Table Of ContentA INDEPENDÊNCIA
NARRADA
V A L D E I A R A U J O
A INDEPENDÊNCIA
NARRADA
I N T R O D U Ç Ã O À H I S T Ó R I A
D A H I S T O R I O G R A F I A
N O B R A S I L
© Editora Proprietas
editoraproprietas.pt
Título: A Independência Narrada
Autor:Valdei Araujo
Projeto Gráfico: D29 Studio
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Araujo, Valdei
A independência narrada : introdução à história da
historiografia no Brasil / Valdei Araujo. -- Niterói,
RJ : Edi tor a Prop rietas 2022.
Bibliografia.
ISBN 978-65-00-45992-0
1. Brasil - História - Independência 2. Brasil -
Historiografia I. Título.
22-115052 CDD-981.0072
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Historiografia 981.0072
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
AGRADECIMENTOS
Um livro se faz com muitos amigos e colegas. Ao longo desses anos foram
eles que impulsionaram a escrita e a pesquisa, seja em conversas privadas, ou
em bancas e congressos. Sendo professor, um livro também se faz com mui-
tos estudantes, de diferentes gerações, que inspiraram, motivaram e mesmo
pensaram juntos muitas das questões abordadas. Um livro de professor é
imaginado primeiro nas aulas, semestre após semestre, nesse reencontro belo
e difícil com cada turma nova. Um livro como esse não se faz sem finan-
ciamento, sem o apoio de agências, especificamente, neste caso, o CNPq, a
Capes e a Fapemig.
Mesmo sendo impossível nominar todos os que deveriam ser agradeci-
dos, gostaria de lembrar de alguns poucos. Na UFOP, alguns colegas e par-
ceiros do NEHM, Luisa Rauter, Marcelo Rangel, Fábio Faversani, Marcelo
Abreu, Helena Mollo foram os ouvidos mais frequentes. De fora da UFOP,
são tantos, mas vamos lá: Temístocles Cezar, querido amigo e interlocutor
decisivo. Márcia Menendes Motta, exemplo de coragem e inteligência. João
Cezar de Castro Rocha, que há tantos anos, mesmo à distância, sempre me
estimula e incentiva. Júlio Bentivoglio, João Paulo Pimenta, Christian Lyn-
ch, Wilma Peres Costa, Andréa Slemian, as sempre mestras Lúcia Maria Pas-
choal Guimarães e Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, parceiros em tantas
jornadas oitocentistas. Maria da Glória, Rodrigo Turin, Fernando Nicolazzi,
cujos trabalhos me instigam sempre a pensar. Na UERJ, dentre os da nova
geração, Géssica Guimarães, Daniel Pinha e Francisco Sousa. No Fórum de
Teoria dos colegas no nordeste, em particular Wagner Geminiano, Bruno
Balbino, Rodrigo Peres, Elton John, Diego Fernandes, Eduardo Vasconcelos
- além da parceria, me mostraram o tanto que ficou de fora ainda em um
livro como este. A Cristina Meneguello, pelos passeios em livros, museus e
muito trabalho conjunto.
Dentre os estudantes e ex-estudantes, alguns co-autores de seções im-
portantes desse livro, gostaria de mencionar André da Silva Ramos e Flávia
Varella. E ainda Bruno Franco Medeiros, Thamara Rodrigues, Bruno Diniz
Silva, Giorgio Lacerda, Rafael Fani Dias Resende, Bruno Gianez, Walderez
Ramalho, Ana Paula Dayrel, Jussara Rodrigues da Silva, Aguinaldo Boldrini,
Camila Aparecida Braga Oliveira, Ezequiel Barel Filho, Vinícius de Souza,
Raína de Castro Ferreira, Luna Halabi Belchior, João Luís Cardoso de Oli-
veira, Lamon Fernandes de Siqueira, José Carlos Silvério, Bruno Omar de
Souza, Weder Ferreira da Silva, Bruno Franco Medeiros. Menção especial a
Augusto Ramirez, que revisou e ajudou a dar forma ao livro.
Agradeço a Mateus Henrique de Faria Pereira, parceiro de aventuras
intelectuais e outras, grande incentivador deste livro.
Este livro é dedicado à memória do grande historiador István Jancsó.
Foi sob sua supervisão, e na companhia de grandes colegas, em um estágio
pós-doutoral no IEB-USP, que seus primeiros rascunhos ganharam contor-
nos.
Para Mariana, incipt vita nuova.
Padre Viegas (M), maio de 2022
PREFÁCIO
NARRAR A INDEPENDÊNCIA:
UM PROJETO HISTORIOGRÁFICO INACABADO
Sine ira et studio.
Tácito, Anais, 1,1,3
I
Na senda taciteana, José Bonifácio, em um discurso na Academia Real das
Ciências de Lisboa, em 24 de junho de 1815, manifestou-se assim: “O ho-
mem de Letras, (...) há de mapear seus vícios e virtudes, e entregar o quadro
ao tribunal da Razão, para que o possa essa julgar sem ódio e sem lisonja”.1
Não obstante, o célebre apotegma de Tácito, quando relacionado à escrita da
história, sempre foi mais fácil de ser enunciado do que de fato concretizado.
Afinal, narrar sem ira e sem paixão ou sem parcialidade, outra tradução pos-
sível, são condições protocolares do gesto autoral, seja ele um historiador
antigo ou moderno.2
As dificuldades oriundas dessa quase aporia epistemológica para o co-
nhecimento histórico podem ser ilustradas pelas narrativas do processo que
1 Silva, José Bonifácio de Andrada e. Discurso. https://archive.org/details/discurso-
contendo00boni/page/n3/mode/2up
2 Jacyntho Lins Brandão traduz a sine ira et studio do seguinte modo: “sem ódio”, ou
“sem cólera e sem parcialidade”. Hartog, François (org). A história de Homero a Santo
Agostinho. Prefácios de historiadores textos sobre a história. Tradução para o português de
J. L. Brandão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p. 221.
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levou o Brasil à sua independência de Portugal. Não parece ser por outra
razão que Januário da Cunha Barbosa, editor, ao lado de Joaquim Gonçalves
Ledo, do Revérbero Constitucional Fluminense, cuja circulação efêmera, entre
1821 e 1822, não o impediu de se tornar um veículo importante no debate
político em torno da independência do Brasil, anotou em seu discurso pu-
blicado no primeiro volume da revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), em 1839, que:
O coração do verdadeiro patriota Brasileiro aperta-se dentro no peito,
quando vê relatados desfiguradamente até mesmo os modernos fatos da
nossa gloriosa independência. Ainda estão eles ao alcance de nossas vistas,
porque apenas 16 anos se tem passado dessa época memorável da nossa
moderna história, e já muitos se vão obliterando na memória daqueles, a
quem mais interessam, só porque têm sido escritos sem a imparcialidade
e necessário critério, que devem sempre formar o caráter de um verídico
historiador.3
Essa cardíaca lamentação indicava que a Independência como evento,
em uma temporalidade marcada pela aceleração do tempo, em menos de
duas décadas, esvanecia-se como experiência, mesmo para aqueles que dela
participaram. Nem a história, nem a memória, pareciam capazes de conter
a inaptidão ou a negligência de alguns autores que não compreenderam ou
deliberadamente ignoravam a prescrição taciteana. As consequências são 200
anos de guerras (de armas e de panfletos), de consensos e de dissensos polí-
ticos, de polêmicas e embates culturais, de esquecimentos e lembranças co-
letivas e individuais, de mentiras e de verdades, de seres humanos livres e de
seres humanos em situação de escravidão, de vidas e de mortes. De projetos,
enfim; alguns que se esgotaram em seu próprio tempo, outros que, como boa
parte dos projetos da modernidade, continuam inacabados.4
3 Barbosa, Januário da Cunha. “Discurso”. Revista do IHGB, 1839, pp. 10-11.
4 Habermas, Jürgen. “Modernitity: an unfinished project”. ENTRÈVES, M.P.d’/BEN-
HABIB, S. (ed.) Habermas and the unfinished project of modernity. Critical essays on the phil-
osophical discourse of modernity. Cambridge: The MIT press, 1997, pp. 38-55.
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II
A Independência Narrada. Introdução à História da Historiografia no Brasil, de
Valdei Araujo, é um notório estudo sobre as formas narrativas que produzi-
ram sentido ao processo de querelas que tornou o Brasil um país indepen-
dente. O livro nos demonstra que o 7 de setembro de 1822 não foi apenas
uma data disposta no calendário, objeto de veneração para alguns e de des-
prezo para outros, mas um modo de organização do tempo que antecedeu e
se seguiu à Independência, contexto em que a cronologia encontra-se com
um modo de consciência histórica: a nação, o Estado e a identidade nacional.
Esses três fenômenos tornaram-se, ao longo do século XIX, valências
históricas que se disseminaram não apenas no Brasil, mas por todos os can-
tos. Incondicionalmente aceita ou contestada por diferentes grupos sociais,
por anônimos e patriarcas, a relação entre essa tríade existencial e a história
nunca foi homogênea e varia de acordo com o país.5 No caso brasileiro, há
ainda uma desproporção entre os estudos sobre a construção da nação, do
Estado e da identidade nacional – enquanto instituições políticas, econô-
micas e culturais –, e os estudos sobre a constituição da própria noção de
história. Nesse sentido, se há um entendimento quase predominante entre
os historiadores brasileiros é a de que “a ideia contemporânea de Brasil se
funda quando se consolida na historiografia uma ideia de nação”,6 ou que
“nos anos que se seguiram à independência, e durante todo o século XIX,
uma construção historiográfica foi adquirindo consistência”, com o objetivo
de “conferir ao Estado imperial que se consolidava em meio à resistência uma
5 Berger, Stefan; Lorenz, Chris (edited by). The contested nation. Ethnicity, class, religion
and gender in national histories. Basingstoke: Palgrave Macmillian, 2011. Berger, Stefan.
“‘Fathers’ and their fate in modern european national historiographies”. Storia della Sto-
riografia, 59-60, 2011, pp. 228-247.
6 Mota, Carlos Guilherme. “Ideias de Brasil: formação e problemas (1817-1850)”.
Mota, Carlos Guilherme. (Org.) Viagem incompleta (1500-2000). A experiência brasileira.
Formação: histórias, São Paulo, Editora Senac, 2000, p. 233.
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base de sustentação no constituído de tradições e de uma visão organizada do
que seria o seu passado”.7
O presente livro não nega, de modo nenhum, essa perspectiva consen-
sual. Ele aprofunda e, de certo modo, inverte o questionário e remedia a assi-
metria investigativa entre o conceito de história e a narrativa historiográfica,
por intermédio da análise de como a ideia moderna de história surgiu no
Brasil, de como ela se constituiu em conhecimento sobre si mesma e, simul-
taneamente, sobre o papel do Estado e da nacionalidade.
III
Um dos caminhos escolhidos pelo autor para analisar esta composição his-
toriográfica eventualmente metódica e harmoniosa, mas que também pode
assumir formas heteróclitas e divergentes, foi o de flanar por uma República
das letras, nacional e internacional, de ontem e de hoje (eu voltarei a esse
último ponto adiante). O autor percorre atento e prudentemente avenidas e
ruas, vielas e impasses dessa cartografia intelectual.
Respublica literaria é uma fórmula que data de 1417, ou seja, três dé-
cadas antes da invenção da imprensa.8 A tradução da expressão para as lín-
guas vernáculas abriga uma grande variedade de sentidos. Pode tanto assumir
acepções tão vagas e gerais como os eruditos, os doutos, os letrados, o saber,
as letras, quanto designar uma comunidade mundial de sábios.9 O estabele-
cimento de uma República das letras implicaria destarte em uma suposta ou
desejada liberdade de pensamento e de crítica sob a égide da razão.
7 Jancsó, István, Pimenta, João Paulo G. “Peças de um mosaico (ou apontamentos para
o estudo da emergência da identidade nacional brasileira)”. Mota, Carlos Guilherme.
(Org.) Viagem incompleta (1500-2000). A experiência brasileira. Formação: histórias. São
Paulo: Editora Senac, 2000, pp. 132-133, e nota 14.
8 Eisenstein, Elizabeth L.. The printing press as an agent of change. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 1980, p. 137, n. 287. Fumarolli, Marc. La République des Lettres.
Paris: Gallimard, 2015, p, 17.
9 Waquet, Françoise. “Qu’est-ce que la République des Lettres? Essai de sémantique
historique”. Bibliothèque de l’école des chartres. tome 147, 1989, p. 477.