Table Of ContentUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
PAULO MENOTTI DEL PICCHIA
Por que eles ainda gravam?
Discos e artistas em ação
Versão Corrigida
São Paulo
2013
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Por que eles ainda gravam?
Discos e artistas em ação
Versão Corrigida
Paulo Menotti Del Picchia
De Acordo
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social
do Departamento de Antropologia
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do título de Mestre em Antropologia
Orientador: Professora Doutora Rose Satiko Gitirana Hikiji
São Paulo
2013
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Aos meus filhos
Maria Júlia Novaes Del Picchia
e João Sanches Del Picchia
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RESUMO
Esta dissertação une antropologia e música para analisar processos contemporâneos de
produção de discos e músicos na cidade de São Paulo. A questão central que permeia todo
texto é a seguinte: por que ainda se grava discos na era da música digital compartilhada no
ciberespaço através da internet? Em outras palavras, por que no mesmo período em que as
vendas de discos físicos (CDs e discos de vinil) diminuíram, colocando as grandes
companhias fonográficas numa crise sem precedentes, um grupo de compositores urbanos
passou a produzir e lançar discos físicos de forma autônoma, contínua e intensa?
Acompanhando processos criativos e produtivos de três compositores paulistas – Kiko
Dinucci, Rodrigo Campos e Tatá Aeroplano –, o disco emergiu como agente fundamental
realizando as mediações que possibilitam aos compositores se constituírem enquanto artistas,
construindo uma imagem pública (e uma sonoridade), e conquistando reconhecimento
coletivo. O mesmo processo de digitalização que desencadeou a pirataria musical na internet,
desencadeou um curto-circuito entre arte e técnica no fazer musical, e um curto-circuito
entre artista e público, reconfigurando o lugar social dos discos para esse grupo de
compositores que ainda faz questão de gravar e lançar músicas próprias.
No primeiro capítulo, baseado numa etnografia dentro de estúdios, acompanhei a gravação
dos discos – Bahia Fantástica (Rodrigo Campos), Tatá Aeroplano (Tatá Aeroplano) e Metal
Metal (Kiko Dinucci). Identifiquei dinâmicas coletivas de arranjo das canções que
caracterizam um processo criativo no qual as atividades de todos os envolvidos são
permeáveis entre si, e em que arte e técnica se interpenetram.
No segundo capítulo, realizei uma experimentação musical com a teoria da agência de Alfred
Gell, para analisar como os discos agem fora dos estúdios transformando a vida dos
envolvidos em sua produção. Os discos, tratados aqui como indexes musicais, se mostraram
sujeitos atuantes nos processos de construção dos artistas.
No terceiro e último capítulo, segui os três compositores na internet mapeando alguns usos e
estratégias de ação no ciberespaço. Procurei descrever como os discos são disponibilizados no
mundo digital, especialmente em redes sociais que possibilitam uma comunicação direta entre
artistas e público. Os três capítulos juntos descrevem como os discos gravam os artistas, tanto
quanto os artistas gravam os discos.
palavras-chave: música, disco, agência, curto-circuito, arte, técnica
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ABSTRACT
This dissertation connect anthropology and music to analyze contemporary process of record
production and musicians in São Paulo. The central question that permeates the entire text is
the following one: why does it still record albuns in the age of digital music shared on
cyberspace through internet? In other words, why at the same time when the physical record
sales decreased (CDs and vinyl records), placing large companies in an unprecedented crisis,
a group of urban composers is recording and releasing physical records with autonomy,
intensity and continuity? Following creative and productive processes of three composers
from São Paulo – Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Tatá Aeroplano –, the disc has emerged
as a central agent performing the mediations that enable the composers to build themselves as
artists, building a public image (and a sonority), and acquiring collective recognition. The
same digitalization process that has triggered musical piracy on internet, has triggered a short-
circuit between art and technique in the music making, and a short-circuit between artist and
public, reconfiguring the record’s social position inside this group of composers that still
record and release their songs.
In the first chapter, based on an ethnography inside the studios, I followed the recording
process of – Bahia Fantástica (Rodrigo Campos), Tatá Aeroplano (Tatá Aeroplano) e Metal
Metal (Kiko Dinucci). I have indentified song’s collective dynamics of arrangements that
characterize a creative process where the activities of all people involved are together
permeable, and where art and technique intertwine.
In the second chapter, I have conducted a musical experiment with Alfred Gell’s agency
theory, to analyze how the records act outside the studios, transforming the social life from
the people involved with its production. The records, treated here as musical indexes, have
presented it selves as acting subjects in the process of an artist construction.
In the third and last chapter, I have followed the composers, while mapping their uses and
strategies of action on cyberspace. I have tried to describe how the records are available in the
digital world, especially in social networks enabling a straight communication between artists
and public. All the three chapters together describe how the album record the artists, as much
as the artists record the albums.
key words: music, record, agency, short-circuit, art, technique
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SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................................9
1. Sobre as possibilidades de uma antropologia musical urbana..............................................13
2. São Paulo imã de músicos………………………………………………………………….15
3. Compositores e Grupo Sonoro..............................................................................................19
4. Cancionistas, compositores, intérpretes, instrumentistas ou artistas………………………23
Capítulo 1 - Da Canção Bruta à Canção Produzida………………………………………32
Músicos e Estúdios…………………………………………………………………………...32
1a Parte - Seguindo os Discos em Construção – etnografia dentro de estúdios
1.1. Minduca – Tatá Aeroplano………………………………………………………………36
1.2. Intimidade com a tecnologia – produtor musical como mediador entre arte e técnica….42
1.3. Dinâmicas coletivas de arranjo………………………………………………………….51
1.4. Cardeal 2100 – Passo Torto……………………………………………………………..56
1.5. El Rocha – Metá-Metá…………………………………………………………………..59
1.6. YB Music – Bahia Fantástica……………………………………………………………62
2a Parte - De Casa para o disco – da canção bruta à canção produzida………………...66
1.7. Canção bruta……………………………………………………………………………..67
1.8. Produzindo a canção……………………………………………………………………..70
1.9. Canção produzida………………………………………………………………………...75
1.10. Curto-circuito entre técnica e arte………………………………………………………81
Capítulo 2 - Os discos em ação……………………………………………………………...85
2.1. O fazer musical dos novos compositores………………………………………………...86
2.2. Discos reconfigurados……………………………………………………………………90
2.3. Rodrigo Campos – São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe…………………...99
2.4. Teoria da agência e música……………………………………………………………..103
2.5. Indexe musical – sobre a ligação entre artistas e discos………………………………..108
2.6. Tatá Aeroplano e a banda Cérebro Eletrônico - Onda Híbrida Ressonante……………112
2.7. O Segundo disco como indexe paciente………………………………………………..115
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2.8. Kiko Dinucci – “Pau pra Toda Obra”…………………………………………………..119
Capítulo 3 - Cibercultura e música: sobre discos virtuais e usos da internet………….130
3.1. Digitalização da música………………………………………………………………...132
3.2. Sociedade em rede e comunicação……………………………………………………..140
3.3. O uso do MySpace……………………………………………………………………...146
3.4. O uso do Souncloud…………………………………………………………………….151
3.5. O uso do Facebook……………………………………………………………………...153
3.6. O uso dos sites pessoais………………………………………………………………...166
3.7. Curto-circuito comunicacional entre artistas e public…………………………………..170
Considerações Finais………………………………………………………………………174
Nota sobre a ideia de música independente…………………………………………………177
Desafios à vista……………………………………………………………………………...180
Glossário……………………………………………………………………………………183
Referências Bibliográficas…………………………………………………………………184
Referências Fonográficas………………………………………………………………….191
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INTRODUÇÃO
Esta dissertação é fruto do encontro de um músico apaixonado por antropologia com um
antropólogo apaixonado por música. Meu interesse pela música vem de longe, desde os
primórdios da adolescência quando comecei a tocar baixo elétrico e participar de bandas de
MPB e de Rock. Nunca parei de tocar, mesmo quando entrei no curso de Ciências Sociais na
USP continuei minha trajetória como instrumentista, me tornando aos poucos também um
compositor. Ainda na graduação, comecei a ter contato com a área de estudos caracterizada
pelo encontro da antropologia com a música – etnomusicologia para uns, antropologia da
música para outros – através de dois cursos ministrados por dois professores visitantes na
época, um por Kazadi wa Mukuna e o outro por Tiago de Oliveira Pinto. Esses cursos foram
de extrema importância para despertar uma serie de questões, sendo que uma delas me
acompanhou ao longo dos anos - a ideia de que para se compreender a música de forma mais
abrangente é fundamental se falar das relações sociais que envolvem o fazer musical e não
apenas de melodias, ritmos e harmonias. As formas, estilos e gêneros musicais variam
imensamente pelo globo, entretanto, são sempre fenômenos produzidos através de relações
sociais. O pensamento antropológico priorizou ou focalizou, durante muito tempo, as relações
entre humanos. Porém, o fazer musical envolve também as relações sociais com não-humanos,
sejam eles espíritos, tambores, vitrolas ou computadores.
Falando em não-humanos ligados ao universo musical, ainda tenho em casa uma antiga
vitrola Gradiente que ganhei de meu pai aos 11 anos de idade, mais ou menos na mesma
época em que comecei a querer tocar instrumentos musicais. Na verdade, ganhei a vitrola um
pouco antes de ganhar o meu primeiro violão e ao escrever essas linhas, me ocorreu que
talvez a vitrola tenha sido a responsável pelo violão, tenha causado o violão em minha vida.
Mas o que causou a vitrola? Com certeza o primeiro disco do Pink Floyd que ouvi em 1989,
The Wall, cujos acordes reverberaram anos a fio nos meus ouvidos. Tratava-se de um disco
duplo, a capa era o desenho de um muro branco e remetia a muitas coisas, entre elas, ao
próprio muro de Berlim que havia sido destruído há pouco tempo. O disco The Wall era tão
grandioso que também deu origem a um filme onde a trilha sonora narrava a história. Meu
aprendizado musical foi muito marcado pelos discos que chegavam à minha vitrola Gradiente.
Quando se está a aprender um instrumento a gente tenta tirar de ouvido as músicas das quais
gostamos.
***
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Em Maio de 2013 fiz uma lista de CDs estrangeiros que gostaria de comprar para uma amiga
que viajaria a Miami nos Estados Unidos. Selecionei alguns artistas que admiro bastante e que
não encontrava nas lojas de discos brasileiras, ou que quando encontrava o preço era
exorbitante. Para minha surpresa e decepção ela retornou da viagem sem nenhum álbum na
mala, me contando que todas as lojas de discos de Miami fecharam as portas e que a loja mais
próxima do local onde ela se hospedara ficava há uma hora e meia de viagem.
Dia 9 de Junho de 2013, na Ilustrada da Folha de São Paulo, o jornalista Lucas Mobile,
especializado em música, assinou a matéria “Músicos elegem CD como melhor formato.” Ele
entrevistou três músicos de gerações diferentes - o maestro João Carlos Martins, o vocalista
de rock Nasi e o rapper Rael - sobre três formatos diferentes, Vinil, CD e MP3. “Aos 72 anos,
o maestro foi apresentado pela primeira vez ao formato digital, dominante desde os anos
1990.” João Carlos Martins afirmara que aquela era a primeira vez que escutava a sigla MP31.
Para Rael o MP3 “funcionou por ser fácil de ser compartilhado.” O Rapper seguia dizendo:
“não consigo viver sem o MP3, não dá para ter tudo no formato físico, sem desmerecer o CD
e o vinil, que têm bastante qualidade.”
Estes dois pequenos parágrafos ilustram aspectos curiosos do momento que estamos vivendo
na música: de um lado as vendas de discos físicos estão caindo acentuadamente a ponto das
lojas de discos se tornarem raras, de outro, músicos de uma geração mais velha acostumados
aos CDs e discos de vinil não acompanham os novos formatos e suportes que se multiplicam.
Numa mesma época, pessoas que vivem da música, como o maestro João Carlos Martins,
sequer haviam escutado falar em MP3, e outras como Rael, não vivem sem o MP3. Estamos
diante de múltiplas temporalidades com várias formas de se escutar música gravada
coexistindo. Essas temporalidades se expressam, por exemplo, na variedade de aparelhos,
suportes e formatos encontrados na música. Mesmo os termos para denominar a música
gravada se multiplicam. No primeiro parágrafo, propositalmente, escrevi CDs, discos e álbuns
para designar, basicamente, um mesmo tipo de objeto que encomendara para minha amiga.
Na matéria de jornal encontramos a expressão “formato” logo no título para expressar a
1 No decorrer da matéria discute-se a qualidade do áudio nos três formatos a partir da opinião dos
músicos submetidos a um “teste cego.” Os três escutaram de costas a faixa “You Don’t Know Me”, do
disco Transa, de Caetano Veloso, nos três formatos para tentarem advinhar de qual deles vinha o som.
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