A contribuição de Ignacio Aureliano Machado Brito à Icnologia Brasileira

2005·3.3 MB·Portuguese

by  Antônio C S Fernandes

Arquivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro, v.63, n.3, p.619-624, jul./set.2005
ISSN 0365-4508
A CONTRIBUIÇÃO DE IGNACIO AURELIANO MACHADO BRITO
À ICNOLOGIA BRASILEIRA 1
(Com 1 figura)
ANTONIO CARLOS SEQUEIRA FERNANDES 2 3
VERA MARIA MEDINA DA FONSECA 2 3-4
RESUMO: Ignacio Aureliano Machado Brito foi um dos paleontólogos brasileiros que muito contribuiu para o
conhecimento da Paleontologia do Brasil, tanto através dos trabalhos e livros que publicou como pelas atividades
docentes que desempenhou em sua carreira acadêmica. Dedicou-se particularmente ao estudo dos microfósseis
e dos paleoinvertebrados, passando também pela Icnologia, neste caso assinalando a presença de Asteriacites
na Formação Pimenteira, Devoniano da bacia do Pamaíba, através de dois novos icnoespécimens. Os exemplares
estudados por Ignacio Brito foram aqui revisados e identificados como A. stelliforme.
Palavras-chave: Icnologia. Formação Pimenteira. Devoniano. Bacia do Parnaíba. Asteriacites.
ABSTRACT: The contribution of Ignacio Aureliano Machado Brito to the Brazilian Ichnology.
Ignacio Aureliano Machado Brito was one of the Brazilian paleontologists that contributed very much to the
paleontological knowledge of Brazil with his papers, books and teaching in the Brazilian universities. He
studied mainly microfossils and paleoinvertebrates, but also contributed to Ichnology, by describing two
ichnospecimens of Asteriacites from the Pimenteira Formation, Devonian of the Parnaíba Basin. The specimens
studied by Ignacio Brito were revised in this paper and identified as A. stelliforme.
Key words: Ichnology. Pimenteira Formation. Devonian. Parnaíba Basin. Asteriacites.
INTRODUÇÃO Após sua saída da Petrobras, fez sua passagem
como pesquisador no Departamento Nacional de
Após a fase inicial das grandes expedições Produção Mineral e atuou como professor em
geológicas como as da Comissão Geológica do instituições acadêmicas como as universidades
Império e das contribuições de Charles Frederick federais do Ceará, Mato Grosso e Paraíba, mas
Hartt, Orville Adelbert Derby, Charles Abiathar principalmente no Instituto de Geociências da
White e John Milne Clarke nas últimas décadas do Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde
século XIX, a paleontologia brasileira foi marcada, chegou a Professor Titular, ali permanecendo até
no século XX, por um número significativo de sua aposentadoria. Como paleontólogo, dedicou-
pesquisadores de universidades e instituições de se ao estudo dos microfósseis, sendo reconhecidos
pesquisa nacionais que a ela se dedicaram os seus trabalhos sobre os acritarcos, e dos
intensamente. Entre esses pesquisadores estava paleoinvertebrados brasileiros, neste caso com
Ignacio Aureliano Machado Brito. grandes contribuições ao conhecimento dos
Ignácio Brito formou-se em História Natural pela amonitas e, também, dos equinóides das formações
Universidade do Brasil (em 1960), ingressando em cretácicas e terciárias. Além de sua dedicação aos
seguida na Petrobras e obtendo o título de geólogo grupos citados, Ignácio Brito fez também sua
de petróleo pela Universidade Federal da Bahia em passagem pela Icnologia, quando assinalou a
1962; posteriormente obteve seu grau de Mestre presença de Asteriacites na Formação Pimenteira,
em Ciências pela Universidade de Stanford, Estados Devoniano da bacia do Parnaíba. É sobre esta sua
Unidos da América, em 1966 (CAMPOS, 2001). passagem na Icnologia brasileira que trata este
1 Submetido em 16 de abril de 2004. Aceito em 22 de julho de 2005.
Apoio do Instituto Virtual de Paleontologia - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
2 Museu Nacional/UFRJ, Departamento de Geologia e Paleontologia. Quinta da Boa Vista, São Cristóvão, 20940-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Estratigrafia e Paleontologia. Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, 20559-900, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
E-mails: [email protected], [email protected] e [email protected].
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
4 E-mail: [email protected].
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trabalho, com uma revisão sistemática dos da margem direita do rio Tocantins na reserva
exemplares por ele estudados. indígena de Xerentes, no Município de Tocantínia,
atualmente pertencente ao Estado de Tocantins.
Posteriormente, a amostra foi depositada na coleção
A BACIA DO PARNAÍBA
de paleoinvertebrados do Departamento de
E SEU CONTEÚDO ICNOFOSSILÍFERO
Geologia e Paleontologia do Museu Nacional sob o
Situada principalmente no Nordeste brasileiro, a número 5339-1. Neste trabalho, apresenta-se uma
bacia do Pamaíba abrange uma área com cerca de breve discussão sobre esses exemplares que são
600.000km2 ocupando parte dos estados do Piauí, identificados como pertencentes à icnoespécie
Maranhão, Tocantins, Pará, Ceará, Bahia e Goiás. Asteriacites stelliforme (Miller & Dyer, 1878).
Embora seja considerada uma bacia BRITO (1977) também somente ilustrou um outro
caracteristicamente paleozoica, a bacia do Pamaíba exemplar procedente de camadas da Formação
contém também depósitos mesozoicos e cenozoicos Longá que afloram nas proximidades da localidade
pouco espessos e que cobrem grandes áreas de sua de Oeiras, no Estado do Piauí.
extensão. Sobre um embasamento metamórfico
proterozóico e unidades litoestratigráficas atribuídas
O ICNOGÊNERO ASTERIACITES
ao neoproterozóico e do Cambriano-Ordoviciano, a
SCHLOTHEIM, 1820 E OS EXEMPLARES
bacia do Pamaíba apresenta um pacote sedimentar
DESCRITOS POR IGNACIO BRITO
dividido em cinco seqüências: Siluriana, Devoniana,
Carbonífero-triássica, Jurássica e Cretácica (GÓES O icnogênero Asteriacites tem por característica ser
& FEIJÓ, 1994). À Seqüência Devoniana corresponde representado por escavações horizontais rasas,
o Grupo Canindé, o qual é constituído pelas estreladas, portadoras geralmente de cinco braços
formações Itaim, Pimenteira (representativa da maior que se afunilam a partir de uma porção central
ingressão marinha na bacia), Cabeças, Longá e Po ti. escavada com relativa profundidade (RINDSBERG,
Com um conteúdo fossilífero expressivo, 1994). Distribuindo-se do Cambriano Inferior
particularmente na Formação Pimenteira, o Gmpo (CRIMES, 1994) ao Recente (MIKULÁS, 1992),
Canindé possui fósseis de trilobitas, braquiópodes, Asteriacites é considerado como um icnofóssil de
moluscos, conulárias, entrocas de crinóides e outros repouso (Cubichnia) que tanto pode ter sido produzido
macrofósseis, além de icnofósseis. por ofiuróides como por asteróides (SEILACHER,
Quanto ao último grupo de fósseis, a Formação 1953). De acordo com MÁNGANO et al. (1999) a
Pimenteira tem revelado um conteúdo icnofossilífero maioria das escavações identificadas como
bastante significativo representado pelos icnogêneros Asteriacites deve ser considerada como resultado das
Arenicolites, Asteriacites, Asterosoma, Bifimgites, atividades de ofiuróides e, autores como MIKULÁS
Chondrites, Cmziana, Cylindrichnus, Diplichnites, (1990) e WEST & WARD (1990), chegaram a assinalar
Diplocraterion, Helminthopsis, Lophochtenium, a presença de ofiuróides preservados em exemplares
Isopodichnus, Macaronichnus, Merostomichnites, de Asteriacites. Entretanto, a icnoespécie A.
Neoskolithos, Nereites, Palaeohelminthoida, stelliforme, identificada para as escavações estudadas
Palaeophycus, Phycosiphon, Planolites, Rhizocorallium, por BRITO (1977), é atribuída à atividade de repouso
Rosselia, Rusophycus, Scolicia, Skolithos, Spirophyton, de estrelas-do-mar (OSGOOD, 1970; RINDSBERG,
Subphyllocorda, Teichichnus e Zoophycos 1994). Por ser relacionado à atividade de
(FERNANDES et al., 2002 e as referências citadas equinodermos, Asteriacites é tradicionalmente
por esses autores; YOUNG, BORGHI & FERNANDES, considerado como um excelente indicador de
2002; AGOSTINHO, CORRÊA & FERNANDES, 2003; ambientes de salinidade normal ou quase normal
AGOSTINHO, VIANA & FERNANDES, 2003; (RINDSBERG, 1994), embora MÁNGANO et cã (1999)
CAMPELO & VIANA, 2003; FERNANDES, não o trate como uma indicação inequívoca de
AGOSTINHO & VIANA, 2003; NASCIMENTO et al., ambientes marinhos exclusivamente normais. Nos
2003; YOUNG & BORGHI, 2003). ambientes marinhos, distribui-se desde as fácies de
águas rasas às profundas (MIKULÁS, 1992).
BRITO (1977) deu a primeira contribuição à
ocorrência de Asteriacites na formação, assinalando São reconhecidas cinco icnoespécies de Asteriacites
a presença de uma amostra com dois exemplares. (MÁNGANO etal, 1999): A. lumbricalis Schlotheim,
Estes foram coletados por Carlos Cordeiro Ribeiro, 1820, A. quinquefolius Quenstedt, 1876, A.
da empresa Metago, em arenitos finos ferruginosos stelliforme (Miller & Dyer, 1878), A. gugelhupf
da formação localizados a aproximadamente 30km Seilacher, 1983 e A. aberensis Crimes & Crossley,
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1991. De acordo com OSGOOD (1970) e icnoespécie, entretanto, não corresponderia a
RINDSBERG (1994), A. stelliforme é representada escavações de descanso e, sim, de habitação
por traços estrelados de simetria pentâmera, em que (domichnia), o que a incluiria dentro do icnogênero
os braços encontram-se ornamentados com Pentichnus Maerz, Kaesler & Hakes, 1976 (vide
estriações regulares a irregulares, pouco espaçadas MÁNGANO etal, 1999).
e dispostas em Chevron, apontando para o interior. Quando Ignácio Brito, em 1977, registrou a
Segundo OSGOOD (1970), as estriações seriam ocorrência dos exemplares de Tocantínia,
resultantes das escavações produzidas pelos pés identificou-os como Asteriacites sp. (stc), não
ambulacrais quando o animal saía de sua posição fazendo inferências sobre sua determinação em
de repouso e compreenderiam, então, uma nível de icnoespécie. Na amostra estudada existem
característica diagnóstica que diferenciaria A. duas escavações de simetria pentâmera
stelliforme das demais icnoespécies (RINDSBERG, preservadas em hiporrelevo convexo cujos braços
1994). Para OSGOOD (1970) e SEILACHER (1953), afunilam-se em direção às extremidades. Os dois
A. quinquefolius teria em seus braços uma aparência exemplares pouco diferem tanto em suas
“peluda”, enquanto que, ainda segundo OSGOOD dimensões como em suas características
(1970), A. lumbricalis apresentaria braços menores morfológicas, mas destoam no padrão de
e ausência das estriações. A presença de um disco preservação. O exemplar de melhor preservação
central, braços vermiformes relativamente estreitos, (Fig.l) possui quatro braços completos e um
expansão proximal, ramificações e repetições incompleto, apresentando raios (distância do centro
verticais e horizontais são também características à extremidade do braço) que variam de 3,0 a 4,0cm
associadas à A. lumbricalis (MÁNGANO etal, 1999). e, em uma análise mais detalhada, permite a
Quanto às duas outras icnoespécies, A. aberensis visualização nos braços de impressões regulares
caracteriza-se por impressões pequenas das estriações em Chevron que possibilitam a sua
pentarradiadas com ampla área central de identificação como A. stelliforme. Devido à
dimensões comparável ao comprimento dos raios preservação, o outro exemplar permite somente a
(CRIMES & CROSSLEY, 1991) e A. gugelhupf pela visualização de dois de seus braços cujos raios
forma cônica e cinco lobos dotados de um sulco variam de 3,5 a 4,0cm, mas as estriações não se
mediano (SEILACHER, 1983). Esta última encontram evidenciadas.
Fig. 1- Vista geral do principal exemplar de Asteriacites stelliforme (Miller & Dyer, 1878), descrito originalmente por Ignácio
Machado Brito em 1977 para a Formação Pimenteira.
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BRITO (1977) comparou as formas assinaladas às anfíbio devido a características morfológicas como
descritas e ilustradas por SANTOS & CAMPANHA tetradactilia, ausência de unhas ou garras e de
(1970, p.741, figs.5-6) como Asteríacites sp. (sic) almofadas. Representaria assim a impressão de
para a Formação Inajá (Devoniano da bacia de uma suposta condição tetradáctila primitiva,
Jatobá), ressaltando sua semelhança e a diferença diferente de outras pegadas já conhecidas e
nas dimensões dos braços. Em sua descrição, atribuídas aos anfíbios. Como resultado de sua
SANTOS & CAMPANHA (1970, p.741) assinalaram atribuição a esses vertebrados e pela posição
a existência de impressões “...paralelas, oblíquas, geográfica da ocorrência, longe das conhecidas
equidistantes...” e em forma de V com vértice zonas de origem dos anfíbios mais antigos, o Brasil
voltado em direção à região central, característica seria, portanto, uma das regiões de origem dos
diagnóstica que também permite a identificação dos vertebrados tetrápodes, ressaltando assim a
exemplares como A. stelliforme. importância do icnofóssil. A revisão da morfologia
Além dos exemplares agora identificados como A. de Notopus e as informações paleoambientais
stelliforme, outros exemplares atribuídos a esta referentes à sua ocorrência, entretanto, lançaram
icnoespécie foram assinalados para a Formação dúvidas sobre sua interpretação original. ROCEK
Pimenteira por SILVA (1999). & RAGE (1994), em uma nova hipótese,
argumentaram que não poderia ser excluída a
possibilidade do exemplar representar uma
OUTRAS CITAÇÕES DE ASTERÍACITES NO BRASIL
impressão imperfeita produzida por um
equinodermo asteróide ou ofiuróide - como
O registro de Asteríacites no Brasil, portanto,
Asteríacites - não devendo a mesma ser tomada
parece limitar-se ao Devoniano, já que, além das
como uma evidência inequívoca de anfíbios
ocorrências desta idade, sua presença nos
devonianos. Embora demonstre semelhanças
sedimentitos pré-cambrianos da bacia de
Camaquã foi assinalada com ressalva morfológicas com os exemplares de Asteríacites,
estas não são conclusivas, e as discussões sobre a
(?Asteriacites) e, atualmente, é considerada como
uma forma de Planolites (vide FERNANDES et al, identificação de Notopus como pegada de anfíbio
2002). A icnoespécie A. stelliforme ocorre, além ou escavação produzida por um asteróide ou
da Formação Pimenteira, na Formação Longá ofiuróide permanecem em aberto. Por outro lado,
(MUNIZ, 1982), na mesma bacia, e na Formação deve-se ressaltar que a fauna associada,
Inajá, esta última da bacia de Jatobá, no Estado constituída por braquiópodes, tentaculitídeos,
de Pernambuco (MUNIZ, 1985). Quanto ao registro pistas e escavações de anelídeos, além de
de A. lumbricalis, há somente uma referência para escavações (e.g., Bifungítes paranaensis Fernandes
a Formação Inajá assinalada por MUNIZ (1985); & Melo, 1985) atribuídas a artrópodes, é indicadora
os demais registros de Asteríacites não foram de um ambiente marinho mais profundo, impróprio
reconhecidos em nível de icnoespécie, sendo para a existência de anfíbios.
apenas identificados como Asteríacites sp. (stc)
(FERNANDES et al, 2002). As outras icnoespécies CONCLUSÃO
conhecidas para o icnogênero não chegaram a ser
assinaladas no Brasil. A nova análise dos exemplares descritos por BRITO
Entretanto, a morfologia de Asteríacites, somada à (1977) da Formação Pimenteira permitiu a sua
sua tradicional caracterização de paleoambientes identificação em nível de icnoespécie, contribuindo
marinhos, terminou por resultar em uma discussão para o conhecimento da distribuição das
sobre a identificação de outro icnofóssil. Como a icnoespécies de Asteríacites nos terrenos
principal interpretação para a origem de Asteríacites devonianos brasileiros. A Formação Pimenteira, em
é a de que corresponda a atividades de especial, tem sido alvo de constantes estudos
equinodermos asteróides ou ofiuróides, surgiram icnológicos auxiliando, sobremaneira, para o
então problemas quanto à determinação de outra conhecimento da sua paleofauna. A presença de
estrutura como possivelmente pertencente a esse A. stelliforme não apenas contribui para a
icnogênero. É o caso da escavação designada como interpretação de um paleoambiente marinho para
Notopus petri Leonardi, 1983, registrada na a formação, como também fortalece a interpretação
Formação Ponta Grossa, Devoniano da bacia do da presença de asteróides fósseis na unidade, já
Paraná (LEONARDI, 1983). Notopus foi inicialmente que se trata de icnoespécie atribuída à atividade
interpretado como uma pegada produzida por um desses animais.
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