainda que para isso contasse com alguns
aliados, como osholandeses, que, entre os séculos XVI eXVII, em troca
do fornecimento de recursos aPortugal, tinham autorização para trans-
portar e redistribuir o açúcar no continente europeu.
Até que ocorresse ajunção das duas Coroas - Portugal e Espanha
-, ante os problemas dinásticos sucessórios durante a chamada União
Ibérica (1580-1640), a Holanda foi a principal aliada de Portugal nessa
fase de consolidação da agroindústria açucareira colonial. Apartir desse
momento, no entanto, tal quadro seria revertido, já que a Holanda, em
luta com a Espanha, seria proibida de comercializar o açúcar brasileiro,
ao que reagiu de forma radical: as invasões holandesas do Nordeste
(Bahia e Pernambuco) foram o seu corolário. Entre 1624 e 1654, os
pólos açucareiros da Colônia Brasil viveriam sob domínio flamengo.
Descontentes com acobrança dos empréstimos que lhes tinham sido
feitos pelos invasores - que, além do mais, não eram católicos -,
os senhores de engenho dariam início à luta contra o jugo holandês, con-
tando para tal com os demais habitantes da região, integrando assim
a Insurreição Pernambucana. Por volta de 1650, os flamengos estavam
derrotados e, com o fim da União Ibérica, em 1640, o monopólio portu-
guês restabeleceu-se na colônia.
Esta, por sua vez, teria as suas atividades econômicas ampliadas,
entre os séculos XVII e XVIII, com a exploração das especiarias (drogas
do sertão) obtidas na Floresta Amazônica, a expansão pastoril no inte-
rior nordestino e amineração nas Gerais.
Em virtude da suaextrema importância como fator de sustentação da
Coroa portuguesa, que saíradepauperada da União Ibérica, aatividade mi-
neradora provocaria uma forte centralização administrativa na colônia, am-
pliando-se os mecanismos de controle da atividade extrativa e, por exten-
são,daprópria população colonial daregião. Epara que servia tanto ouro?
Parte expressiva desse ouro revertia para Portugal sob a forma de
impostos, servindo não apenas para o sustento da Corte, como também
para saldar asinúmeras dívidas que o Reino português contraíra ao lon-
go do tempo. Assim, o ouro brasileiro não ficava somente em Portugal,
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A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
tornando-se importante para outros países da Europa, visto que, além da
quitação das dívidas, o Reino não produzia amaioria dos produtos manu-
faturados necessários à revenda na colônia. OTratado de Methuen, nego-
ciado com a Inglaterra em 1703, é um bom exemplo desse mecanismo.
Por ele, a Inglaterra comprometia-se a comprar vinhos apenas de Portu-
gal, enquanto este, por seu turno, iria adquirir tecidos somente da Ingla-
terra. Como o Reino português adquiria mais tecidos do que vendia vi-
nhos - isso sem contar a desigualdade de preços das mercadorias troca-
das -, logo se veria endividado junto à Inglaterra.
Foijustamente nesse contexto do século XVIIIque aInglaterra come-
çou a afirmar-se como grande potência mundial da época, em face do seu
pioneirismo no desenvolvimento da Revolução Industrial, sobretudo apar-
tir de 1760. A instalação do sistema fabril, impulsionado, nessa primeira
fase, pelo aperfeiçoamento das máquinas de fiação e tecelagem e, num se-
gundo momento, pela substituição da energia hidráulica pelo vapor, garan-
tiria aosbritânicos aprimazia na difusão do capitalismo pelo mundo.
AAIlil;Y~C,,~lWl
Alvará de D,Maria Iproibindo fábricas
e manufaturas no Brasil [Usboo, 17851,
11
POLÊMICA
Enquanto tal processo se verificava na Inglaterra, Portugal, adespei-
to do monopólio colonial, pouco apouco se transformava em mero inter-
mediário comercial entre acolônia eaEuropa, carente que era de ativida-
des manufatureiras expressivas e com sólidas raÍzes na produção agrária.
Já a Colônia Brasil, uma vez que a sua população crescia e começava a
diversificar as suas ocupações, seria alvo de uma severa política de restri-
ções econômicas por parte da metrópole, dentre as quais se destacou o
Alvará de 1785, mandando fechar asmanufaturas - poucas - aqui exis-
tentes, tais como as de fabricação de tecidos e as de construção naval. A
rigor, é possível afirmar que durante o longo período colonial as ativida-
des "industriais" desenvolvidas no Brasil contavam com um caráter estri-
tamente acessório e secundário no conjunto da economia.
Mesmo assim, a proibição de manufaturas na Colônia Brasil teria
como principal beneficiária justamente a Inglaterra, que continuava a
fornecer produtos manufaturados a Portugal e, por essa razão, não pos-
suía qualquer interesse em que as áreas coloniais se industrializassem.
Pelo contrário, interessava-lhe tirar proveito do pacto colonial lusitano,
por intermédio do seu principal instrumento: o monopólio.
Mas se o sistema colonial funcionou com razoável eficiência até finais
do século XVIII,o mesmo não se pode dizer dos anos subseqüentes. Impli-
cado nas disputas européias que marcaram achamada "era napoleônica", em
inícios do século XIX, Portugal severia forçado afazer uma opção política de
importantes conseqüências para a Colônia Brasil. Napoleão Bonaparte, im-
perador francês e senhor de quase toda a Europa Ocidental, ao impor o
Bloqueio Continental de 1806, interditando qualquer país europeu de co-
merciar com asuagrande rival, aInglaterra, colocaria aCoroa lusitana numa
encruzilhada ante o confronto dasduas potências. Contando com aagricul-
tura como a sua principal atividade econômica, Portugal viu-se impedido
de cumprir aordem napoleônica, expondo-se àinvasão francesa.
A solução para o impasse deu-se com a vinda, em 1808, da família
real portuguesa para o Brasil, mediante apoio da Inglaterra, que passa-
ria a comercializar livremente com a Colônia Brasil. A Corte, desse
momento em diante, trocava de lugar, passando de Lisboa para o Rio de
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