Table Of ContentEntender e enfrentar os efeitos psíquicos,
sociais, culturais e económicos do racismo é
fundamentaln a engrenagem de construção de
um país mais justo. As instituições modernas,
e em especial a grande mídia enquanto
espaço público de construção de narrativas e
conceitos, têm sido instrumentos de reafirmação
dos estigmas raciais, bem como de negação
de direitos e promoção da violência a partir
destes. E contam com o endosso de práticas
socioculturais profundamente racistas. E no
cotidiano da vida comum, no universo coloquial
e empíricod as relações,o nde se calcifica a
cultura racista que nos atormenta. 0 professor
Adilson José Moreira identifica neste ambiente a
prática habituald e humilhação social disfarçada
de graça. humore jocosidadee a relacionac om
FEMINISMOS
PIUBAIS
a passividadee permissividaded as instituições
jurídicas. 0 raclsnoo recrealzvo, conceito-tese
COORDENAÇÃO
desta obra, servirá como importante instrumento
DJAMIM RIBEIRO
para qualificar a luta histórica pelo direito à
dignidade e à vida populaçãon egra brasileira.
DOUGUS BELCHIOR
Professor e militante do Movimento Negro Uneafro-Brasil
FEMINISMOS
PIORAIS
COORDENAÇÃO
DJAMlm RIBEIRO
ADILSON
MOREIRA
SÃO PAULO l 2019
Copyright © 2019 Adilson Moreira
Todos os direitos reservados a Pólen Livros, e protegidos pela
Lei 9.610, de 19.2.1998. E proibida a reprodução total ou parcial
sem a expressa anuência da editora.
Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográâlco
da Língua Portuguesa.
Direção editorial
Lizandra Magon de Almeida
Reüsão
Lindsay Viola
Luana Balthazar
Prometo.g ráfico e diagramação
Daniel Mantovani
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP)
Angélica llacqua CRB-8/7057 Dedico este livro a todos os membros de minorias
raciais, pessoas cuja reputação pessoal é constantemente
Moreira, Adilson vilipendiada em função da circulação de estereótipos
Racismo recreativo/ Adilson Moreira. - São Paulo : Sueli Carneiro ; negativos que têm como objetivo perpetuar uma ordem
Pólen, 2019. social injusta. Ofereço um abraço especial às mulheres
negras deste país, vítimas constantes do humor racista.
232p .(Feminismos Plurais/ coordenaçãod e Djamiia Ribeiro)
ISBN: 978-85-98349-70-1
1. Racismo 2. Disciüninação racial 1. Título 11. Ribeiro, Djamila 111.S érie
19-0310 CDD 305.8
www.polenlivros.com.br
? '%.
www.facebook.com/poleiüivros
@;polenlivros
(11) 3675-6077
AGRADECIMENTOS
Meus mais sinceros agradecimentosà Djamila Ribeiro
pelo convite para ser um dos autores da coleção Feminismos
Plurais, projeto de imensa importância para a discussão de
temas muito relevantes para um país que ainda precisa cons-
truir uma cultura pública democrática.
Muitas pessoas contribuíram direta e indiretamentep ara
a elaboraçãod este livro. Sou grato a Arthur Roberto Capella
Giantamassio, Eduardo Altamore Ardente, Ligia Ferreira,
Lúcia melena Betüni, Pedro Avelino Buck, Mau Marçal
Salles e Thomaz Sassi pelos comentários e sugestões que
melhoraram a qualidade desta obra. Também expresso minha
gratidãoa Douglas Belchior, Trago Vinícius de André dos
Santos, Gislene Aparecida dos Santos, Joice Berth e Eunice
Prudente pelas conversas iluminadoras sobre questões raciais.
Este trabalho não teria sido finalizado sem a ajuda de Fábio
Sampaio Mascarenhas, acadêmico que seguramentet erá um
papel importante na evolução dos estudosj urídicos deste país.
Nenhuma obra consegue vir à tona sem o apoio de amigos
e amigas. Meus agradecimentos a Ana Fátima de Bruto,
Brenno Tardelli, Felipe Chiarello, Danilo Tavares, Mário
André Cabral Machado, José Francisco Siqueira Netto, Cardos
Eduardo Nicoletti Camião e Renato de Moraes Santiagop elo
apoio pessoal e profissional constante.
Um forte abraço para Rafael Polidoro Barbosa e lvar
Martins Harünann por facilitarem acesso a material indispen-
sável para a elaboração deste trabalho.
Um beijo imenso para todos os meus familiares
SUMÁRIO
37
1 - Projeto raciais e processos de racialização
1. 1 Racismo aversivo, racismo simb(51icoe racismo institucional.. 45
1. 2 0 conceito de microagressões 51
1. 3 A branquitude como significante cultural 54
1. 4 A psicologia social dos estereótipos e dos estigmas 58
2 - A psicologia social do humor. 67
2.1 As teoriasd o humor 70
2. 1 . 1 As teorias da superioridade 70
74
2. 1. 2 A teoria psicanalítica do humor
2. 1 .3 A teoria da incongruidade. 75
2.2 0 humor racista e seus mecanismos psicológicos . 78
2.3 0 humor racista e a manutenção do püvilégio racial. 84
3 - Racismo recreativoc omo política cultural. .......... 93
3. 1 Racismo recreativo nos meios de comunicação. 98
3.1.1 Tido Macalé, o feio.. 103
3.1 .2M ussum, o bêbado 105
3.1.3 Verá Verão, a bicha preta.......... 108
3.1.4A delaide,a desvairada 111
4 - Injúria racial na doutrina e na jurisprudência 117
4. 1 Definiçãoj urídica do crimed e injúria 119
4.2 A injúria racial . ... 122
4.3 0 conceitoj urídico de honra: sua dimensão objetivae subjetiva. 125
4.4 A jurisprudência brasileira sobre injúria racial 132
4.5 Um Tópico Especial: O Amigo Negro. 138
5 - Racismo recreativo: definição e modos de operação 147
6 - Racismo recreativo e liberdade de expressão. 159
6.1 Teorias de Liberdaded e Expressão... 160
6.2 As Consequências Psicológicas e Sociais do Humor Racista 172
6.3 A Liberdade de Expressão a Partir do Ponto de Vista do Oprimido 174
7 - Conclusão ... 179
8 - Notas, Referências e anexos .. 183
APRESENTAÇÃO
DjamilaR ibeiro
FEMINISMO
FlORAl
O objetivo da coleção Feminismos Plurais é trazer
para o grande público questões importantes referentes
aos mais diversos feminismos de Forma didática e
acessível. Por essa razão, propus a organização --
uma vez que sou mestre em FilosoHla e feminista de
uma série de livros imprescindíveis para pensarmos
em produções intelectuais de grupos historicamente
marginalizados: essesg rupos como sujeitos políticos.
Nosso foco principal é o feminismo negro, tema
escolhido a fim de explicitar os principais conceitos
e definitivamentero mper com a ideia de que não se
está discutindo projetos. Ainda é muito comum se
dizer que o feminismo negro traz cisões ou separa-
ções, quando é justamente o contrário. Ao nomear
as opressõesd e raça, classee gênero,e ntende-sea
n
necessidade de não hierarquizar opressões, de não 5-
criar, como diz Angela Davas, em Mulheres negras na
=
construção de uma nova utopia, "primazia de uma =;.
opressão em relação a outras". Pensar em feminismo
13
negro é justamente romper com a cisão criada numa Com vendas a um preço acessível, nosso objetivo
é contribuir para a disseminação dessas produções.
sociedade desigual. Logo, é pensar prqetos, novos
marcos civilizatórios,p ara que pensemosu m novo Para além desse tímlo, abordamos também temas
como encarceramento, racismo estrutural, branqui-
modelo de sociedade. Fora isso, é também divulgar
a produção intelectual de mulheres negras, e também tude, lesbiandades, mulheres, indígenas e caribenhas,
de homens,c olocando-asn a condiçãod e sujeitose transexualidade, afetividade, interseccionalidade,
seres ativos que, historicamente, vêm fazendo resis- empoderamento, masculinidades. E importante
tência e reexistências. ponmar que essa coleção é organizada e escrita por
Dentro do escopo da coleção, as temáticas são mulheres negras e indígenas, e homens negros de
bastante abrangentes e muito urgentes.E o caso regiões diversas do país, mostrando a importância de
deste volume, que pela primeira vez aprofunda a pautarmos como sujeitosa s questõesq ue são essen-
ciais para o rompimentod a narrativa dominantee
discussão da relação entre humor e racismo. Por um
não sermos tão somentec apítulose m compêndios
ponto de vista jurídico, o advogado, mestre e doutor
em Direito Adilson Moleira esmiúça os conceitos de que ainda pensam a questão racial como recorte.
racismo e injúria racial, explicitandoo viés racista Grada Kilomba em /)Za /aí/o/zsM emones. Ep/sortes
que a Justiça brasileira deixa claro quando decide ofEverydayRacism, ÕXz.
que produções culturais que reproduzem estereótipos
Esse livro pode ser concebido como um modo
raciais não são discriminatórias porque promovem
de "tornar-se um sujeito" porque nessese scri-
a descontraçãdoa s pessoas fato recorrentee m
tos eu procuro trazer à tona a realidaded o
sentenças sobre a representação de minorias raciais racismo diário contado por mulheres negras
em programas humorísticos. baseadoe m suas subjetividadees p róprias
Entendendo a linguagem como mecanismo de percepções.(KJI,OMBA, 2012,p . 12)
manutenção de poder, um dos objetivos da coleção é
o compromisso com uma linguagem didática, atenta Sem termos a audácia de nos compararmos com
o empreendimentod e Kilomba, é o que também
a um léxico que dê conta de pensar nossas produções
a e articulações políticas, de modo que seja acessível, pretendemos com essa coleção. Aqui estamos falando
''em nosso nome''.'
como nos ensinam muitas feministas negras. Isso de
= forma alguma é ser palatável, pois as produções de =
feministas negras unem uma preocupação que vincula Djamila Ribeiro
a sofisticação intelectual com a prática política.
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INTRODUÇÃO
retratar homens negros, e outros assediavam homens
brancos para representar a suposta sexualidade exacer-
bada da mulher negra. Fotos e vídeos foram divul-
gados nas redes sociais e os foliões soReram críticas
severas. Os que protestaram aíL'maram que a negri-
Mde não é uma íàntasia de carnaval; também disseram
que os trqeitos reproduzidos são estereótiposr aciais
derrogatórios, razão pela qual comportamentos como
esses nunca deveriam ocorrer. Várias pessoas brancas
reagiram a esses comentários imediatamente. Elas
afirmaram que eles, os foliões, estavam simples-
mente representando personagens Hlctícios,m otivo
E carnaval no Brasil, um momento de alegria e pelo qual não havia qualquer tipo de ofensa racial
recreação esperado por todos. Essa grande festa é
envolvida. Esses indivíduos alegaram que os foliões
acompanhadap or muito samba, suor e cerveja. As brancos estavam apenas se divertindo; eles não tinham
pessoas vão para as ruas fantasiadas para celebrar a nenhuma intenção de ofender negros. Alguns falaram
data. Obviamente, elas não se divertem sozinhas. Elas
que essa prática poderia até mesmo ser vista como
se juntam a blocos que adoram temas específicos para uma forma de homenagem a pessoas negras.z
as fantasias de seus membros.
E muito comum ouvirmos o argumento segundo
Em uma ocasião recente, muitos foliões e Folias o qual produções culturais que reproduzem este-
se fantasiaram de negros em uma conhecida cidade reótipos raciais não são discriminatórias porque
turística. Pintaram a cara de preto, vestiram perucas promovem a descontração das pessoas. Isso sempre
com cabelo crespo e acentuaram seus narizes, bocas ocorre durante discussões sobre a representaçãod e
e nádegas para se aproximarem da figura estereo- minorias raciais em programas humorísticos. Por
tipada de uma pessoa negra. Alguns dessesh omens
exemplo, Tião Macalé era um personagem muito
brancos e algumas dessas mulheres brancas reprodu- popular em um passado recente. Vários indiví-
s 'g a
HO ziam trejeitos que para eles correspondem à forma duos diziam que o programa do qual ele fazia parte
como pessoas negras se comportam. Alguns faziam propagavao racismo, mas essa afirmaçãos empre
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C.9 :== gestos tresloucados ou imitavam pessoas bêbadas para era imediatamente rejeitada. As cenas nas quais ele
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